Por Marcos Rolim *
“Invictus” é apenas aparentemente um filme sobre Mandela. Há passagens que não são biográficas e há informações centrais para a compreensão do processo de luta e superação do apartheid que não couberam no roteiro como, por exemplo, a importância da “Comissão de Verdade e Reconciliação” que ele criou, assegurando a anistia a todos aqueles que se apresentassem em audiência e relatassem os crimes praticados.
O que faz com que “Invictus” seja uma obra de arte é o fato de que ele é um filme sobre todos nós. Troque o rugby pelo futebol, Frederick de Klerk por Médici e Robben Island por Ilha Grande e uma parte importante de nossa história estará ali, como também nossos argumentos e sonhos; nossos preconceitos políticos e nossa intolerância; os privilégios e a exclusão; nossa grandeza e nossa miséria.
Clint Eastwood transforma o que toca em poesia e Morgan Freeman é tão bom que até seu olhar é o de Madela. O poema de William Henley que atravessa o filme como uma espátula e que lhe dá o título assinala em sua última estrofe: “Não importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de castigos seja a sentença. Eu sou o senhor do meu destino. Eu sou o comandante de minha alma”. Mandela o leu muitas vezes durante os quase 30 anos em que permaneceu encarcerado. Que o mais importante lutador pelos direitos humanos no mundo tenha sido condenado como “terrorista” assinala apenas um destes crimes que não se pode punir, nem esquecer.
Gostaria muito de ter tido a chance de conversar com meu avô materno sobre Madela. Lembrei muito dele quando vi o filme. Aliás, a memória de meu avô me acompanha tão fortemente hoje como há mais de 30 anos quando sua partida nos encheu de tristeza. Foi a única pessoa com quem tive a chance de conviver que esteve profunda e radicalmente comprometido com a ideia do perdão. Ele foi meu primeiro Mandela, o único com quem pude conversar. Lembro dele ao piano, tocando para os netos fascinados; lembro do seu sorriso amplo; da sua máquina de escrever onde aprendi a dedilhar meus primeiros textos; das parábolas bíblicas que nos contava; de sua paixão pelo Grêmio; da forma doce como se dirigia a minha avó, Maria Helena; da sua dedicação integral aos outros; da ausência absoluta de ambição ou vaidade; do seu talento como orador nos sermões da Igreja; de sua imensa cultura. O último dia 10 de fevereiro marcou o centenário do nascimento de meu avô, Léo Wilhelm Schneider. Maestro, professor e doutor em música, foi um dos poucos compositores sacros do Brasil, tendo nos legado composições belíssimas, destacadamente um ciclo de cinco oratórios (O Calvário, São João Batista, Purificação do Templo, Conversão de São Paulo e Jesus Nazareno). Tenho certeza de que ele adoraria o filme.
* Marcos Rolim é jornalista. Reproduzido com a permissão do autor.
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Fonte: Rolim.com.br