Excursão a Mathausen

Imagem: BBC

Por Marcos Weiss Bliacheris

Escolas européias costumam organizar viagens de estudos de seus alunos aos campos de concentração e extermínio da Segunda Guerra Mundial, para estudar no local onde os fatos aconteceram. Uma delas vem dando o que falar e tendo repercussão na imprensa internacional.  O motivo: a exclusão de uma aluna autista, de 14 anos.

A escola, situada perto de Milão, se tornou notícia nacional quando os pais de uma aluna autista tornaram público que ela não iria participar da excursão ao campo de Mathausen porque, segundo denunciado à escola, a garota estava sendo excluída por seus colegas.

Tudo começou com os onipresentes grupos de Whatts App. No grupo da turma do oitavo ano (do qual a aluna não fazia parte), logo após o anúncio da viagem os alunos já diziam que ninguém queria dividir o quarto com aquela menina. Diante da proporção que o caso tomou, do sentimento de exclusão e das mensagens trocadas, os pais  da aluna pediram uma reunião com a escola e com os outros pais para tratar do assunto.

A mágoa maior dos pais não foi com o duro tom das mensagens dos colegas, mas que o mesmo tom foi usado pelos professores. Que os demais pais silenciaram diante disso. Que a escola negou que fosse um problema de bullying ou inclusão. Que, após tentarem uma reunião, não obtiveram resposta nenhuma dos outros pais. Que as (muitas) críticas foram públicas e os (poucos) apoios foram privados, quase envergonhados.

Como diz a mãe disse ao jornal Corriere de La Sera: “tantas palavras bonitas, mas, na hora de agir… na escola organizam palestras contra o bullying … mas, de verdade, o que mais me dá raiva não são os companheiros de classe. Essa mensagens…são coisa de jovens. São os adultos que me decepcionaram e entristeceram.”

Uma situação que acontece em qualquer escola que tenha um aluno com deficiência estudando. Uma situação que qualquer pai de autista viveu. QUALQUER UM.

Uma situação comum. Basta você querer observar e não virar para o lado ou fechar os olhos como fizeram os pais dos jovens italianos.

Um novo grupo de whatts app foi criado, sem os pais da jovem autista. Sentindo que a imagem da escola, dos pais e dos alunos estava sendo afetada, os outros pais e a escola se uniram em um grupo coeso, deixando a família da autista se sentindo ainda mais excluída. Como a reunião sobre o assunto nunca foi realizada e a angústia da família não encontrou receptividade junto a seus pares ou à escola, a situação foi objeto de denúncia ao Ministério da Educação. Por fim, a família decidiu  que a criança não iria à excursão.

O colégio e os pais dos demais colegas tentaram colocar panos quentes na situação, dizendo que tudo tinha sido um grande mal entendido. Para quem costuma acompanhar casos semelhantes, na grande maioria dos casos que vem a público, esta é uma explicação quase universal. Como eles disseram, sua posição sempre foi “conciliatória” e no sentido de  “restaurar a calma”. Não deixa de ser interessante que sempre se cobre calma de quem é excluído, em vez de empatia de quem exclui.

Como destacou a emissora inglesa BBC,  a família foi condenada por defender seu filho e perturbar a aparente harmonia –  outra situação que se repete muito. Uma harmonia que se sustenta na exclusão e no silêncio. A família falhou em se comportar com a docilidade esperada de um bom excluído. Os pais de autistas muito comumente são acusados de ser autores de terríveis mal entendidos e de exagerar nas reações. Assim como os judeus em caso de antissemitismo, os negros em casos de racismo, os gays quando sofrem homofobia, as mulheres que denunciam machismo. Como se diz hoje: mimimi.

Com a repercussão na imprensa italiana e internacional, o Ministério da Educação italiano suspendeu a excursão para averiguar o que estava acontecendo e estudar as medidas que deveriam ser tomadas. A mensagem foi clara: ou vão todos os alunos ou não vai ninguém.

A escola, claro, ficou indignada por tal situação ter vindo a público. Afinal, diziam, ela poderia resolver a situação (mas não o fez).

A Fundação Museu Shoah, instituição judaica dedicada à memória do Holocausto, propôs uma excursão guiada à jovem excluída por seus colegas, caso fosse seu desejo. Os pais agradeceram à Fundação, mas expressaram seu desejo de que a filha fizesse a viagem junto com os colegas, como é seu direito.

Mario Venezia, representante na Itália da Shoah Fundation, lembrou que pessoas com deficiência também foram perseguidas e mortas pelos nazistas e arrematou:

“Educar crianças sobre o Holocausto não é somente mostrar documentos e levá-los em viagens aos campos de extermínio. Também é ensiná-los a aceitar e respeitar as diferenças no dia-a-dia.”

Ler livros e recordar datas é muito mais fácil que vencer o preconceito e a indiferença. Para fazer isso, não podemos ficar parados, temos que acolher as diferenças e estarmos preparados para as dificuldades do caminho. Isso dá muito trabalho.

Trabalho de que o sistema educacional italiano não está dando conta (e de que o nosso tenta se eximir,  como demonstra a ação impetrada pelas escolas particulares junto ao STF, em que se pleiteia o “direito” de excluir). A LEDHA, organização italiana de auxílio legal a pessoas com deficiência,  promove 137 ações judiciais contra escolas por discriminação contra alunos com deficiência.

Esta é uma exceção, um caso que rompeu o silêncio e ganhou as manchetes. Quantas outras crianças e adolescentes estão sofrendo em silêncio por toda Itália? E no Brasil? Em sua cidade, em sua escola, na escola de seu filho?

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