Público-alvo

Jhonathan Pino, do Virajovem Maceió (AL)*; Sheila Manço, do Virajovem Goiânia (GO); Fabiano Viana, colaborador da Vira em São Paulo e Vânia Correia, da Redação Ilustrações: Dedê Paiva, colaboradora da Vira (04/05/2010)

Johnny Wilter tinha 21 anos quando foi atingido por um tiro e faleceu em frente à Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde estudava. Ele estava morando em Maceió havia seis meses com o irmão, Jhonathan Pino, e cursava o terceiro ano da faculdade de Geografia. Naquele domingo chuvoso, 25 de maio de 2008, o irmão de Johnny tinha viajado e seus pais estavam em União dos Palmares, cidade onde moravam, a 80 quilômetros de Maceió.

Após passar o dia com os amigos em casa, Johnny saiu com eles para ir a uma festa num bairro próximo. Ao chegarem lá, Johnny resolveu ir para outro lugar, a casa do amigo Denis. Enquanto a maior parte dos amigos estava de carro, Johnny e Marcos, que era seu amigo de infância, montaram numa moto e seguiram em direção à casa de Denis.

O caminho foi interrompido por uma sensação de estupor que afligiu Johnny de forma decisiva. Na garupa da moto, Johnny foi vítima de um disparo de submetralhadora 9 mm, que o atingiu na nuca. Quem provocou a morte do rapaz foi um policial militar, capitão Eduardo Alex dos Santos, que havia pedido para que os jovens parassem. Como o pedido não foi
atendido, o capitão atirou.

Dedê Paiva, colaboradora da Vira

Assim ocorreu a morte de mais um jovem que entrou para as estatísticas do Estado mais violento do País. A ele somam-se mais 2.063 vítimas de homicídios no local, número que coloca o Estado no topo do ranking de crescimento em homicídios. A taxa de homicídios vem subindo de forma assustadora, na contramão da maior parte dos Estados do País. O índice de homicídios de jovens de 15 a 29 anos saltou de 33,6 para 122,7 a cada 100 mil pessoas. Mas, infelizmente, Alagoas não é exceção quando se trata de homicídios de jovens.

A população juvenil concentra quase 40% dos homicídios no País. Todos os dias morrem, em média, 54 jovens entre 15 e 29 anos, vítimas da violência. Um estudo realizado pelo Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em parceria com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e com o Observatório de Favelas estima que mais de 33 mil jovens serão assassinados no Brasil, entre 2006 e 2013, caso não haja intervenções na atual situação de vulnerabilidade à violência em que se encontra a juventude.

Segundo a pesquisa Mapa da Violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil, realizada pelo Instituto Sangari, entre os anos de 1997 e 2007, 512,2 mil pessoas foram vítimas de homicídios no Brasil. A faixa etária com maior índice de crescimento de homicídio, no período, está entre 14 e 16 anos, com aumento acima dos 30%. Entre os 12 e os 15 anos, a cada ano de vida, praticamente duplicam os números e as taxas de homicídios entre os adolescentes. Os maiores índices no Brasil concentram-se na faixa de 15 a 24 anos de idade. O pico está entre os 20 e os 21 anos, idade de Johnny. Mais de 90% das vítimas são homens.

Enquanto a taxa de crescimento total de homicídios ficou em torno dos 17%, entre a população juvenil o índice foi maior que 22%. E, de acordo com o estudo do Instituto Sangari, esse é um número que vem aumentando ao longo do tempo. O Brasil está entre os quatro países em que são assassinados mais adolescentes, entre mais de 90 países pesquisados.

Para Márcia Regina Victoriano, doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os números alarmantes indicam negligência com a juventude: “A raiz da violência urbana, que tem ceifado vidas de milhares de jovens na faixa de 15 a 24 anos, está na ausência de direitos e de cidadania.” A socióloga completa que o Brasil apresenta sinais de melhora em indicadores econômicos, “mas ainda carece de uma política que efetivamente promova a inclusão social e o protagonismo juvenil”.

Diante desse cenário, adolescentes e jovens brasileiros convivem, diariamente, com o medo e a insegurança. Aos 15 anos, Bruno da Silva Santos mora nas ruas de São Paulo e sabe bem o que é isso. “Eu tenho muito medo de morrer na Praça da Sé, porque a polícia sempre quer meter bala na gente. Eu já vi outros jovens morrerem de facada aqui. Fiquei desesperado”.

Violência policial
Os altos índices de violência no Brasil têm cor, sexo e endereço. Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), com dados de 2006, revela que entre cada dez adolescentes mortos, sete são negros; em geral, moradores das periferias das grandes cidades.

“Os jovens negros estão morrendo. Eles representam grande parte da população das áreas mais vulneráveis do País e, devido ao preconceito racial, ainda são vistos como potenciais suspeitos da criminalidade”, explica Maricelis Santana, graduanda em psicologia.

Grande parte dos homicídios foram praticados por policiais em serviço, como no caso de Johnny. Ainda de acordo com o relatório, além dos policiais, as mortes são provocadas por diversos agentes, entre eles esquadrões da morte, milícias, assassinos de aluguel, e por detentos em prisões.

Johnny Wilter, morto aos 21 anos por um policial militar/Arquivo pessoal

“A polícia me dá medo. Não sei para onde olho quando encontro um policial. E era para eu me sentir seguro”, conta Michel Santos, de 17 anos, morador da periferia de São Paulo. Ana Rogério Souza Silva, que perdeu filha, genro e dois netos assassinados em Salvador, também revela sua insegurança: “Quem que não tem medo da polícia, do jeito que está agora?”.

Em Goiânia (GO), o Comitê Goiano pelo Fim da Violência Policial reúne familiares de vítimas de policiais e organizações não-governamentais. O Comitê conta com o apoio da Casa da Juventude Pe. Burnier (CAJU), parceira da Vira e historicamente empenhada em campanhas contra a violência.

A criação do Comitê foi motivada por “desaparecimentos” como o do adolescente Murilo Soares Rodrigues. O menino cursava o 7º ano do Ensino Fundamental e tinha 12 anos quando foi assassinado em abril de 2005. “Só pelo fato de estar em companhia de um suspeito, Murilo foi sequestrado e executado por oito policiais”, conta a mãe, Maria das Graças Soares. “É como dizem: ele estava na hora errada com a pessoa errada.” O carro foi encontrado todo carbonizado e o Murilo, oficialmente, é considerado “desaparecido”.

É para unir esforços e denunciar as graves violações de direitos humanos praticadas por integrantes da Instituição Policial do Estado de Goiás, principalmente contra os jovens, além de chamar a atenção de todo o Brasil para a violência policial, que o Comitê organiza encontros e cobra justiça às autoridades. Com o lema “Quando a dor vira resistência…”, o grupo clama por mudanças profundas na ação policial, que passam tanto pela questão da formação profissional quanto pela punição rigorosa dos agressores.

Para o goiano Leonardo Rezende, de 27 anos, “a polícia deveria dar exemplo de não-violência, de respeito e solidariedade, mas infelizmente vivemos num País onde é cada um por si e o governo por ninguém”, ressalta. “Tenho pena das famílias que passam por isso, pois a justiça é lenta, fraca e inconclusiva, mas a esperança dos brasileiros nunca morre, por mais que percam seus filhos com a violência”, conclui.

Situação de guerra
A pesquisa Mapa da Violência 2010 também aponta que a mortandade por homicídios no Brasil, na década estudada, ultrapassa o número de mortes de países em guerra, como Chechênia (1994-1996), Guatemala (1970-1994) e El Salvador (1980-1992). E como numa guerra, os autores dos crimes são raramente punidos. Ou por culpa de uma polícia ineficiente, ou de uma justiça lenta, a impunidade acaba fazendo parte da vida das pessoas.

“Inúmeras foram as pessoas que entraram em contato com a gente demonstrando o descrédito com a justiça na solução do caso do meu filho. Algumas vezes essas pessoas nos estimulam a fazer justiça com as próprias mãos, outras pedem para esquecer do crime porque, segundo elas, não vai dar em nada mesmo”, desabafa o pai do Johnny, José Cicero Pino.

Dedê Paiva, colaboradora da Vira

No caso do Johnny, o policial alegou ter atirado sem a intenção de atingi-lo porque o jovem não parou a moto. Na versão do capitão Eduardo, “o tiro o pegou acidentalmente, não tive intenção de matá-lo.” O processo tramita há dois anos. O policial entrou com recurso no Tribunal da Justiça para responder por homicídio culposo, mas a decisão quanto ao recurso ainda não saiu.

“Enquanto não sai a condenação do policial pela morte intencional do meu filho, clamamos por justiça e relembramos Johnny em todos os eventos possíveis. Não podemos deixar que a morte do meu filho fique impune. Esse homem, que se diz policial, não é capaz de proteger a sociedade. Ele tirou a vida do Johnny no momento em que ele era mais feliz”, diz Maria Cícera Pino, mãe de apenas uma das milhares de vítimas retratadas nas pesquisas.

Juventude em marcha contra a violência
Em novembro de 2009, a Pastoral da Juventude do Brasil lançou a Campanha Nacional Contra Violência e o Extermínio de Jovens, com o objetivo de desencadear ações concretas de enfrentamento e superação das violências sofridas por jovens, nas diferentes regiões do País.

Qualquer jovem pode participar da Campanha realizando debates com grupos na igreja, escola, universidade, bairro, além de participar das atividades que cada Estado promoverá. É possível acompanhar as atividades realizadas e contribuir com a Campanha pelo site www.juventudeemmarcha.org.br.

Direitos e deveres
Em 2008, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do governo federal, lançou a cartilha
“A polícia me parou. E agora?”, com informações sobre como se comportar e quais são os direitos diante de uma abordagem policial.

Foram distribuídos pelo Brasil 1 milhão de exemplares, que teve como público-alvo adolescentes e jovens. A Vira reproduziu esse informativo para você!

O que fazer quando for abordado pela polícia

Arte: Ana Paula Marques, da Redação

Arte: Ana Paula Marques

Tá Na Mão:
Para ter acesso à pesquisa Mapa da Violência 2010, acesse: http://www.institutosangari.org.br/mapadaviolencia/

*Integrantes de Conselhos Jovens da Vira presentes em 22 Estados do País e no Distrito Federal (al@revistaviracao.org.br e go@revistaviracao.org.br)

Conteúdo da edição impressa da Vira de abril (nº61)

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Fonte: Viração

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