Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência

simbolo da ONU.

Gisele de Souza Cruz da Costa

A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a mudança paradigmática no conceito de Pessoa com Deficiência

O movimento das pessoas com deficiência vem há décadas na luta pela igualdade de oportunidades e inclusão social, passando por todas as barreiras físicas e atitudinais possíveis. O reconhecimento perante a sociedade como pessoas capazes de gerir suas próprias vidas sempre foi um dos princípios dessa luta. Ao longo desses anos, foram traçadas metas e ações afirmativas para alcançarem esse reconhecimento.

Assim, em 2008 o Brasil internalizou a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, justamente no ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completava 65 anos. A Convenção foi recepcionada com caráter de Emenda Constitucional e ratificou a busca incansável sobre a garantia de direitos e sua efetivação no território nacional. Foi uma das maiores conquistas das pessoas com deficiência. O Brasil sempre buscou a defesa dos direitos humanos, em especial, nas pessoas mais vulneráveis, e ao recepcionar a Convenção nº com seu protocolo facultativo nº 186, demonstrou a certeza da efetivação desses direitos.

Direitos humanos estão ligados diretamente às lutas sociais, à busca de igualdade de oportunidades e o reconhecimento pela sociedade como sujeito de direitos, sendo vistos pelas suas particularidades e especificidades.

Walter Benjamin traduz perfeitamente o pensamento sobre direitos humanos como uma busca incessante pela vitória:

A face do anjo da história é virada para o passado. Ainda que nós

vejamos uma cadeia de eventos, ele vê apenas uma catástrofe (…).

O anjo gostaria de lá permanecer, para ser despertado pela morte,

atestando tudo o que teria sido violentamente destruído. Mas uma

tempestade se propaga do paraíso; alcança suas asas com tamanha

violência que o anjo não mais pode fechá-las. Esta tempestade o

compele ao futuro, para o qual suas costas estavam viradas (…).

Esta tempestade é o que nos chamamos de progresso.

Considera-se a história contemporânea dos direitos humanos advindos lá de 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, sendo fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, que surge, no pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo.

Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução. Nas palavras de Thomas Buergenthal (International law, p. 17):

O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um

fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às

monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença

de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo

sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse.

Entende-se que a busca pelos direitos humanos é internacional e não apenas do Estado, a luta é travada por movimentos sociais que muitas vezes não têm o apoio devido.

Assim, a Declaração de 1948 inovou a temática dos direitos humanos sendo marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. A partir daí começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros instrumentos internacionais de proteção. A Declaração de 1948 dá valor a este campo do Direito, com ênfase na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção destes direitos.

Posteriormente veio a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, que reitera a concepção da Declaração de 1948, quando, em seu parágrafo 5º, afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.”

Sob o prisma do sistema global de proteção, constata-se que o direito à igualdade e a proibição da discriminação foram enfaticamente consagrados pela Declaração Universal de 1948, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. (Flávia Piovesan – Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (versão comentada).

Assim, temos várias declarações e pactos que garantem os direitos humanos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, já em seu artigo 2º, consagra que “os Estados-partes no Pacto comprometem-se a garantir a todos os indivíduos que se encontrem em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação”.

Temos a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979) e a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), dentre outras.

Evidencia-se aqui, o Comitê de Direitos Humanos, em sua Recomendação Geral nº 18, a respeito do artigo 26, entende que o princípio da não discriminação é um princípio fundamental previsto no próprio Pacto, condição e pressuposto para o pleno exercício dos direitos humanos nele enunciados.

Ainda, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, em seu artigo 2º, estabelece que os Estados-parte comprometem-se a garantir que os direitos nele previstos serão exercidos sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.

Podemos concluir que os primeiros instrumentos de proteção – a Declaração Universal e os dois Pactos que a sucederam – incorporam uma concepção formal de igualdade, sob o binômio da igualdade e da não discriminação, assegurando uma proteção geral, genérica e abstrata.

Assim, em 2008, o Brasil recepciona a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, no plano jurídico externo, ratificada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 186 de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art.  da Constituição, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno:

Decreta:

Art. 1º A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, apensos por cópia ao presente Decreto, serão executados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém.

Art.  São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão dos referidos diplomas internacionais ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição.

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. (art. 1º)

Destacando os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, que estabelecem e reconhecem a dignidade da pessoa humana, bem como, os valores inerentes e os direitos iguais e inalienáveis de todas as pessoas como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Diante do reconhecimento pelas Nações Unidas reafirmando a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, e, principalmente, o reconhecimento de que todas as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos e podem desfrutá-lo sem qualquer discriminação.

A Convenção trouxe novo paradigma no conceito da pessoa com deficiência, onde afirma que são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Reafirmando isso, traz junto com a Lei 13.146/15 Lei Brasileira de Inclusão, a necessidade de avaliação biopsicossocial da pessoa com deficiência, pois traz as diversas barreiras impostas na sociedade como uma das condições que impedem a sua plena participação na sociedade, tirando do modelo médico o único meio de avaliação.

Os princípios da presente Convenção são: o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; a não-discriminação; a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; a igualdade de oportunidades; a acessibilidade; a igualdade entre o homem e a mulher; o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

Ressalta-se que a Convenção preocupa-se, também, com a negativa de direitos, não obstante esses diversos instrumentos e compromissos, as pessoas com deficiência continuam a enfrentar as barreiras contra sua participação como membros iguais da sociedade.

Destaca-se a importância do reconhecimento das pessoas com deficiência, de sua autonomia e independência individuais, inclusive da liberdade para fazer as próprias escolhas, bem como, devem ter a oportunidade de participar ativamente das decisões relativas a programas e políticas, inclusive aos que lhes dizem respeito diretamente.

A Convenção traz destaque para as mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração. Bem como, a proteção integral da criança e adolescente com deficiência.

Um dos aspectos relevantes da Convenção é trazer a Educação Inclusiva como única forma de educação para a pessoa com deficiência. Avançando na certeza de que a inclusão em escolas inclusivas de ensino regular é a garantia da diversidade e melhor aproveitamento do aluno, tendo seus direitos garantidos, como a adaptação necessária, currículo e avaliação adaptada, escolas acessíveis e salas multifuncionais de atendimento educacional especializado.

Reconhece a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e informação e comunicação, e, a principal acessibilidade que é a atitudinal, para possibilitar às pessoas com deficiência seu pleno direito humano e liberdades fundamentais.

Traz a família da pessoa com deficiência como núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção e assistências necessárias da sociedade e do Estado, para garantia desses direitos.

A Convenção, com caráter de emenda constitucional, traz o reforço de garantir a plena participação da pessoa com deficiência na sociedade, no trabalho, na saúde, na educação, para promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência e prestará uma significativa contribuição para corrigir as profundas desvantagens sociais sem discriminação pela sua condição.

BIBLIOGRAFIA

– Lei Brasileira de Inclusão 13.146/15;

– Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009;

– https://www.fundacaodorina.org.br/a-fundacao/deficiencia-visual/convencao-da-onu-sobre-direitos-das-pessoas-com-deficiencia/

– Declaração Universal dos Direitos Humanos;

– Walter Benjamin, The theses on the philosophy of history, apud Micheline R. Ishay, The History of human rights, Berkeley/Los Angeles/London, University of California Press, 2004, p.3

– Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966

Gisele Souza Cruz da Costa – Advogada, especialista em direito educacional, direito das famílias e processo civil, ativista, professora e jurista da causa das pessoas com deficiência. Tem  diagnóstico de TDAH. Coordenadora da Frente Nacional das Mulheres com Deficiência, Presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias IBDFAM PA, Membro da Comissão Permanente de Implementação de Políticas de Inclusão e Acessibilidade da UFRA, Líder do Comitê de Inclusão da Pessoa com Deficiência do Grupo Mulheres do Brasil Núcleo Belém, Membro da Comissão Provisória da COP 30 da OAB PA, Coordenadora do Projeto A Inclusão Começa Aqui em parceria com ACESSAR UFRA. Diretora Jurídica da ACEAB ASSOCIAÇÃO CLUBE ESPORTE ADAPTADO DE BELÉM. Membro do Inclusive News.

– Thomas Buergenthal (International law, p. 17)

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