
Leia entrevista com a professora Maria Stela Santos Graciani, coordenadora do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP e vice-coordenadora do curso de Pedagogia da instituição. Ela trata do tema da violência escolar e avalia a medida anunciada pelo governo de São Paulo de instalação de câmeras nas escolas.
OE: o que significa violência escolar, como podemos conceituá-la?
Stela: a violência escolar nada mais é do que o reflexo das diferentes formas de violência social, política, econômica e cultural que existem na sociedade contemporânea. Ela é gerada e gestada em todos os seus aspectos no papel e atuação do educador, do educando, do currículo, dos gestores, etc. A postura dessas pessoas reflete o modo como a sociedade capitalista neoliberal coloca-se em relação ao ser humano, seja ele criança, mulher, negro, índio, homossexual, portador de necessidade especial, etc.
OE: então, quando se fala em violência nas escolas, é necessário ter um olhar para os diferentes tipos de violência que acontecem, não só a física, mas as simbólicas também?
Stela: o cenário montado dentro das escolas, os processos de gestão, está profundamente burocratizado. Isso se reflete naquele educador que não está formado com uma visão totalizadora, muito menos com uma visão holística, que vê o ser humano na sua integridade biológica, física, emocional. Não se vê a questão em termos de totalidade, mas apenas o que acontece no desdobramento, e aí se pune.
Falta uma visão interdisciplinar, de transbordamento do sociológico, econômico e psicológico dentro das várias disciplinas que fazem parte da matriz curricular integrada. Esta deveria dar conta desses comportamentos sociais que as crianças, jovens e adolescentes portam, porque eles vêm dessa sociedade profundamente violenta, já com os elementos próprios dessa sociedade, seja pelo ataque que sofre da mídia, de tudo que é mostrado na televisão, dos filmes, da violência na subjetividade, das relações entre as pessoas de uma sociedade discriminatória, preconceituosa, excludente.
Por outro lado, os educadores ainda não transformaram ou modificaram os procedimentos pedagógicos, que poderiam trazer um novo paradigma, um projeto político pedagógico capaz de ter um diagnóstico interventivo para poder minimizar a violência que se dá nesse território que a gente chama de escola.
OE: nesse contexto, como podemos avaliar a política de instalação de câmeras nas escolas?
Stela: a visão neoliberal simbolicamente colocada está posta também nessa política, que é só uma aparência de que isso resolverá o problema da violência na escola. Pode colocar câmera, detector de metal, o batalhão da polícia na porta escola, de nada adianta se não houver uma proposta pedagógica alternativa e alterativa dos seres humanos que lá existem.
O papel da escola é ensinamento, socialização de valores, aprender a ser crítico, criativo, inovador, não esse papel compulsório, de trazer polícia. Infelizmente, estamos partindo das conseqüências, não da prevenção, da defesa dos direitos da infância, da adolescência e do jovem. Não é isso que se espera de uma política pública, mas uma postura política capaz de absorver o jovem em sua totalidade. O que vai acontecer? Essa mesma juventude vai quebrar, se rebelar. Deveríamos ter propostas muito mais democráticas, não esse tipo punitivo de amedrontar os jovens com a polícia.
Tínhamos uma política pública, em governos democráticos e populares anteriores, um projeto gestor que incluía toda a comunidade escolar, todas as famílias, adolescentes, crianças, professores, diretores, onde discutíamos a questão desse medo de viver numa sociedade tão violenta. A própria guarda civil metropolitana fazia um caminho diferenciado, visando a mediação do conflito e fazendo com que a comunidade entendesse o que isso significa, e que a mediação de conflito deveria estar presente na convivência familiar, comunitária e escolar. Precisamos reinventar a pedagogia da convivência para que as relações interpessoais e sociais possam acontecer devidamente.
OE: assim deve caminhar a elaboração de políticas públicas para enfrentar o problema?
Stela: sim, por uma reflexão ampla, irrestrita, democrática e participativa, mobilizadora e articulada em rede que poderia incluir para a proteção social mais ampla todos os segmentos da sociedade, os movimentos sociais, populares, os sindicais, pois todo esse âmbito tem a ver com a questão. A formação do educador está carecendo de reflexão sobre mediação de conflito, gerenciamento de crise, a justiça restaurativa, que seriam capazes de dar conta dessas relações conflituosas.
Por outro lado, deveriam acontecer audiências públicas pelo legislativo, descentralizadas, debatidas com todos os envolvidos nessas circunstâncias, para haver diálogo e propostas. Assim, surgiriam elementos para a elaboração de políticas públicas gestadas não só pela sociedade civil, mas também pelo Estado.
Antes de decidir se é câmera, policiamento, detector de metal, há essa série de iniciativas que poderiam ser feitas. A raiz do problema não está no âmbito do território escolar, que reflete como um espelho o que está acontecendo na sociedade mais ampla. É preciso também utilizar todos os subsídios, acúmulo do conhecimento nacional e internacional, pesquisas feitas pelas universidades e institutos que elaboram e recriam possibilidades e alternativas. Tudo isso serviria de base para que as políticas públicas que pensam a violência na escola pudessem dar melhores resultados.