Brincando de construir a autoestima

por ROSE CAMPOS | fotos RAFAEL CUSATO e DIVULGAÇÃO

Lúcia, Joyce e Cristina, da Preta Pretinha. Bonecas com estilo próprio

Exemplo brasileiro

Há 10 anos, a empresária Antonia Joyce Venâncio e suas duas irmãs tiveram a iniciativa de abrir a loja Preta Pretinha, com simpáticas bonecas de pano – a maioria delas negras e outras com características asiáticas. “Começamos o negócio porque queríamos fazer uma boneca referenciada em nossa própria família e nas bonecas que nossa avó criava para nós. Até então, as disponíveis nas lojas passavam longe do padrão das crianças brasileiras e as poucas opções negras eram estereotipadas, muitas vezes de olhos esbugalhados e roupinha de chita, características distantes da nossa realidade”, relata Joyce. Ao longo de uma década, a loja cresceu e tem entre seus itens um amplo leque de diversidade – de bonequinhas paraplégicas ou anãs, até outras com síndrome de Down – muitas delas feitas de vinil (material semelhante ao plástico). Só não muda o que Joyce e suas irmãs têm em mente: não basta fabricar modelos mais bonitos; é preciso instigar o diálogo nas famílias e na sociedade no sentido de valorizarem as qualidades da raça, tratando suas peculiaridades com naturalidade e a rica bagagem da cultura afro-brasileira com respeito. “A menina vai carregar sua bonequinha na rua, na escola e em algum momento será questionada. Ela precisa se sentir segura para admitir que a boneca é diferente sim, porém se parece com ela, e por isso é bonita”, explica Joyce.

Trata-se de uma convicção e de um tipo de raciocínio nem sempre construídos em casa. Conforme avalia a empresária, quando isto falta, independentemente da condição sócio-econômica da família, é como se faltasse uma pedra fundamental na autoestima da criança. Para ilustrar a situação, Joyce conta que um dia entrou na loja um rapaz negro, engenheiro e aparentemente bem-sucedido. Encantado com as bonecas, resolveu dar uma de presente para a filha. Quando a levou à loja, alguns dias depois, para que escolhesse, a garota ficou meio perdida diante das bonecas. A mãe, dona de casa e também negra, sugeriu então que a menina levasse uma boneca branca. Temia que se ela levasse um modelo diferente, a filha passasse por algum constrangimento na escola (uma instituição de alto nível e frequentada em sua maioria por crianças brancas). “Vi que o pai ficou um tanto frustrado e resolveu levar duas bonecas, a que a menina escolheu e a que ele realmente queria dar para ela.”

A psicóloga e escritora Dora Lorch, autora do livro Como Educar sem Violência, entre outros, também chama a atenção para a importância de os pais, a partir do diálogo familiar, construírem a autoaceitação da criança. “Lembro-me bem de um casal, cuja mulher era loira, que resolveu adotar duas irmãs negras. Eles as tratavam sem nenhum preconceito, mas certa altura ficou evidente a dificuldade das meninas de lidarem com sua negritude, pois o modelo que tinham era a mãe branca”. Seu conselho é que os pais aprendam a valorizar atributos individuais da criança e não apenas atributos físicos ou talentos natos, como o dom para a música, para os esportes, a beleza, mas também a valorização da capacidade de se esforçar e se desenvolver como pessoa, por exemplo, por meio do estudo e do trabalho. “Apontar exemplos como o ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que não se contentou em ter o dom da inteligência e batalhou por seu espaço, é dar à criança o direito de pensar: eu também sou negra e eu também posso conseguir”.

Leia a íntegra da reportagem na Raça Brasil.

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