A sutileza da violência

Fotografia de Leandra Certeza.por Leandra Migotto Certeza*

Gritar. Apontar o dedo na cara. Olhar com ódio, raiva e gana. Humilhar. Impor a sua vontade sem razão alguma. Berrar. Ameaçar meter a mão na cara de quem se agride. Meter medo. Deixar o agredido sem ação. Mostrar quem ‘manda’ no pedaço. São formas terríveis de agressão emocional e psicológica, que na maioria das vezes, infelizmente, acaba em violência física e sexual.

Muitas pessoas com qualquer deficiência, assim como as sem alguma deficiência, ainda são vítimas de pais déspotas, impiedosos, prepotentes, ditadores, cruéis, estúpidos, e muito violentos. Por mais que quem sofre agressões tenha consciência que o agredido é o próprio agressor, a sua dor, na maioria das vezes, é muito mais forte do que a do agressor.

Ser um coitado, se sentir humilhado, inferior, pequeno, incapaz, e viver preso ao mundo infantil (entre heróis e bandidos), não é desculpa para continuar sendo violento com seus filhos com deficiência.

Pais de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos com deficiência não têm o direito de usarem de sua força bruta para impor uma autoridade falsa, pretensiosa, gratuita e covarde! Violência gera violência. Mas violência só termina com o entendimento de quem é mais vítima nesta história, se é que se pode falar em mais, no meio de tanta dor, por ambas as partes…

Cabe às pessoas com deficiência impor seus limites de forma clara, sábia, e adulta. Não adianta usar a deficiência como desculpa para se esconder no mundo infantil e compactuar com o agressor; mas também não adianta se calar para sempre, acuado, indefeso, e impotente diante de qualquer agressão psicológica ou física. É preciso agir e não reagir com mais violência.

Cabe aos pais das pessoas com deficiência ouvir seus filhos na medida de suas necessidades, limites, potencialidades, qualidades e desafios a serem enfrentados. Não é fácil ser um pai de alguém a quem a sociedade aponta o dedo todos os dias, e diz que não ‘faz parte de seu mundo’ (que mundo? O da fantasia?).

Mas é muito mais doloroso ser um filho de um pai que não o aceita, exatamente como ele é: com a sua deficiência, uma característica inata há absolutamente todos os seres humanos. Ninguém está livre de morrer a qualquer minuto, assim como, ficar com alguma deficiência a qualquer segundo, por não poder escapar de acidentes inevitáveis no Planeta Terra, sejam eles externos ou internos (como os genéticos, por exemplo).

É preciso crescer e amadurecer. É um processo lendo, doloroso, penoso, mas extremamente libertador, se for conquistado por meio da verdade; única forma de entendimento entre agressor e agredido. Olhar nos olhos com vontade, baixar à guarda, se despir, soltar a emoção, sentir o que o outro pensa sobre você; e principalmente, se imaginar na pele que quem agride e de quem é agredido. Ninguém tem o direito de mensurar a dor alheia se não se coloca no lugar da outra pessoa.

Creio que uma das mais complexas questões que especialistas ainda não teorizaram é a situação de impotência que um pai de um filho com deficiência vive 24 horas durante 365 dias. Talvez seja essa dor de quem não pode mudar a realidade que gere tanta violência. É a mesma dor de quando nascemos. No primeiro milésimo de segundo já estamos morrendo, e não podemos fazer, absolutamente, nada contra isso, a não ser viver da forma que escolhermos: sendo violentos ou não.

Também acredito que a dor de quem vive com qualquer deficiência – durante 24 horas, 365 dias – em um mundo extremamente violento seja muito mais insuportável, se sua própria família o rejeita, de forma sutil ou direta. O preconceito é avassalador! É a maior de todas as violências, psicológicas ou físicas.

Qualquer deficiência, incapacidade, diferença do que o ser humano teima em impor como ‘perfeito’ e ‘normal’ ainda é repudiada dentro de nós com tamanha força, gerando sempre uma atitude violenta, que não é capaz de aplacar a dor do vazio da existência finita, imperfeita, diversa e humana de todos nós. É como remarmos contra a maré da fragilidade humana.

Não ser violento é a única forma de nos preservarmos equilibrados em meio à maior de todas as violências inatas da vida: a de ter nascido finita e incapaz de desvendar o mistério da diversidade.

Viver com dignidade e equilíbrio, sem qualquer violência, é a única salvação da humanidade para não sucumbir ao mundo da fantasia, que se esconde por trás de qualquer violência!

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Sobre a autora:

Leandra Migotto Certeza, jornalista da Caleidoscópio Comunicações, repórter voluntária da Rede Saci – www.saci.org.br www.saci.org.br; ativista em direitos humanos das pessoas com deficiência da www.conectas.org Link abrirá em uma nova janela ou aba., e voluntária da Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta – www.aboi.org.br Link abrirá em uma nova janela ou aba., e autora do Blog Caleidoscópio – http://leandramigottocerteza.blogspot.com Link abrirá em uma nova janela ou aba. .Tels: 55 (11) 3453-5370 – Cel: 55 (11) 8697-9067 55 (seg. à sext. das 9hs às 20hs).

Currículo:http://lattes.cnpq.br/5381513499006912 Link abrirá em uma nova janela ou aba.

Portifólio:

http://sentidos.uol.com.br/admin/leandra/ Link abrirá em uma nova janela ou aba.

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“O verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor”
Che Guevara

“ Enquanto houver injustiça e miséria, todo homem deve ser um revoltado”
Albert Camus

One Comment

  1. Leandra,

    Li o artigo e tenho a obrigação de dizer que você está escrevendo muito bem! Parabéns!

    É um texto forte, tocante, verdadeiro, sem ser apelativo. Divulgarei.

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