O autismo não é um transtorno do comportamento

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Por Pedro Lucas Costa e Lopes de Lima, Maria Creusa Mota e Sandra Ferraz de Castillo Dourado Freire

Segundo Prizant e Fields-Meyer (2023), as mudanças na compreensão têm sido constantes desde as primeiras publicações sobre o Autismo. Isso se deve a pesquisas que ampliam a participação e o protagonismo de pessoas autistas, muitas delas realizadas por pesquisadores autistas.

De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América (EUA), atualmente a principal referência mundial sobre a prevalência do autismo, houve um aumento de 22% em 2023 em comparação com o estudo científico anterior, publicado em 2021. Hoje, a prevalência é de uma criança autista de 8 anos para cada 36 crianças não autistas.

O autismo é caracterizado atualmente por pesquisadores da teoria histórico-cultural e dos estudos da defectologia de Vigotskj como um ritmo e organização simbólica distintos das outras pessoas, fazendo com que experiências de comunicação social com inúmeras barreiras, a falta de acessibilidade na comunicação e a organização e sequência de atividades oriundas de uma sociedade capacitista impeçam que as crianças autistas se desenvolvam de acordo com seus modos, impossibilitando-as de participar e cooperar plenamente na cultura.

Além das barreiras nos processos de significação, as crianças autistas enfrentam constantes situações de desorganização sensorial que ocorrem devido a uma diferença no processamento das informações recebidas pelos sentidos. Quanto mais significativa a diferença nos processos de significação em relação àqueles historicamente convencionalizados, maiores são as barreiras à comunicação social e, consequentemente, ao desenvolvimento, inserção e apropriação da cultura, exigindo o apoio necessário à mediação e à tecnologia assistiva (Prizant et al., 2006; Olinger, 2010).

Em seu Fundamentos da Defectologia, Vygotskj (1993) afirma que a deficiência é um problema social. Esta proposta sugere que a experiência autista é percebida no campo psicológico como resultado de relações que impõem uma posição social menos válida à pessoa autista.

Vygotskij (1993) argumenta que o desenvolvimento atípico é marcado por processos psicológicos que, baseados na cultura e na história, possibilitam compreender a diversidade das formas humanas de desenvolvimento. Para ele, nas teorias tradicionais do desenvolvimento, as pessoas com diferenças ontogenéticas são vistas principalmente a partir de uma abordagem quantitativa, que se concentra no que a pessoa não pode fazer – suas limitações. No entanto, na teoria histórico-cultural, as crianças são coparticipantes de seu processo de desenvolvimento. A visão, antes focada na falta de habilidades ou déficits, agora está orientada para suas possibilidades de aprendizagem.

Vygotskij (1978) afirma que o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem e pela experiência sociocultural da criança. O crescimento da criança depende do domínio dos meios sociais de pensamento, ou seja, da linguagem compartilhada.

Enfatiza a relação entre pensamento e linguagem e a inter-relação entre ambos. Vygotskij (2000) aponta o significado como característica constitutiva da palavra. Dessa forma, é considerado um fenômeno discursivo; é uma generalização transformada em conceito. A generalização e o conceito são um ato de pensar; portanto, um fenômeno do pensamento. No entanto, o significado da palavra é apenas um fenômeno do pensamento na medida em que é significado, e isso acontece nas relações sociais por meio do uso cotidiano na construção de conceitos coletivamente.

O pensamento da criança começa como um todo e confuso, precisando encontrar na linguagem sua expressão em uma palavra. No entanto, à medida que se transforma em linguagem, o pensamento se reestrutura e muda. Enquanto falamos, o pensamento se reorganiza, adquirindo uma nova versão, cada vez mais complexa.

Nessa direção epistemológica, pensamento e linguagem estão dialeticamente relacionados, apesar de terem raízes diferentes. Portanto, deve-se atentar para todas as manifestações da comunicação da criança autista, oferecendo outros meios e caminhos complementares para a participação e cooperação. Autistas com necessidades complexas de comunicação se beneficiam da comunicação suplementar e alternativa e da linguagem simples.

Para tanto, é imprescindível a disponibilização de espaços de interação social para a expressão espontânea e mediada da linguagem com instrumentos específicos, se necessário, pois o sujeito se constitui por meio das relações sociais estabelecidas com seus pares e educadores por meio da comunicação, independentemente de sua forma de expressão. O primeiro passo é estarmos juntos no mesmo espaço físico. O segundo passo é que eles façam as mesmas atividades, complementadas pela acessibilidade educacional quando necessário. As crianças precisam estar em relação com o mundo por meio da ação mediadora. 

Vygotskij (1993) opõe-se às tentativas de biologizar concepções sobre o desenvolvimento da criança com deficiência, pois, segundo ele, este não é apenas biológico, mas também social; Seu desenvolvimento insuficiente deve-se essencialmente à falta de educação especial adequada e de qualidade.

Nesse sentido, devemos estar atentos à adoção de um determinado conceito de desenvolvimento, pois este influenciará procedimentos, técnicas, desdobramentos da prática pedagógica e, consequentemente, seus resultados.

Autores:

Pedro Lucas Costa e Lopes de Lima: Pedagogo e professor de educação especial, mestre em educação especial pela universidade Fernando Pessoa e Autista.

Maria Creusa Mota: Professora e mestra e doutoranda em psicologia do desenvolvimento e escolar e Autista.

Sandra Ferraz de Castillo Dourado Freire: Professora Doutora na Universidade de Brasília no departamento de psicologia escolar e do desenvolvimento no instituto de psicologia.

Texto originalmente apresentado em inglês para o BEYOND INCLUSION TOWARDS TRANSFORMATIVE EDUCATION IX International Seminar “Vygotskij”

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