Sobre Jequitibás e eucaliptos, ou sobre Adélias e Valdetes

por Elis Zampieri

“Um professor é aquele que se faz
progressivamente desnecessário.”
(Thomas Carruthers )

Foto: Sirius - Mulher fiando em uma roca.
Foto: Sirius - Mulher fiando em uma roca.

Há eucaliptos e há jequitibás…Rubem Alves assim definiu professores e educadores, nessa mesma ordem. Eucaliptos, aquelas árvores sem vergonha que crescem depressa e podem ser substituídas com rapidez e sem problemas. Jequitibas, árvores seculares que possuem uma face, uma identidade, uma estória.

Lendo-o, mergulhei numa esfera de tempo que já vai longe… Pelos idos de 1980 e poucos. Lembrei de dona Adélia e de dona Valdete, professoras que me acompanharam na 1ª e 2ª série respectivamente.

Dona Valdete ensinava sorrindo. Dona Adélia só ensinava.

Ambas deixaram marcas. As deixadas por dona Adélia ficaram como hematomas que não mais doem, mas permanecem. As de dona Valdete, como rabiscos de tinta guache, coloridos de sonhos, hoje suavisadas pelos dias que escorrem vorazes, mas ainda nitidamente visíveis nos papeis ja amarelecidos. Seus ensinamentos tinham sabor doce. De sorvete com calda de ternura.
Dona Adélia sabia dar aulas. Dona Valdete sabia aprender, (re)aprender e (des)aprender todos os dias.

Dona Adélia era uma funcionária do Estado; dona Valdete, artesã. E como artesã, não permitia que sua identidade fosse engolida por sua função. Sua identidade eram suas convicções, aquilo em que acreditava e que a trouxera até aquela escola, naquela sala, com aquelas crianças: eu e meus colegas, e onde podia se ler em negrito, Ofício: educadora.

Dona Valdete não lecionava. Plantava tâmaras, e não se preocupava se a colheita demorasse a vir. As duas tinham um emprego. A diferença é que uma chamou-se, assim, de dentro, a outra fora chamada.

Dona Adélia seguia os horários e cumpria rigorosamente as datas. Tudo pra ela funcionava com a rigidez de um oficial. Dona Valdete era livre e feliz.
Dona Adélia seguia o conteúdo dos livros disciplinarmente. Dona Valdete escrevia poesia. Eu as declamava na igreja.
Dona Adélia me ensinou a escrever; dona Valdete, o gosto pela escrita.
Dona Adélia controlava com o olhar e proibia; dona Valdete com o sorriso e a explicação.
Dona Valdete era uma Bela (des) Adormecida. Dona Adélia, não mais a vi. Talvez tenha sido acordada de seu sono letárgico. Ou não.

Inspirado na crônica de Rubem Alves: Sobre jequitibás e eucaliptos.

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Sobre o autor:

Elis Zampieri é pedagoga, com especialização em Educação Infantil e Séries Iniciais e em Educação Especial. É autora do blog “Sobre Educação”Link abrirá em uma nova janela ou aba. e moderadora do grupo “Educação Especial em Rede”Link abrirá em uma nova janela ou aba..

One Comment

  1. É com grande satisfação que comento neste espaço sobre esse interessantíssimo ambiente virtual (Inclusive.org), com um riquíssimo material que muito me será útil em meu fazer pedagógico, por proporcionar unir o útil ao agradável ao comentar sobre o texto em questão e a sua autora.
    Apesar de parecer suspeito, já que sou colega e amigo da Elis Zampieri, independente disso, considero-a uma profissional que merece esse espaço, e endosso a apresentação da mesma neste ambiente. De fato, Elis é um achado, pois é uma profissional que, como poucos, sabe conciliar criticidade com leveza, objetividade com beleza da exposição. Sua clareza e concisão proporcionam diversas reflexões sobre os temas que aborda.
    Apesar de conhecer Elis, apenas no ciberespaço, ela é uma das educadoras que me servem de referência justamente por essa conexão entre o educacional e o social. Quem trabalha com educação especial só pode ser de fsto e de direito uma pessoa especial.
    Aqueles leitores que visitarem seu blog, Sobre Educação (http://sobreeducação.blogspot.com) e Etc e tal (http://rabiscosdaelis.blogspot.com) poderão conferir que os merecidos elogios que faço aqui não são de um mero amigo e colega, mas também de um profissional que observa e se inspira no trabalho de outros educadores por vocação, que fazem de seu trabalho uma fonte inesgotável de saberes e fazeres pedagógicos.
    Parabéns ao Inclusive por esse verdadeiro achado, que atende pelo nome de Elis Zampieri e à própria, pelos achados que ela socializa com seus leitores, aqui e noutros espaços virtuais.
    Um abraço, José Antonio K. Roig.
    http://educa-tube.blogspot.com

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