Vergonha, baixa auto-estima e cobrança de ter um corpo sarado o e saudável para assim ser aceito na escola, no grupo de amigos e na sociedade são algumas das sensações que dominam crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade. A todo momento somos bombardeados por propagandas que induzem ao consumo de toda ordem – inclusive de iguarias muito calóricas. Se em nós esse efeito pode ter sérias consequências, imagine a força com que tais apelos atingem os pequenos.
A obesidade possui causas múltiplas: genéticas, psicossociais, nutricionais, metabólicas e endócrinas. Além do peso da genética, nutrição irregular, falta de exercícios físicos, influências culturais e os hábitos familiares têm influência direta na saúde. É simples: se uma família tem o hábito de incluir refrigerantes, frituras e doces nas refeições, a criança fatalmente tenderá a adotar esse estilo de vida pouco saudável.
Os números falam por si: 43% da população brasileira está acima do peso; uma em cada quatro pessoas está ou já esteve recentemente de dieta; 10% das crianças e adolescentes têm sobrepeso; e mais de 7% estão obesas. Estudo realizado no ano de 2003 em Fortaleza mostrou uma prevalência de excesso de peso na adolescência precoce (10 a 14 anos) de 24%; e de 15% na tardia (15 a 19 anos).
Visando beneficiar milhões de brasileiros que sofrem com o excesso de peso e nas graves proporções em que a doença vem tomando, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) desenvolve, até novembro, a Campanha Nacional de Combate à Obesidade. Focada na conscientização, objetiva ressaltar os riscos da doença, promover estilos de vida mais saudáveis e enfatizar a importância do acompanhamento médico especializado em todas as fases da vida da criança e do adolescente, desde o diagnóstico até o tratamento.
Globalização
O aumento na incidência da obesidade nos países desenvolvidos tem uma explicação simples, segundo o Dr. Lício Campos, professor de Pediatria da Universidade Federal do Ceará (UFC) e chefe da Unidade de Tratamento do Sobrepeso e Obesidade do Instituto de Prevenção à Desnutrição e a Excepcionalidade (Iprede / UFC). “A globalização e a grande velocidade de informações padronizam modos de vida, ocasionando mudanças de hábitos semelhantes em todo mundo. Resulta em um padrão alimentar inadequado, associado à inatividade física, levando ao aumento significativo da obesidade nesse público”, afirma.
A estudante de Direito, Alyne Georgia, 19 anos, é umas das adolescentes que participam do grupo que integra a Unidade de Tratamento do Soprepeso e Obesidade do Iprede, coordenado pelo Dr. Lício Campos. A jovem, que pesa hoje cerca de 105 quilos e vem de uma família que apresenta casos de obesidade, afirma que desde criança sofre com o sobrepeso, mas nunca se importou com o fato ser mais gordinha que os seus colegas da escola. “Se não tinha uma roupa que ficava boa, ia na loja e comprava outra”.
Essa forma de encarar os quilos a mais mudou quando Alyne ingressou na faculdade e sua saúde começou a ficar comprometida. Consciente, hoje Alyne participa de um programa de reeducação alimentar do Iprede e pratica exercícios físicos regularmente. “Se eu não conseguir perder peso hoje, eu sei que eu conseguirei amanhã. O importante é não desistir”, afirma.
Cresça bem
A nutricionista e umas das coordenadoras do “Cresça bem”, projeto do Grupo Operativo da Obesidade Infantil da Unimed, Mirly Oliveira, alerta para a incidência crescente da obesidade em crianças e adolescentes. “Os fatores ambientais são a principal causa da doença em função do aumento na ingestão de calorias e nas porções dos alimentos em geral. O sedentarismo também está associado ao estilo de vida moderno, que faz com que a criança gaste menos energia e acumule excesso calórico na forma de tecido adiposo (gordura)”, declara.
Conforme a nutricionista, a dieta indicada para crianças e adolescentes obesos deve ser baseada em itens saudáveis, sendo a perda de peso uma consequência natural do processo de reeducação alimentar. Uma dieta equilibrada deve conter carboidratos, vitaminas, minerais, proteínas e gorduras, levando em conta as necessidades energéticas de cada um.
A obesidade é uma doença crônica, de alto risco e reincidente, que resulta em múltiplas complicações em função da ingestão excessiva de energia que ocasiona grande acúmulo de gordura. Esse círculo vicioso pode ter início na primeira infância, sendo necessário que os pais fiquem atentos aos sinais de qualquer mudança no corpo e nos hábitos dos pequenos.
Lei da compensação
Além do físico, o aspecto psicológico também tem um peso decisivo e que pode levar crianças e adolescentes à condição de obesa. De acordo com a psicóloga e psicoterapeuta Heliane Teixeira, os fatores psicológicos estão sempre presentes na incidência da doença. Como membro do projeto “Cresça bem”, a especialista afirma que o comportamento em relação ao ato de comer é influenciado pelo seu significado ao longo da vida.
“O ato de comer pode assumir uma representação de compensação afetiva decorrente de traumas psicológicos registrados no inconsciente (dai porque o obeso não o reconhece como tal). Pode ser também uma resposta aos conflitos emocionais decorrentes dos sentimentos de angústia, depressão e/ou frustração que aquela pessoa tem dificuldade em lidar”, explica Heliane Teixeira.
Enfrentar um problema dessa dimensão não é nada fácil, e pode se tornar mais complicado quando a doença surge ou piora na adolescência, fase de aceitação e de valorização do corpo. A psicóloga explica que ainda prevalece muito a negação da autoimagem na criança e no adolescente obeso.
Segundo a especialista – hoje mais do que em qualquer época – a obesidade é visto como um problema que causa muito preconceito na sociedade, uma vez que o conceito de saúde se estendeu para além da ausência de enfermidades. “O que agrava o enfrentamento da obesidade não diz respeito somente à cobrança de se ter um corpo bonito e saudável (não obeso), mas ao conflito gerado por essa mesma sociedade dicotômica, onde de um lado promove associações entre lazer, felicidade e prazer ao comer e a exigência do culto pelo corpo bonito e atraente”, diz a psicoterapeuta.
Um fato preocupante: estudos de acompanhamento de jovens mostraram que crianças e adolescentes obesos apresentam o maior risco de manter o excesso de peso ao longo da vida adulta. Tal condição tende a levar esse grupo a representar um maior índice de morbidade e mortalidade em faixas etárias mais elevadas, principalmente no que se refere às doenças cardiovasculares.
ALIMENTAÇÃO
Estabeleça horários regulares para que a criança faça suas refeições;
Não ofereça alimentos muito calóricos como: biscoitos recheados, doces e balas;
Estimule o consumo de frutas, legumes e verduras;
Ofereça suco de frutas natural ao invés de refrigerante;
Faça saladas com folhas e legumes variados, de forma que fiquem bem coloridas e atraentes;
Evite a presença de doces, balas e biscoitos em casa. É muito mais difícil de dizer não a uma criança se ela já está vendo o alimento;
O lanche da escola deve ser bem simples, sem alimentos muito calóricos, como biscoitos recheados, refrigerantes e salgadinhos;
Inverta a ordem para oferecer os alimentos. Inicie a refeição com as frutas, seguido das saladas de folhas verdes e só depois ofereça o restante dos pratos. Em seguida, sirva um suco de frutas natural;
FIQUE POR DENTRO
Pesquisa alerta para alimentação das crianças
Todos sabemos que os pais são os principais responsáveis pelo bem-estar dos filhos. Esse motivo deveria ser suficiente para assegurar uma alimentação adequada. No entanto, uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que na maioria das 270 famílias entrevistadas o que as crianças comem pode trazer sérios prejuízos para a sua saúde. O estudo constatou que desse total 67% das crianças abaixo de dois anos já tomaram refrigerante, 70% comeram biscoito recheado e 80% consumiram balas e chocolates. A análise mostrou ainda que 90% dos pais adicionam açúcar ao leite ou suco dos filhos. A pesquisa concluiu que o principal motivo pela má alimentação na infância é a falta de informação dos responsáveis pelas crianças.
Mais informações
Grupo Operativo de Obesidade Infantil da Unimed
(85) 3208-2900
Unidade de Tratamento do Sobrepeso e Obesidade do Iprede
(85) 3218-4000
E-mail: iprede@iprede.org.br