O melhor quadro de Lucio: ele mesmo

O artista Lucio Piantino posa em frente ao cartaz de sua exposição no STJ
O artista Lucio Piantino posa em frente ao cartaz de sua exposição no STJ
Concorrendo com mais de 50 artistas da cidade, adolescente com síndrome de Down vence todas as etapas do edital público do Superior Tribunal de Justiça e abre hoje, no Espaço Cultural da Casa, sua terceira exposição individual. São 25 obras, cheias de cor, magia e talento

Marcelo Abreu

Fotos: Valério Ayres/Esp. CB/D.A Press
Lucio Piantino consolidou-se como artista. Às vésperas de completar 15 anos, foi selecionado para expor no Espaço Cultural do STJ por seus próprios méritos, reconhecidos por uma comissão multidisciplinar

As formas abstratas do artista compõem quadros instigantes

Agilidade com os traços: talento amadurecido é destaque

A obra Hip-hop é a sua preferida. Detalhe: ele também é craque na dança de mesmo nome
Quando ele nasceu, os médicos logo disseram àquela mãe: “Seu filho tem um problema. E tudo será muito lento na vida dele. Será uma criança que vai demorar a andar, a falar e aprenderá todas as coisas, se aprender, com muita dificuldade”. Foi assim, sem metáforas, sem rodeios. A mãe chorou como choram mães em desespero. Sofreu como sofrem mães que recebem uma notícia triste do filho que acabou de nascer. O mundo desabou. Era o terceiro filho, o caçula, o que completaria a família. “Mas só chorei por dois dias”, ela diz. A mulher enxugou o pranto, guardou a dor, rasgou o prognóstico cruel e decidiu: “Se houver alguma coisa para ser feita, eu farei para salvá-lo”.

Hoje, daqui a pouquinho, esse menino que nunca aprenderia as coisas abre a terceira exposição individual de pintura de sua meteórica carreira de dois anos. Lucio Piantino é um artista. Um pintor genuíno. Deslumbrantemente talentoso. Lucio tem síndrome de Down, mas isso é um mero detalhe, apenas mais uma informação sobre esse menino que pinta quadros cheios de cor como pinta a vida. Lucio sempre emociona.E quem mais tarde for ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) verá 25 obras — 12 absolutamente inéditas e de vários tamanhos — do adolescente que encontrou na arte sua melhor forma de expressão. Perto de completar 15 anos, ele pinta como adulto. O primeiro quadro, rascunhou ainda aos 5. Aos 13, a primeira exposição. Agora, a certeza: a pintura que surge de suas mãos inquietas é sua melhor catarse.

Aos 51 anos, a mãe de Lucio, a artista plástica e escritora Lurdinha Danezy Piantino, só chora. “Mas de completa felicidade. É a luta diária para lutar contra o prognóstico ruim que me deram. Aceitei o diagnóstico da síndrome numa boa, mas nunca a sentença que me impuseram ao meu filho.” O pai dele, o também artista plástico Lourenço do Bem, 54, torce pelo sucesso do filho.

Hoje, Lucio fará uma grande surpresa para os convidados. Receberá todos que forem à abertura da sua exposição dançando hip-hop. Isso mesmo. Além de pintor, ele também dança. “Adoro o Chris Brown (cantor norte-americano de hip-hop). Ele é demais”, ele diz.

E quem lá estiver vai se deparar com um mundo de cores. Adepto da técnica mista — acrílico e vinílica — , Lucio passeia pelo abstrato e tem flertado bastante com o expressionismo. A pintura dele é espontânea, forte, viva. Muito viva. O mais legal disso é poder “viajar” em cada tela. Cada um interpreta como quiser.

Cioso da sua obra, ele mesmo deu nome a todos os quadros: Montanha russa, Ovo, Mais louco, Escorregador, X maluco, Arco e flecha, Sol, Tigre, Jogo da velha, O bicho vai pegar, Rap, Manobra de skate, dragão, Joana (em homenagem à irmã de 17 anos), Michael Jackson, Chris Brown… E, claro, há uma obra que ele batizou de Hip-hop. “Penso sempre na música negra, no movimento dela”, explica.

Talento premiado
Na exposição O menino que virou arte, no Espaço Cultural do STJ, Lucio deixará sua marca até o dia 26 deste mês. Para chegar ali, o pintor concorreu com outros 50 artistas da cidade. Submeteu-se às regras do edital público. Foi selecionado entre os 10 melhores que farão parte do calendário de exposição da Casa deste ano.

A comissão multidisciplinar, composta por artistas, sociólogos e psicólogos, levou em conta a obra de todos os concorrentes como um todo. “Em nenhum momento, o fato de ele ter síndrome de Down contou a favor. Não houve nenhuma condescendência por isso. Diferenças são diferenças e elas estão presentes em cada um de nós”, explica Jaime Cipriani, de 47 anos, coordenador de Memória e Cultura do STJ. “O que se levou em conta foi o talento dele, a forma como sente o mundo e a espontaneidade com que expressa isso na obra.”

Jaime, sensivelmente, enxergou a alma de Lucio pela pintura nos seus quadros. E quem for lá amanhã e nos próximos dias terá a mesma sensação. A pintura dele explode na retina, arrepia, faz sair daquele lugar onde homens usam toga e decidem destinos.

Sua arte é criança, adulta, mulher, homem. É plural. É diferente, como somos todos nós. É ele, do jeitinho dele, uma arte ora debochada, moleca, irreverente e verdadeira, tanto quanto o artista. É singular. Extasiada, Lurdinha, a mãe de profundos e ternos olhos verdes, admite: “Pinto há 25 anos. Mas nunca pintei tão bem como o Lucio. Não sei trabalhar com cor. Ele é um artista completo. Vê-lo pintar me enche de prazer”.

Romper fronteiras
Mãe pode ser passional. Quase sempre o é. Mas o reconhecimento do talento de Lucio vai além de casa. Ecoa além da boca de Lurdinha. Omar Franco, 53 anos, pintor mineiro radicado em Brasília, reconhecido nacionalmente, certa vez escreveu sobre o artista, ao conhecê-lo: “Ao ser apresentado à arte de Lucio, senti saudade de quando eu ainda era menino do interior de Minas Gerais. Achava que o mundo não ia muito além das montanhas que cercavam a cidade onde vivia. Mas, como o meu universo era vasto, infinito, não havia tinta nem papel que desse conta de tanta produção”.

E continua: “Lucio não economiza telas, tintas e espaço. Ele se apropria de grandes áreas com gestos largos… Seu mundo é abstrato, dinâmico, vibrante. O pintor e pintura se misturam… Suas telas expressionistas nos devolvem a espontaneidade e a coragem que perdemos, quando nos tornamos adultos secos e quebradiços”. E encerra: “Lucio tem uma infinidade ancestral com a linguagem visual, que dá ele uma dimensão maior da vida… A arte foi feita para que possamos ousar e romper fronteiras. Lucio sabe disso”.

2 Comments

  1. Adorei essa materia, a pouco tempo li o livro que a Lurdinha escreveu “Cadê a síndrome de Down que estava aqui? O Gato comeu…” lindo e tem me ajudado muito no meu TCC que é sobre estimulação precoce e sindome de down, estou muito feliz de ver o progresso de Lucio, que ate hoje quando li a materia tinha a imagem de um bebê, mas ja é um rapaz muito lindo e talentoso.

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