Sua inovação é inclusiva?

A inovação inclusiva já deveria ser padrão, mas ainda a avistamos de luneta.

Texto de Luiz Serafim.

Minha jornada profissional começou nos anos 1990, quando inovação não era parte da pauta corporativa, nem das grades curriculares das universidades. Eram tempos em que se enxergava a inovação principalmente pela ótica de plataformas tecnológicas gerando novos produtos, com protagonismo dos cientistas de “jaleco branco”.

Nos anos 2010, inovação já era tema “hypado”, com vetor mais forte direcionado ao universo das startups, incubadoras, aceleradoras e outros agentes da inovação aberta. Os holofotes já não focalizavam tanto novos produtos, mas apontavam para a valorização de novos tipos de inovação, alinhados com modelos e ecossistemas de negócio, impactando serviços, operações, captura de valor, distribuição e experiência de marca.

Essa era foi democratizante ao trazer todas as funções organizacionais para o tabuleiro da inovação e produziu numerosas transformações positivas, mas também consagrou um modelo obcecado por crescimentos exponenciais, por alimentar acima de tudo ambições de negócios escaláveis e megacorporações com altos rendimentos e geralmente pouca alma, sem espaço para olhares sensíveis além das expectativas de ganho imediato dos acionistas.

A altura da barra para o salto da inovação estava baixa. É disruptivo? Tem tecnologia revolucionária? Democratiza acessos e facilita a vida das pessoas? Promove crescimentos exponenciais e engorda o lucro dos investidores? Vamos dar matéria de capa, destaque no blog, na live do mês, entrevistar no mesacast, recomendar como case na universidade.

Que tal indicar para o prêmio do ano de inovação? Nesse tempo, eu e meus colegas da 3M éramos muito acionados para participar das conferências do tema e receber organizações ansiosas por estruturar estratégias e processos de inovação.

Nas centenas de apresentações que compartilhamos, já destacávamos que inovação precisava ser também sustentável. Colocamos a barra uns centímetros mais para cima.

Ainda que o guarda-chuva da sustentabilidade seja amplo, o tom predominante naqueles dias era da responsabilidade ambiental e da preocupação com a cadeia de valor estendida.

Ainda que o guarda-chuva da sustentabilidade seja amplo, o tom predominante naqueles dias era da responsabilidade ambiental e da preocupação com a cadeia de valor estendida.

Dali para frente, não seria aceitável para inovadores e investidores de plantão entrarem na arena como numa competição de vale-tudo, sem sofrer pressões dos diversos players do mercado.

Felizmente começaram a pipocar questões “inconvenientes” para padrões inconsequentes e amorais.

É um defensivo agrícola eficiente que contamina o solo? É um processo de alta tecnologia, mas que devasta o meio-ambiente? É uma fábrica produtiva que polui o ar e a água? É uma operação poderosa que oferece condições de trabalho precárias?

Eu mesmo escrevi nessa coluna o artigo “Inovação Sustentável. Inteira ou só pela metade?”, em dezembro de 2023, chamando a atenção para um necessário olhar mais abrangente para a inovação.

No entanto, inclusão segue distante das principais discussões sobre inovação.

A primeira vez que percebi um olhar para esse tema foi quando comecei a aprender sobre design thinking e conheci o projeto Agnes (age gain now empathy system) do MIT, onde pesquisadores criaram uma espécie de vestimenta que simulava os desafios de uma pessoa ao redor dos 80 anos para fazer suas jornadas. Lembro das fotos que mostravam as dificuldades em fazer compras no varejo, como se abaixar para pegar produtos nas gôndolas inferiores ou ler informações minúsculas nos rótulos, com potenciais ideias para proporcionar experiências inclusivas.

A partir daí, comecei a prestar atenção às situações corriqueiras, estimulado ainda mais por meu filho que chegava à adolescência, enfrentando maiores obstáculos para realizar tarefas com sua cadeira de rodas. Mais para frente, fui convidado a palestrar no Instituto de Embalagens, co-liderado pela Assunta Camilo, e como profissional dedicado, adequei meus conteúdos ao seu público. Assim, cheguei ao conceito do design sustentável das embalagens com seu foco em materiais biodegradáveis, recicláveis, reciclados, rastreáveis, mas com um capítulo voltado para inclusão.

Na vida real, experimentava sofrimentos semanais parar abrir vidros de azeitona, potes de iogurte ou frascos de algicida para piscinas, invioláveis mesmo se você tiver uma força de Sansão. Imagina quando meu filho quer abri-los? E minha mãe de 80 anos?

Quando precisamos ler informações de rótulos e instruções de uso, nos sentimos como diante de hieróglifos indecifráveis. Perdi as contas de quantas vezes eu meu filho nos deparamos com barreiras de acesso como degraus, calçada, portas estreitas, como vivendo em um videogame nível hard de dificuldade.

Nos meus tempos de Rede Empresarial de Inclusão Social (REIS), aprendi sobre os vários tipos de acessibilidade. Não é somente sobre transformar atitudes e aspectos arquitetônicos, mas também sobre remover barreiras de comunicação, dos métodos, das políticas públicas e de outras dimensões.

Quanto da inovação incensada atualmente considera questões de acessibilidade?

O empurrão mais forte para abraçar a inovação inclusiva veio na Feira do Empreendedor de São Paulo de 2023. Palestrei sobre Cultura de Inovação, mas recebi paralelamente oportunidade para falar na Arena Olhar Acessível. Foi a primeira vez que o Sebrae SP criou um espaço voltado para conteúdos sobre inclusão de pessoas com deficiência dentro do megaevento para empreendedores.

Para preparar minha apresentação, fui entender melhor o conceito do design universal que ganhou impulso com o arquiteto canadense Ronald Mace, em 1985. O design universal se compromete com o maior número possível de usuários, criando soluções que possam abraçar a todos. Para isso, considera questões como uso simples e intuitivo, flexível e equitativo, condições de baixo esforço físico, tamanhos e espaços, informações perceptíveis e comandos com tolerância a erros.

Por sua vez, o design acessível foca menos nas identidades e culturas, priorizando usabilidade e experiência digital para todos os usuários.

Já o design inclusivo inova, buscando soluções para diferentes grupos de pessoas com suas respectivas necessidades, sem gerar uma única solução para todos.

Quis pesquisar ainda cases para ilustrar minha narrativa, mas essa não foi das tarefas mais fáceis.

Você consegue encontrar poucos exemplos de negócios com visão de inclusão como a EQUAL Moda Inclusiva de Niterói, que foi vencedora do Prêmio Brasil Criativo 2024 na sua categoria.

O laboratório Aché costuma ser citado como pioneiro em adotar o braille em suas embalagens, além de disponibilizar bulas no formato de áudio. A consultoria EY é outro recorrente destaque quando o papo é acessibilidade. Para interações digitais, as pessoas com deficiência visual podem utilizar recursos de audiodescrição e ajustes de texto, as pessoas surdas contam com acessibilidade em libras, enquanto o site da empresa foi todo construído com base nas melhores práticas globais W3C.

Hoje, menos de 3% dos sites brasileiros são acessíveis, de acordo com pesquisa da BigDataCorp. Quando sua empresa vai fazer essa simples e necessária inovação voltada para acessibilidade digital?

Às vezes, você tropeça em boas histórias como do Grupo Boticário, que vem incluindo atributos de acessibilidade como requisitos primordiais no desenvolvimento de produtos. Que tal se inspirar na visão da empresa de beleza paranaense que também se tornou uma líder de tecnologia?

Há efervescente inovação gerando tecnologias assistivas, equipamentos e ferramentas que são muito bem-vindas. O desafio-inovação radical aqui é tornar essas tecnologias financeiramente acessíveis.

Durante as recentes Paralimpíadas, a Asics desenvolveu as roupas dos atletas brasileiros, envolvendo-os no processo como rege a orientação “nada sobre nós sem nós”.

Para inspirar no nosso aprimoramento na direção da inclusão, há muitos profissionais que são incríveis empreendedores, executivos e geradores de conteúdo, que aumentam meu conhecimento e ampliam continuamente minhas perspectivas.

Alguns desses colegas são Djalma Scartezini, sócio da consultoria Egalité e presidente da REIS, e Cid Torquato, CEO da Icom Libras, plataforma que traduz conversas em tempo real para surdos.

A Liliane Cláudia, que brilhou nos palcos do nosso World Creativity Day 2024, atua na Accenture como designer de acessibilidade, e inspira muito com seus treinamentos de acessibilidade digital ou com seu workshop do mapa de alteridade.

Minha amiga Michele Simões, CEO da consultoria “Meu corpo é real”, encanta com seu trabalho incansável para alcançarmos a equidade de experiência para consumidores com deficiência.

A Marta Almeida Gil, do instituto de estudos e pesquisas Amankay, o consultor e professor Thierry Cintra Marcondes, o consultor Guilherme Bara, a CEO na Talento Incluir Katya Hemelrijk, a consultora em comunicação acessível Suzeli Damasceno, entre tanta gente boa, são algumas de minhas fontes regulares para me nutrir de conceitos, cases e novos insights sobre inclusão.

E você? Quais são os especialistas do tema que você segue? Como se abastece sobre diversidade e inclusão para aumentar seu conhecimento e sensibilidade e, assim, incorporar princípios de acessibilidade nas suas ações e em seus projetos de inovação? Em quais círculos de pessoas com deficiência você está presente para ganhar familiaridade e sair da ignorância sobre o assunto?

No mês de setembro, em que celebramos o dia nacional da luta da pessoa com deficiência, esse artigo de inovação é muito necessário.

Inovação não é apenas criar valor a clientes e acionistas. Também não bastam relações positivas junto à cadeia de valor e comunidades. É fundamental evitar lixo, reciclar, neutralizar carbono, regenerar, mas isso não é suficiente.

Agora, erguemos novamente a barra! INOVAÇÃO com letras maiúsculas precisa ser inclusiva!

Fonte: https://epocanegocios.globo.com/colunas/o-poder-da-inovacao/coluna/2024/09/sua-inovacao-e-inclusiva.ghtml

*Serafim é pai do Gabriel, escritor, músico e Diretor da “World Creativity Organization”, que realiza o “Dia Mundial da Criatividade”, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M. Palestrante com mais de 1.000 apresentações sobre criatividade, inovação e liderança, é professor de Marketing e Inovação na FIA, FGV, Inova, ESALQ/USP e O Novo Mercado. Formado em administração (EAESP/FGV) e publicidade (ECA/USP), tem especialização em desenvolvimento do potencial humano e Psicologia Positiva (PUC/RS). No esporte, corre e faz dupla com seu filho, atleta paralímpico de bocha. Autor do livro “O Poder da Inovação” (Ed. Saraiva), é idealizador do Programa Inspira.mov, sobre Criatividade e Empreendedorismo (5 temporadas), veiculado pela TV Cultura, e apoiador da Mostra 3M de Arte (12 edições), do Prêmio Brasil Criativo (4 edições) e do Doc Ecossistemas de Inovação.

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