Por Sueli Carneiro, do Geledés
Dia 27 de outubro, a professora Eliane Cavalleiro lançou o livro Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo, discriminação e preconceito na educação infantil, Editora Contexto. Houve certa tensão entre a autora e algumas professoras presentes, mas também muito interesse dos jovens na apresentação do trabalho. O livro, originalmente apresentado como dissertação de mestrado na Faculdade de Educação da USP, é fruto da observação sistemática do cotidiano escolar de uma Emei (Escola Municipal de Educação Infantil) da região central de São Paulo, durante um período de oito meses, em três salas de aula de crianças entre quatro e seis anos de idade. Observou-se a relação professor/aluno, aluno/professor e aluno/aluno, considerando as expressões verbais, as práticas não-verbais e as práticas pedagógicas do ambiente escolar.
A tensão entre a exposição de Eliane, educadora negra que ousou escarafunchar o espaço sacrossanto da educação infantil, e várias outras educadoras certamente se deve ao fato de que a pesquisa apresenta dados irrefutáveis acerca da crueldade com que seres humanos tão pequeninos são tratados. Outro motivo é que a maioria das professoras (o universo era de mulheres) parece perceber a existência do preconceito racial na sociedade; entretanto, contraditoriamente, nega que ele esteja presente dentro da escola, como se no tecido social doente a escola representasse uma célula sã.
Por seu lado, o interesse dos jovens provavelmente está ligado ao reconhecimento das situações discriminatórias. Raphael, um dos jovens debatedores, perguntou a Eliane como ela se sentiu ao fazer a pesquisa.
Ela respondeu que muitas vezes teve que se esforçar para não intervir nas dinâmicas escolares discriminatórias que deixavam as crianças negras fragilizadas, hostilizadas, catatônicas, e o fez porque sua metodologia de pesquisa não permitia intervenções.
Contrariando as referências bibliográficas analisadas e o depoimento das próprias professoras da escola pesquisada, Eliane percebeu conflitos e hierarquizações raciais entre as crianças, como demonstrou o depoimento de uma garota negra de seis anos. Segundo ela, as crianças só brincavam com ela quando levava brinquedo. Quando indagada por quê, respondeu: ‘‘Porque sou preta. A gente estava brincando de mamãe. A Catarina branca falou: eu não vou ser tia dela (da própria criança que está narrando). A Camila, que é branca, não tem nojo de mim”. A pesquisadora pergunta: ‘‘E as outras crianças têm nojo de você?” Responde a garota: ‘‘Têm”. Trata-se apenas de um exemplo, pinçado entre dezenas que estarrecem o leitor a cada página.
A omissão e o silêncio das professoras diante dos estereótipos e dos estigmas impostos às crianças negras são a tônica de sua prática pedagógica. Outra menina negra conta que as crianças a xingam de ‘‘preta que não toma banho” e acrescenta: ‘‘Só porque eu sou preta elas falam que não tomo banho. Ficam me xingando de preta cor de carvão. Ela me xingou de preta fedida. Eu contei à professora e ela não fez nada”. Dois meninos negros eram chamados por uma professora de ‘‘filhotes de São Benedito”, porque ela os achava ‘‘o cão em forma de gente”. Como conseqüência, a auto-estima dessas crianças e sua auto-representação ficarão seriamente abaladas. A imagem de si mesmas será inferiorizada e as crianças brancas que presenciaram as cenas provavelmente se sentirão superiores a elas. Estabelece-se, assim, o círculo vicioso do racismo que estigmatiza uns e gera vantagens e privilégios para outros.
A observação das crianças nos espaços de lazer permitiu à pesquisadora presenciar situações concretas de preconceito e discriminação entre elas. Nesse loccus da liberdade, longe das professoras, as crianças podiam escolher seus parceiros e decidir por quanto tempo permaneceriam brincando com eles. As manifestações discriminatórias foram ouvidas nos momentos em que algo era disputado: poder, espaço físico ou companhia. As crianças repetiam os ensinamentos e comportamentos discriminatórios dos adultos. Foi nesse contexto que um garoto branco sugeriu a outro garoto negro que levasse para casa um carrinho abandonado no tanque de areia, porque ‘‘preto tem que roubar mesmo”.
De volta à relação professor/aluno, a pesquisa mostra que as crianças brancas recebem mais oportunidades de se sentirem aceitas e queridas que as demais; elas são consideradas ‘‘boas”, os elogios são feitos a elas como pessoas, são inteligentes, espertas, bonitas etc. No caso das crianças negras são feitos elogios às tarefas que estão bem-feitas, mas não a elas como seres humanos dignos de admiração e incentivo.
O trabalho de Eliane atinge seu objetivo: constitui-se caldo de cultura fecundo para gerar estratégias que elevem a auto-estima de pessoas pertencentes a grupos discriminados, potencializando, dessa forma, a convivência positiva entre as pessoas na escola, pautada pelos princípios da igualdade.
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Fonte: Correio Braziliense/Geledés
È LASTIMAVEL QUE EM UM PAÌS DE AFROS,AINDA IMPERA O RACISMO.
Fico me questionando como pode em pleno século XXI, onde as pessoas tem acesso as informações mais claras e ricas, terem essa linha de pensamento medíocre insana, onde definem o padrão de beleza “Ideal”, descartando aqueles que não se enquadram nesse padrão, cadê a moral e a ética dessa sociedade, vivemos em um mundo paradoxal.
E ainda mais, vivemos em um País com uma multicidade cultural ampla e rica de origens com fundamentos multiculturais onde não existem uma linhagem pura um sangue azul, inclusive STUART HALL fala desse multiculturalismo.