Edson Lopes Cardoso
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Ainda restam algumas questões a serem compreendidas no acordo que uniu governo e oposição em torno da mutilação do Estatuto da Igualdade Racial. Uma inusitada referência em “O Globo” (edição de 24 de setembro de 2009, p. 2), registrando a presença de deputado negro em ato contra a intolerância religiosa na Esplanada chamou-me a atenção:
“O ato teve a participação de deputados, entre eles o presidente da comissão especial que aprovou o Estatuto da Igualdade Racial na Câmara, Carlos Santana (PT-RJ).”
Um afago cordial, talvez ilustrativo das ligações invisíveis tecidas entre governo e oposição nos subterrâneos da comissão especial. Ânimos apaziguados (nenhum conflito, disse o ministro da Seppir), sobrevivem ainda algumas objeções de princípio, essencialmente ideológicas, e só por isso “O Globo” mantém a matilha solta na página de opinião, acuando, latindo e ganhando fama e dinheiro.
No rastro de ressentimentos e desencantos, já se podem ouvir, reforçadas, as vozes de jovens lideranças negras elogiando publicamente a “política de segurança” desenvolvida pelo crime organizado. Sim, isso mesmo que você ouviu. Se não acontecer nada pela via institucional, quem poderá se eximir de responsabilidades em um contexto de violência extrema contra a população negra?
Os interesses a que servem os veículos da grande mídia, porém, estão convencidos de que o movimento negro jamais será capaz de representar uma efetiva ameaça. Talvez isto seja hoje verdadeiro exclusivamente para aquela parcela mais visível e maleável do movimento.
Até mesmo porque o escandaloso fracasso do Estatuto contribui, de fato, para reduzir as opções de luta. Abordagens mais de confronto poderão arrastar outros atores – assim entendo a observação do rapper paulista, que aludiu em sua fala na Câmara Municipal às ações “pacificadoras” em bairros periféricos de São Paulo.
Estou ainda ruminando também alguns discursos de mulheres negras da periferia de Salvador, no último mês de agosto, na praça em frente à Secretaria de Segurança Pública, no ato público de abertura do I Encontro Popular pela Vida e por Outro Modelo de Segurança Pública. “Vamos pra cima deles, somos maioria, essa cidade é nossa e temos o direito de criar nossos filhos.”
Trata-se de filhos reais, mortos reais. Um sentimento forte de pertencimento étnico-racial e a consciência aguda do terror e da crueldade racistas. Na Praça da Piedade, não havia espaço para postulações acadêmicas sobre o conceito de raça. Ali o verbo era carne. Botas arrombam portas, corpos jovens arrancados da cama, cadáveres no sofá, no mato, na vala.
É possível dizer que a derrota na Câmara abala um tipo de convicção, mas libera outras – aquelas indispensáveis e necessárias à ação? Angela Davis estava presente ao ato da Praça da Piedade e, eletrizada pelos discursos, subiu ao palanque. Segundo ela, o que ocorria ali iluminava a luta em todo o mundo. Se as coisas são assim, nem tudo está sob controle.
Está tudo sob controle?
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Fonte informação: Irohin