Nos últimos dias um dos assuntos mais comentados tem sido os filtros criados com Inteligência Artificial que simulam síndrome de Down, usados por algumas influencers com perfis que ultrapassam os 150 mil seguidores, entenda o caso
Há dois meses, enquanto o mundo celebrava o Dia Internacional da Síndrome de Down, nos Estados Unidos, nascia uma “trend” muitas vezes chamada de Onlydown, que une inteligência artificial a fetichização e objetificação dos corpos de mulheres e meninas com síndrome de Down. No início de março nas redes sociais, TikTok e Instagram, estavam surgindo conteúdos, em formato de vídeo, acompanhado de legendas como “você namoraria uma garota com síndrome de Down?” de jovens com síndrome de Down, vestindo roupas íntimas ou extremamente curtas.
Um dos perfis que aderiu a essa trend foi o “@littleminaxo”, que em 17 de março contava com cerca de 14 mil seguidores apenas no Instagram. Na biografia, a seguinte frase “MINA Not real, just here to make your fantasies feel real. Sculpted by AI” Ou seja, o perfil alerta que Mina é uma personagem feita por IA, que não é real, que ela está ali apenas para tornar as suas fantasias em realidade.
Seus conteúdos são vídeos de uma jovem com síndrome de Down sempre em roupas íntimas, com legendas sexuais ou em tom provocativo. Em uma delas ela pergunta “você sairia com uma asiática com síndrome de Down de 19 anos?”. E através desse perfil, “Mina” divulgava uma conta onde vendia conteúdo adulto.
Hoje, a página do Instagram de “Mina” não está mais disponível, diferente do Tiktok, rede onde ainda acumula pouco mais de 5 mil seguidores. Lá não há nenhum tipo de aviso sobre o uso de inteligência artificial para a criação de sua imagem. Na descrição do perfil há apenas um link que promete ganho de dinheiro a quem clicar. Nesta rede seu conteúdo se resume a 11 vídeos, entre eles, 8 foram feitos com o uso de inteligência artificial, não sinalizada. Todos os 8 seguem o mesmo padrão, retratando meninas com síndrome de down bem jovens, que podem ter cerca de 17, 18 anos. Em nenhum desses vídeos as meninas são exatamente idênticas, mas todas são um retrato perfeito da fetichização composto por um rosto infantilizado e um corpo extremamente sexualizado. Um tipo de conteúdo altamente perigoso.
Esses corpos são reais mas os rostos dessas meninas não. Eles são gerados através de inteligência artificial. Se trata de um esquema onde alguém usa um vídeo real de uma criadora de conteúdo adulto e, através da inteligência artificial, aplica um filtro no rosto dessa criadora, transformando ela em uma jovem com síndrome de Down. A partir disso, são criados perfis em redes sociais como Instagram e Tiktok com o intuito de transformar essas falsas jovens com síndrome de Down em influencers para então promover seus perfis em plataformas de conteúdo adulto como OnlyFans and Fanvue.
As legendas dessas postagens, sejam elas de Mina, ou de qualquer outro perfil inventado com o propósito de capitalizar em cima da fetichização dos corpos de mulheres e meninas com síndrome de Down, são sempre as mesmas, apelativas, objetificadoras, completamente repugnantes. Um exemplo é o post abaixo, devidamente censurado, que continha a seguinte legenda “Apenas uma garota com síndrome de Down que curte caras mais velhos.”
Se o conteúdo de “Mina” já parece preocupante, saiba que ele é apenas um entre centenas de outros perfis de falsas criadoras de conteúdo adulto com síndrome de Down espalhados pelas redes sociais, alguns desses perfis ultrapassam os 150 mil seguidores no Instagram.
Essa “onda” está chegando por aqui só agora, mas essa conversa já começou faz tempo.
Ativistas dos direitos das pessoas com deficiência têm enfrentado uma grande batalha contra perfis que acumulam centenas de milhares de seguidores. Alguns deles devido às denúncias massivas já foram desativados no Instagram, mas em uma rápida busca no TikTok e na plataforma de conteúdo adulto, OnlyFans, ainda é possível encontrar muito conteúdo criado com inteligência artificial simulando meninas e mulheres com síndrome de Down em contextos de hipersexualização.
Sabemos que as pessoas com deficiência intelectual estão mais vulneráveis ao abuso e violências sexuais. A objetificação propagada pelos filtros e criações de personagens através da inteligência artificial podem deixar esse grupo de pessoas ainda mais vulneráveis. Esse é mais um dos motivos pelos quais o debate pela regulamentação das redes se faz tão urgente.
Se esse tipo de conteúdo passar pelo seu feed, não engaje, denuncie.
Texto de Giulia Jesus apurado em exclusividade para a Inclusive News