Gorender
Enquanto a Argentina e o Chile já levantaram as barreiras que mantêm em segredo os crimes ocorridos durante as suas ditaduras militares (ainda esta semana, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, assinou decreto no qual se ordena a abertura dos arquivos relacionados à atuação das Forças Armadas durante a ditadura militar que governou o país entre 1973 e 1986), os tímidos passos do governo brasileiro em direção à abertura da caixa preta onde se escondem as torturas e assassinatos praticados contra presos sob responsabilidade do Estado, a partir de 1964, geram fortes críticas de setores militares, começando pelo ministro da Defesa, o civil Nelson Jobim.
A criação da Comissão da Verdade, bancada pelos ministros Paulo Vannuchi, de Direitos e Humanos e Tarso Genro, da Justiça, é vista como uma tentativa de rever a Lei de Anistia, quando ela obedece apenas a uma orientação da ONU de que leis de anistia não devem proteger os torturadores. A Comissão da Verdade tem três propostas básicas:
– Identificar e sinalizar locais públicos que serviram à repressão ditatorial, bem como locais onde foram ocultados corpos e restos mortais de perseguidos políticos.
– Criar grupo de trabalho para discutir com o Congresso a revogação de leis remanescentes que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos ou tenham dado sustentação a graves violações.
– Propor legislação proibindo que logradouros e prédios públicos recebam nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade e a alteração dos existentes.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Brito, fez uma declaração de apoio da OAB ao projeto, dizendo que “o Brasil não pode se acovardar e querer esconder a verdade. Anistia não é amnésia. É preciso conhecer a história para corrigir erros e ressaltar acertos. O povo que não conhece seu passado, a sua história, certamente pode voltar a viver tempos tenebrosos e de triste memória como tempos idos e não muito distantes”.
Nessa hora em que voltam a ser discutidos o que foram os chamados “anos de chumbo” para o Brasil, é importante que se lembre a figura de Jacob Gorender, um dos mais importantes intelectuais brasileiros de formação marxista. Seu livro Combate nas Trevas é retrato preciso das ilusões da esquerda brasileira e dos erros que a levaram à luta armada e ao abandono das práticas políticas. Mesmo criticando a militarização da luta dos partidos de esquerda após 64, Gorender percebe bem as diferenças entre os lados que se enfrentaram nesse período, ao dizer no seu livro: “Se quiser compreendê-la na perspectiva da sua história, a esquerda deve assumir a violência que praticou. O que em absoluto fundamenta a conclusão enganosa e vulgar de que houve violência de parte a parte e, uns pelos outros, as culpas se compensam. Nenhum dos lados julga pelo mesmo critério as duas violências – a do opressor e a do oprimido. É perda de tempo discutir sobre a responsabilidade de quem atirou primeiro. A violência original é a do opressor, porque inexiste opressão sem violência cotidiana incessante. A ditadura militar deu forma extremada à violência do opressor. A violência do oprimido veio como resposta.”
Sarney
O jornalista Palmério Dória foi extremamente corajoso ao lançar o livro Honoráveis Bandidos, cujo subtítulo é Um retrato do Brasil na era Sarney. A coragem está tanto em “matar a cobra e mostrar o pau” quando fala das grandes maracutaias em que se envolveram o atual presidente do Senado e sua família, como também em não deixar de lado nomes poderosos da República, inclusive o que ele chama de “altas togas”, se referindo a ministros do Supremo.
Casoy
Boris Casoy tem uma longa trajetória de serviço às causas menos nobres da sociedade, mas mesmo assim (ou talvez por isso mesmo) tem conseguido manter uma posição de evidência nos meios de comunicação. Depois de ser acusado de pertencer ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC), uma organização paramilitar voltada para a violência contra quem não rezasse pela sua cartilha, quando era estudante na Faculdade de Direito Mackenzie, em 64, foi indicado pelos militares para substituir Cláudio Abramo na direção de redação da Folha de S.Paulo. Mais tarde, se notabilizou no SBT com o seu bordão moralista “Isto é uma vergonha. É preciso passar o Brasil a limpo”.
Agora, sua postura reacionária e antipovo se tornou pública, depois da gafe cometida durante transmissão de um telejornal da Band, onde infelizmente ainda atua. Durante a apresentação de uma vinheta mostrando dois garis numa mensagem de fim de ano, sua voz vazou sob as imagens e todos puderam ouvir o que ele pensa realmente sobre estes modestos trabalhadores: “Que merda…dois lixeiros falando do alto de suas vassouras. Dois lixeiros…o mais baixo da escala social”.
Narcisismo
O jornal Zero Hora, de Porto Alegre, pertencente ao grupo RBS, resolveu inverter aquela máxima de que a notícia é mais importante do que o jornalista. Na edição de 5 de janeiro, por exemplo, 13 de suas colunas eram encimadas por fotos dos jornalistas responsáveis pelos textos. Não bastasse isso, na capa, uma chamada de destaque traz, ocupando quase l/4 da página, uma ilustração do cronista que escreve sobre o dia na beira do mar. Na contracapa, mais três fotos de jornalistas – uma ainda justificável do imortal Moacyr Scliar, com um ótimo artigo sobre Albert Camus, mas as outras duas, apenas para ilustrar chamadas de notícias que, no corpo do jornal, têm apenas 3 ou 4 linhas. É narcisismo demais.
9/1/2010
Marino Boeira é graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É jornalista e publicitário em Porto Alegre. É professor universitário na área de Comunicação Social. Publicou De Quatro (crônicas com outros três autores); Raul: Crime na Madrugada (novela); Tudo que você não deve fazer para ganhar dinheiro na propaganda (novela). Participações em obras coletivas: Nós e a Legalidade; Porto Alegre é assim, Salimen, uma história escrita em cores, e Publicidade e Propaganda – 200 anos de história no Brasil. E-mail: marinobo@uol.com.br
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Fonte de informação: Via Política/O Autor