AUDIODESCRIÇÃO: ENTREVISTA COM LÍVIA MELLO MOTTA

Lívia Ma.V.de Mello Motta
O adiamento da Portaria 310/2006 suspendeu apenas a aplicação da audiodescrição na televisão. E o ministro Hélio Costa deu algum outro prazo e ficou tudo solto?
LMM:O ministro Hélio Costa suspendeu por um mês o dispositivo legal que obrigava as emissoras de TV a transmitirem pelo menos duas horas de programação
com audiodescrição. Depois deste prazo, será estabelecido novo cronograma para a implementação deste recurso de acessibilidade que permite que as pessoas
com deficiência visual ampliem o entendimento de filmes, documentários, programas de TV, peças de teatro, mostras, exposições e outras artes visuais. É
importante ressaltar que a audiodescrição é um instrumento de inclusão cultural que irá contribuir para a formação crítica e para a educação da pessoa
com deficiência visual, preparando-a para o exercício pleno de sua cidadania. Além disso, os benefícios de tal recurso estendem-se, também, às pessoas
com deficiência intelectual, pessoas idosas e pessoas com dislexia. Esperamos que a implementação seja iniciada o mais breve possível para que as pessoas
com deficiência visual não fiquem mais à margem da vida cultural do país.
2 anos me parece mais do que tempo suficiente para as tevês se adaptarem às exigências, me parece. Vai haver algum pedido ao MP para exigir um deadline?
se não, como as entidades do segmento pretendem encarar este adiamento?
LMM:Sem dúvida, o prazo dado para que as emissoras se preparassem para inserir a audiodescrição na programação foi mais do que suficiente para que elas
pesquisassem, se informassem sobre a técnica e conhecessem os profissionais que já trabalham com isso.
A UBC (União Brasileira dos Cegos) já encaminhou ofício ao MPF, solicitando medidas administrativas e judiciais contra a suspensão do recurso e pedindo
a imediata implementação dos recursos de acessibilidade na programação televisiva.
Uma das desculpas da Abert ao pedir o adiamento da exigência, foi de que as tevês ainda não estão equipadas e uma suposta falta de profissionais para suprir
a exigência. Essa história de “falta de profissionais” não é papo furado, desculpa sem fundamentos para conseguirem adiar ainda mais a implementação?
LMM:Pois é, encaminhamos, recentemente, ao Ministério das Comunicações, uma lista de profissionais que já trabalham com audiodescrição no Brasil. Muitos
destes profissionais estão prontos para preparar mais pessoas para serem audiodescritores. Além disso, o volume de trabalhos já produzidos com audiodescrição,
tanto filmes, documentários, como peças de teatro, espetáculos de dança e até preparação de museus, é bastante expressivo. O que mais nos encanta como
audiodescritores e nos motiva a querer expandir a técnica para mais e mais pessoas, Márcia, é o feedback que recebemos das pessoas cegas após assistirem
espetáculos audiodescritos. É fantástico poder perceber o quanto o entendimento é ampliado, a sensação de liberdade, de não depender da boa vontade de
outras pessoas para saber detalhes sobre cenário, ação, personagens ou peças de arte expostas em museus.
As pessoas com deficiência visual estão bem representadas nessa, vamos dizer, briga com o Ministério das Comunicações?
LMM:Sim, diversas instituições estão enviando cartas de protesto ao Ministro das Comunicações, manifestando- se contra a publicação da Portaria 403/2008,
a qual suspende, ainda que temporariamente, a obrigatoriedade de pelo menos duas horas de audiodescrição na programação das emissoras de TV. A lista virtual
TV ACESSÍVEL, mediada pelo Paulo Romeu também tem sido um excelente instrumento de troca de informações, de fortalecimento do grupo de pessoas que trabalham,
se interessam e lutam pelos recursos de acessibilidade na TV. O grupo vem crescendo a cada dia com a chegada de mais pessoas interessadas e que já desenvolveram
algum trabalho de acessibilidade tanto para pessoas com deficiência auditiva como com deficiência visual. O Paulo Romeu e o Marco Antonio de Queiroz, o
MAQ, têm sido batalhadores incansáveis pela implementação da audiodescrição no Brasil.
Na sua entrevista ao programa Derrubando Barreiras, da rádio Eldorado AM, segunda-feira passada, você fala maravilhas da acessibilidade em Birmingham –
Reino Unido. Pode dar aguns exemplos?
LMM:Passei alguns meses na Universidade de Birmingham, Reino Unido, durante o meu doutorado em 2003, e fiquei realmente impressionada com os recursos de
acessibilidade para as pessoas com deficiência, tanto dentro da universidade como na cidade, desde transporte, calçadas, faróis sonoros, plataformas elevatórias
para cadeiras de rodas para transferência de um piso para outro, sinalização em braile, rampas, como a preparação das residências para os alunos com deficiência
com recursos de acessibilidade como painéis em braile para aparelhos eletro-eletrô nicos e banheiros adaptados, além de softwares de voz e ampliadores de
telas nas bibliotecas. Hoje, estes recursos já estão se tornando mais conhecidos no Brasil, mas há cinco anos atrás, isso ainda era mais distante da nossa
realidade. Conheci um aluno cego da Grécia, que estava fazendo mestrado na universidade e fiquei impressionada com o que me contou sobre os primeiros dias
dele na universidade, quando ele teve o acompanhamento de um monitor para que se familiarizasse com os lugares e aprendesse a se deslocar com independência,
o demonstra cuidado e respeito pela pessoa com deficiência.
A promulgação da nossa ratificação à Convenção da ONU Para Pessoas Com Deficiência, que passará a ter força constitucional, e que enquadra como discriminatória
qualquer falta de acessibilidade não pode valer para pressionar este adiamento?
LMM:Este adiamento vai, sem dúvida, na contramão do momento histórico que estamos vivendo hoje, com significativos avanços com relação à inclusão das pessoas
com deficiência nos mais diversos segmentos da sociedade, como educação, esporte, lazer e trabalho, o que está expresso no texto da Convenção sobre os
Direitos da Pessoa com Deficiência, que o Brasil acaba de ratificar. Nela “os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência de participar
na vida cultural, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e tomarão todas as medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência possam:

a. Ter acesso a bens culturais em formatos acessíveis;
b. Ter acesso a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais, em formatos acessíveis…”
Portanto, a falta de acessibilidade na TV para as pessoas com deficiência visual é sim uma discriminação que impede a participação plena na vida cultural.


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