Visão sobre deficiência tem avanços no Brasil

A professora da UnB Debora Diniz e outros dois pesquisadores do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), Janaína Penalva e Wederson dos Santos, falam sobre os desafios relacionados à garantia de direitos a pessoas com deficiência, sobre a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a respeito da importância da ratificação da Convenção da ONU para consolidação do conceito de deficiência de forma inclusiva.

Mobilizadores COEP – Na sua opinião, o conceito de deficiência é claro na legislação brasileira?

R.: De uma maneira geral é possível afirmar que a legislação brasileira tem avançado em direção a uma definição de deficiência que conjugue os vários fatores envolvidos nessa condição. Aos poucos, a legislação se afasta de uma abordagem puramente médica e aproxima-se de um marco social que entende a deficiência como uma condição de vida, uma forma de se estar no mundo. Esse processo é importante porque pavimenta uma via importante de inclusão social. Somente quando a deficiência passa a ser pensada no contexto social em que a pessoa com deficiência vive e se relaciona é possível realmente dimensionar os desafios envolvidos na questão. As leis avançam, mas com elas, ou a partir delas, toda uma leitura sobre a deficiência precisa se transformar, no sentido de entendê-la como uma condição de vida em que as limitações se formam nas construções e vivências a partir do contraste com o ambiente social de referência. Mas, por certo, esse modelo social da deficiência ainda não encontra o amparo ideal em nossa legislação. A deficiência ainda é conceituada com base no modelo médico que desconsidera o contexto social de inserção da questão e que, de forma indireta, a vincula a um ideal de produtividade e capacidade no desempenho de funções economicamente valorizadas. De qualquer maneira, em 2007, aprovou-se o Decreto nº 6.214/2007, que institui um novo paradigma na avaliação da deficiência. Trata-se da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF). Nesse novo modelo, as funções corporais, as limitações de participação e atividade são relacionadas aos fatores ambientais de forma a se estruturar uma descrição mais complexa dos estados de saúde.

Mobilizadores COEP – De que forma a ratificação da convenção da ONU sobre pessoas com deficiência vai contribuir para uma mudança de paradigmas em relação a pessoas com deficiência no Brasil?

R.: A ratificação da convenção da ONU é uma vitória no processo de luta pela efetivação dos direitos das pessoas com deficiência no cenário nacional, além de representar um sinal extremamente positivo do compasso brasileiro em relação às conquistas internacionais no campo da deficiência. O próprio conceito de deficiência de que falávamos na pergunta anterior ganha contornos valiosos na convenção. Deficiente, nos termos do texto ratificado, é aquela pessoa que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Mobilizadores COEP – O que é o Benefício de Prestação Continuada (BPC)? Que cidadãos brasileiros têm direito ao BPC?

R.: O Benefício de Prestação Continuada é um benefício assistencial garantido constitucionalmente às pessoas com deficiência e aos idosos –pessoas com 65 anos ou mais – que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. Embora garantido na Constituição Federal de 1988 e regulamentado em 1993, com a Lei Orgânica da Assistência Social, a concessão do benefício foi iniciada apenas em janeiro de 1996. A gestão do BPC cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), embora a operacionalização esteja a cargo do Ministério da Previdência Social por meio do Instituto Nacional de Seguro Social.

Mobilizadores COEP – É possível dizer qual o percentual de pessoas com deficiência atendidas pelo BPC, por tipo de deficiência?

R.: A partir de dados de junho de 2008, são atendidas pouco mais de 1 milhão e 400 mil pessoas com deficiência. Os dados disponíveis do MDS não permitem identificar os atendidos, atualmente, por tipo de deficiência. Muito embora esses dados sejam de conhecimento do Dataprev, não são publicizados (achamos!). Apenas no relatório de revisão do Benefício realizado pelo MDS, em 2002, são apresentadas as pessoas com deficiência, atendidas por tipo de deficiência. Os beneficiários até 2002 com deficiência mental representavam 31%; com deficiências múltiplas, 20%; com deficiência física, 17%; com doença mental 12%; com doenças crônicas, 10%, deficiência visual, 5%; e deficiência auditiva; 5%.

Mobilizadores COEP – Como as pessoas com deficiência devem requerer o BPC? Que pré-requisitos são necessários?

R.: Os interessados devem se dirigir a uma agência do INSS munidos de sua documentação pessoal e profissional e a de todos os membros de sua família. A família do interessado deve ser incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso. Isso significa que a renda mensal bruta familiar deve ser inferior a um quarto de salário-mínimo per capita.

Mobilizadores COEP – Na pesquisa que coordenou, realizada em parceria com o Centro Internacional de Pobreza da ONU e com o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), o que foi possível perceber quanto à avaliação dos peritos do INSS em relação ao conceito de deficiência? Quais os principais problemas decorrentes desta avaliação?

R.: O estudo, que contou com a participação dos pesquisadores da Anis Janaína Penalva e Wederson dos Santos, tem sido extremamente importante tanto para uma avaliação da atuação dos médicos-peritos, quanto para um diagnóstico sobre qual conceito de deficiência tem definido a concessão do principal benefício assistencial direcionado às pessoas com deficiência. São muitos os problemas que já diagnosticamos na pesquisa, mas o principal talvez seja a presença forte e consolidada do modelo médico na avaliação dos peritos. Não se pode desconsiderar que esse paradigma médico, que não contextualiza socialmente a deficiência, esteve presente nas normas jurídicas que definiam a forma de atuação desses profissionais. Há, portanto, um cenário complexo, no qual os sentidos da saúde e do direito influenciam-se mutuamente, o que conforma uma conjugação de forças em que o perito é o juiz da deficiência, mas, como tal, deve ser apenas um intérprete dos sentidos definidos publicamente e consolidados na legislação.

Mobilizadores COEP – Já existe algum tipo situação, não respaldada pela legislação, em que é possível recorrer ao BPC?

R.: As formas de concessão do BPC são as previstas na legislação. Há casos de flexibilização dos requisitos, mas apenas diante do caso concreto, apresentado ao Judiciário.

Mobilizadores COEP – Quando uma pessoa com deficiência não tem seu pedido de benefício concedido pelo perito, é possível recorrer à Justiça?

R.: Qualquer cidadão que queira rever os motivos do indeferimento do seu pedido de concessão do BPC pode recorrer ao Poder Judiciário, solicitando a revisão da decisão. No caso dos processos judiciais relativos ao BPC, os magistrados têm adotado uma postura mais progressista, garantindo o benefício quando a situação de pobreza potencializa a deficiência e o sujeito apresenta uma situação de vulnerabilidade social que justifica a concessão do benefício assistencial.

Mobilizadores COEP – O que é o BPC na Escola? Como você avalia a eficiência deste programa?

R.: O objetivo do Programa BPC na Escola é promover a inclusão e permanência nas escolas das pessoas com deficiência atendidas pelo BPC. Segundo dados do MDS, das mais de 350 mil crianças e adolescentes com deficiência no país que recebem o BPC, 279 mil estão fora das escolas. O programa tem o caráter intersetorial que envolve o MDS, os Ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS) e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República. O pressuposto do programa é interessante porque almeja contornar uma crítica que sempre foi feita aos programas e políticas sociais: a desarticulação entre as políticas públicas. Por exemplo, o BPC acertava ao proteger socialmente as pessoas em situação de extrema vulnerabilidade econômica e social, muito embora fosse desarticulado de outras políticas como de educação ou saúde. Então, a garantia dos direitos de cidadania pode não ocorrer de maneira efetiva para as pessoas com deficiência atendidas por serem atingidas por apenas uma política, a de assistência social. A articulação interministerial para estruturar o BPC na Escola é uma grande aposta na idéia de que, quanto mais articuladas forem as diferentes políticas sociais, maior será a chance de a cidadania ser efetivada de forma ampla e permanente.

Entrevista concedida à:  Renata Olivieri
Edição: Eliane Araujo
Fonte – Mobilizadores COEP

http://www.mobilizadores.org.br/COEP/Publico/consultarConteudo.aspx?CODIGO=C20088772321468&TP=V

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