Por Marta Gil *

IDENTIDADE
São infinitos
os possíveis arranjos de uma teia:
como pode
a aranha manter
a identidade
enquanto cria a teia
num lugar determinado?
e a teia fosse cuidadosamente planejada
a aranha nunca encontraria
o lugar ideal para tecê-la: e
se a teia fosse
perfeitamente adaptável,
se liberdade e possibilidade não tivessem limite
a teia
perderia sua própria identidade
A. R. Ammond
Redes
Redes sempre existiram. São inerentes à natureza do ser humano. Todos nós fazemos parte de redes, embora nem sempre tenhamos consciência deste fato.
Segundo o Oxford Universal Dictionary, a palavra network foi usada pela primeira vez em 1560, significando um trabalho (work) no qual fios, arames ou assemelhados são arrumados em forma de rede (net).
Atualmente, a rede pode ser conceituada como uma teia de participantes autônomos, unidos por valores e interesses compartilhados.
Participar de redes é uma aventura que nos coloca em contato com o inesperado: os desdobramentos abrem portas para novas relações, experiências e possibilidades. É praticamente impossível antever o alcance e o poder de uma rede.
Nos anos 90, o networking – a participação em redes de conexões, unindo idéias e recursos – passa a ocupar uma nova dimensão, catalisando mudanças e transformações profundas e sustentando, reafirmando e vitalizando outra possibilidade de ordenação das relações sociais. A emergência dos novos networks humanos representa a expansão evolutiva natural do crescimento acelerado da rede mundial de comunicações físicas, de computadores e das telecomunicações, a Internet – também chamada “mãe de todas as redes”.
É o sentido de cooperação entre semelhantes que vitaliza e viabiliza uma rede. A participação em redes torna cada um de nós mais responsável, respeitador de si mesmo e criativo, ao expandir a matriz de conexões de cada um.
Um aglutinador invisível, imensurável e intangível mantém unidas as redes: os valores compartilhados. Valores são os princípios pelos quais vivemos, a perspectiva de vida que herdamos de nossos pais e transmitimos para nossos filhos; são forças unificadoras, que se consubstanciam e são transmitidas à rede pela função de animação, que pode ser exercida por vários de seus elementos. Para mestre Laudelino Freire, animar significa dar alma ou vida; dar força e vigor; dar coragem, estimular; dar ímpeto; promover o progresso ou o desenvolvimento de; dar vivacidade, movimento; tornar expressivo; ter ânimo, resolver-se; atrever-se.
Redes de Informação e Comunicação
O modelo das teias de aranha
Em minha opinião, o conceito de rede baseia-se no “casamento indissolúvel” entre informação e comunicação: uma não existe sem a outra. Para exemplificar, vamos conhecer as teias de aranha, belo modelo orgânico de comunicação de informações através de suas teias.
Sabe-se que organismos que vivem comunitariamente, freqüentemente em sociedades estruturadas, usam mais sinais, e com maior variedade, do que animais solitários. Entretanto, mesmo um animal que viva só depende de comunicação com seus semelhantes e, algumas vezes, com indivíduos de outras espécies. Aliás, a comunicação tem sua origem no comportamento de animais solitários e representa, sem dúvida, uma adaptação através da qual os indivíduos podem aumentar sua aptidão.
As aranhas modificam seu ambiente de forma adaptativa, rodeando-se de uma teia mais ou menos complexa de fios que as unem a seus semelhantes ou ao ambiente (Burgess e Witt, 1975). Uma aranha pode enviar ou receber informação através de sua teia; todos os membros de seu grupo beneficiam-se desse sistema. O posicionamento da teia determina sua eficiência e tem peso significativo na seleção de vítimas.
A comunicação é importante para a sobrevivência do animal. Os animais mudam seu comportamento em função da informação que recebem. Nos animais sociais, toda a vida comunitária está baseada em uma rede de comunicação, fazendo com que cada um saiba o que deve fazer para auxiliar a sobrevivência dos demais e, assim, assegurar seu principal interesse genético: a reprodução de sua espécie. A comunicação entre animais de reprodução sexuada é um dos pré-requisitos para a sobrevivência de seus genes.
Os sistemas de comunicação mudam durante o período de vida de um animal, do filhote para o adulto, à medida que suas exigências de comunicação variam. A comunicação bem sucedida envolve, sempre, uma vantagem evolutiva mútua (Smith, 1977).
A comunicação pode ser definida como a transferência de informação de um organismo para outros. Os receptores podem utilizá-la para determinar o estado comportamental do emissor e para escolher comportamentos adequados para si mesmos.
Por que a comunicação evoluiu?
Os seres vivos não sobrevivem no vácuo: precisam interagir constantemente entre si e com o seu meio ambiente. Para fazê-lo eficientemente, é necessário haver coleta e troca de informações.
Estudar a comunicação leva à compreensão das particularidades de um animal e de seus semelhantes.
A mensagem só pode ser transmitida para outro ser vivo se este tem um órgão sensível à natureza do sinal, uma forma de decodificar a mensagem e se está pronto para recebê-la.
Há muitas formas de comunicação entre os seres vivos. Algumas delas são tão características de uma espécie que podem ser usadas para diferenciar um grupo dos demais.
As aranhas utilizam-se de várias modalidades de comunicação para obter toda a informação de que necessitam. Somente assim é que a comunicação otimiza sua sobrevivência. ([1])
Quantos paralelos podemos fazer entre as teias e nossas vidas!
A concepção sistêmica de rede
O conceito de rede aqui adotado baseia-se na teoria geral dos sistemas, que considera o mundo em função da inter-relação e interdependência de todos os fenômenos. Segundo essa concepção, chama-se sistema a um todo integrado, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de suas partes. Em vez de se concentrar nos elementos ou substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. Assim sendo, as propriedades sistêmicas são destruídas quando um sistema é dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados.
Os sistemas vivos são organizados de tal modo que formam estruturas de múltiplos níveis, cada nível dividido em subsistemas, sendo cada um deles um “todo” em relação a suas partes e uma “parte” relativamente a “todos” maiores.
Arthur Koestler criou a palavra “holons” para designar esses subsistemas que são, simultaneamente, “todos” e “partes”, e enfatizou que cada holon tem duas tendências opostas: uma tendência integrativa, que funciona como parte do todo maior, e uma tendência auto-afirmativa, que preserva sua autonomia individual. Essas duas tendências são opostas, mas complementares. Num sistema saudável- um indivíduo, uma sociedade ou um ecossistema- existe equilíbrio entre integração e auto-afirmação. Esse equilíbrio não é estático, mas consiste numa interação dinâmica entre duas tendências complementares, o que torna todo o sistema flexível e aberto à mudança.
A natureza dos sistemas é intrinsecamente dinâmica. Sua atividade envolve um processo conhecido como transação – a interação simultânea e mutuamente interdependente entre componentes múltiplos.
Um dos processos subjacentes aos sistemas envolve a autotransformação e a autotranscendência, expressas através da aprendizagem, desenvolvimento e evolução. Os organismos vivos têm um potencial inerente para se superar a si mesmos, a fim de criar novas estruturas e novos tipos de comportamento.
Essa superação criativa em busca da novidade, a qual, no devido tempo, leva a um desdobramento ordenado da complexidade, parece ser uma propriedade fundamental da vida, uma característica básica do Universo. Pode-se explorar a dinâmica e os mecanismos da autotranscendência na evolução de indivíduos, espécies, ecossistemas, sociedades e culturas. [2]
Fundamentos da rede
Autonomia | Valores e objetivos compartilhados |
Vontade | Conectividade |
Participação | Despojamento |
Co-responsabilidade | Multiliderança |
Informação | Descentralização |
Múltiplos níveis | Dinamismo |
Flexibilidade | Confiança |
A concepção de sistema de informação
Como se transpõe o modelo teórico de rede anteriormente apresentado para um caso concreto: um sistema de informação e comunicação organizado em forma de rede?
Para responder esta questão, construindo a ponte entre modelo e realidade, é importante apresentar o conceito de sistema de informação adotado.
Baseando-nos em Dagobert Soergel (1985), podemos defini-lo como aquele que identifica problemas, obtém a informação (inclusive através da ajuda de outros sistemas ou bibliotecas) e comunica-a aos que dela necessitam. Antecipa-se ao usuário, na avaliação de suas necessidades, e oferece-lhe alternativas de estratégias de busca de informação que lhe trazem dados substantivos para a solução de problemas ou tomadas de decisões.
Assim, um sistema de informação é um meio, e não um fim em si mesmo.
Os objetivos gerais de um sistema de informação são os seguintes:
- Levar a uma conscientização geral da importância da informação;
- Reduzir o tempo de busca/recuperação de uma informação específica, aumentando o tempo útil dos usuários;
- Atualizar pesquisadores, profissionais e técnicos em relação ao conhecimento relativo à sua área de ação;
- Veicular informações com rapidez e confiabilidade, em função do usuário;
- Ampliar as fontes documentárias do usuário.
Tal sistema considera a informação sob a ótica da tomada de decisões. Aí reside sua especificidade, pois, para subsidiar decisões (a nível público ou particular) é necessário PERSONALIZAR O ATENDIMENTO.
Em outras palavras, implica colocar o usuário no centro das atenções.
Desta colocação decorrem a filosofia e as diretrizes de trabalho do sistema:
- O conhecimento do perfil do usuário é fundamental, pois determina a seleção dos dados, o estabelecimento de procedimentos simplificados de acesso, a elaboração dos produtos e a escolha dos canais de difusão com base na avaliação de suas necessidades;
- O atendimento deve contemplar necessidades de diferentes naturezas colocadas por diferentes classes de usuários, pois a questão da deficiência é vista como um processo multidisciplinar e contínuo;
- O usuário recebe informações sob medida, “traduzidas” para a sua linguagem e o seu universo de conhecimentos;
- A geração de informação para atender o usuário pode limitar-se à satisfação de demandas pontuais e específicas, como o fornecimento do nome e endereço de uma escola; também pode ter caráter antecipatório, através da realização de estudos, diagnósticos e levantamentos a partir da identificação de lacunas informacionais e que traduzem uma visão abrangente da problemática, ou consistir na combinação e análise de dados já existentes. Estes trabalhos podem, então, permitir a identificação de tendências, subsidiar políticas públicas, etc.
- A área de abrangência das informações nele contidas é delimitada segundo as necessidades de um público específico;
- A divulgação sobre a existência do sistema para a sociedade como um todo é de primordial importância: estimula sua utilização e ajuda a trazer à tona a questão da deficiência sob outra luz, que não a da “benemerência”.
Sobre a Informação
Informação: produto de primeira necessidade
O século XX nasce sob o signo da informação e o XXI continua esta tendência. Dispor de dados passa a constituir uma nova necessidade, do profissional altamente especializado ao cidadão comum. “Um homem informado vale por dois”.
A informação, além de ser prioridade, torna-se um bem acumulável e, portanto, valorável – mercadoria que pode ser intercambiada e comercializada entre e através de nações.
Assim se caracteriza a sociedade pós-industrial, denominada “sociedade da informação” por Daniel Bell, pois, como está baseada em serviços, nela o que possui valor político e econômico não é o poder muscular, nem a energia, mas a informação. Portanto, um de seus problemas cruciais consiste em estabelecer um instrumento capaz de dar conta do acúmulo do conhecimento adquirido ([3]), através da expansão da memória cerebral individual – o computador é uma das respostas encontradas.
O equacionamento da problemática “necessidade de manter-se informado x acúmulo do conhecimento” é de interesse para a sobrevivência da espécie humana. “Não só as nações encontram-se em encruzilhadas em seus caminhos na busca, com o auxílio de informações, de eficácia econômica, inclusive para sua preservação como entidade com características próprias, mas o próprio homem, em sua evolução cultural, como espécie e como indivíduo, encontra-se também face a desafio equivalente: precisa maior quantidade de conhecimento para aumentar a produção de alimentos, melhorar a qualidade de vida e encontrar seu caminho para a construção de uma sociedade mais justa e mais feliz.” ([4])
Saber e poder entrelaçam-se firmemente. Assim, não é de admirar que, a partir da Segunda Guerra, a informação passe a ser vista como elemento estratégico para a segurança e o desenvolvimento e um recurso fundamental para o processo decisório trazendo, em seu bojo, a possibilidade de nova forma de utilização: como forma de pressão.
Cláudio J. Brito é lacônico: “É desnecessário enfatizar a importância da informação. Além da escassez de recursos financeiros, é a crônica falta de informação que distingue os países do Terceiro Mundo dos outros mais avançados.” ([5])
O que é informação?
Mas, o que é mesmo informação, o famoso “quarto poder”?
Esta pergunta enganadoramente simples tem-se revelado uma verdadeira esfinge postada no caminho dos comunicólogos. Até agora, foram todos “devorados”: as definições disponíveis são ainda de caráter tentativo e precário:
“…informação é a dissipação da incerteza (no sentido de várias escolhas possíveis); se não há incerteza, não pode haver informação” (Soergel, l985). Para William F. Williams (l985), “A informação registra problemas e suas soluções. Ela não existe para divertir ou entreter; não se confunde com o senso comum; está geralmente disponível sob forma de unidades discretas, um pouco mais restritas que o campo de interesse.” O 1º Congresso Latino-americano de Biblioteconomia e Documentação (l980) definiu informação como “… energia, um conceito dinâmico, termodinâmico e nunca estático; ele se dá no tempo e não no espaço das bibliotecas depositárias.”
É o caráter dinâmico que caracteriza a informação: esta só existe quando se dá a comunicação, a transmissão da experiência entre o autor e o leitor, entre emissor e receptor.
Fica enfatizada, pois, a ligação entre informação e ação. Informação significa “dar forma a uma ação”. Não deve ser confundida com mera disponibilidade de dados. Informação demanda conhecimento sobre o usuário, reflexão e julgamento.
Se, por um lado, o sistema de informação está voltado, primordialmente, às necessidades de sua clientela esta, por sua vez, deve declarar suas expectativas. Ela precisa formular perguntas – e saber como fazê-las – para que respostas sejam dadas.
COMUNICAÇÃO é a palavra-chave em sistemas de informação. Neles, “quem não se comunica literalmente se trumbica“, como apregoava famoso comunicador popular.
Comunicação
A comunicação permeia as instâncias do sistema: está presente desde o início do fluxo, enquanto sensibilização da população, até o seu final, enquanto canal de saída dos produtos. Significa o esforço no sentido de ampliar o alcance e os efeitos da informação.
Vale ressaltar que o papel desempenhado pela comunicação oral e pelos contatos pessoais tem sua relevância aumentada nesse campo específico de atuação.
A malha de informação
Essa malha, cuja constituição se dá de forma gradativa e constante, capta dados e subsídios de natureza informacional, como o próprio nome diz.
É formada por:
- Interlocutores sediados em universidades, institutos de pesquisa ou instituições que desenvolvam estudos, investigações, metodologias e que, a partir de contatos mediados pelos diversos núcleos da Rede, são estimulados a elaborar teses, levantamentos, protótipos de equipamentos ou a prestar assessoria técnica, em suas respectivas áreas de competência, respondendo a necessidades detectadas;
- Profissionais, integrantes da equipe, pessoas simpatizantes do projeto ou interessadas no tema, fornecem “pistas” (informações fragmentadas e incompletas); artigos e matérias veiculados pelos meios de comunicação de massa, “dicas” sobre serviços ou programas. São como “fiapos de informação”, que conduzem a fontes informacionais mais qualificadas.
Interessa à Rede que a “área de captura” desta malha seja a mais extensa possível, envolvendo os mais diversificados atores e segmentos sociais, pois é isso que garante o enraizamento da Rede na realidade social.
A tendência, à medida que se intensifica a interação entre a malha e a Rede, é que seus componentes (mas não todos, necessariamente) se tornem usuários, e uma parte passe a manter com ela uma relação mais constante e sistemática.
A malha é fundamental para alimentação da rede, para seu crescimento e fortalecimento. Vale à pena cuidar dela com carinho.
[1] Trechos extraídos da Introdução do livro “Spider communication. Mechanisms and ecological significance.” Edited by Peter N. Witt and Jerome S. Rovner. Princeton University Press, Princeton, New Jersey, 1982, p. 3-14.
[2] Trechos extraídos do livro “O ponto de mutação”, de F. Capra, Editora Cultrix, São Paulo, 1987, p.40, 260 a 264
[3] De acordo com estimativas feitas pela American Telephone and Telegraph Co., por volta de 1800 a soma total do conhecimento humano dobrava a cada 50 anos; por volta de 1950, a cada 10 anos; e, por volta de 1970, a cada 5 anos.
[4] Mattos, João Metello de. A sociedade do conhecimento: da teoria dos sistemas à telemática. Brasília, ESAF/Editora da Universidade de Brasília, 1982, p.278.
[5] Brito, Cláudio J. Disseminação de informação e a tecnologia do CR-ROM, mimeo, s.d.
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* Marta Gil é Coordenadora Executiva do Amankay,
socióloga e consultora na área da Deficiência.
Fonte: A autora