
Por Andrei Bastos
Era uma vez uma moça de 20 anos, favelada, negra, que ganhava menos de um salário mínimo como vendedora de loja no subúrbio. Diante da oferta de R$ 2.000,00 mensais para empacotar cocaína, ela ficou tentada. Com sorte por ter amigos esclarecidos da classe média, procurou conselhos e decidiu por uma vida longa, filhos etc. O que podemos fazer para que essa história deixe de ser exceção?
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Era uma vez um moço de idade e cor indefiníveis, pequeno e magro, nascido e criado entre as ratazanas das palafitas da Maré, que nos metralhava com olhos fixos e palavras da Constituição que carregava embaixo do braço. Diante da mão pequeno-burguesa oferecida, vociferou recusas e impropérios e saiu do recinto com seus liderados. O que podemos fazer para dialogar com ele?
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Era uma vez uma princesa, de cabelos ruivos e olhos azuis, que vivia na torre do castelo de seu pai e nada lhe faltava. Sempre viajando a negócios, um dia o pai foi preso pelos guardas do imperador, pois traficava cocaína no atacado. Mergulhada em tristeza profunda, a jovem fugiu para viver com os porcos de uma aldeia distante. O que podemos fazer para evitar a infelicidade de outras princesas?
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Era uma vez um jovem gladiador em seu cavalo de aço que, justo, abordou meu veículo sem vistoria. Ao me perceber deficiente, propôs acerto pecuniário, que recusei por princípio e falta de fundos, aceitando a pena cabível. Disposto a fechar negócio, o garboso oficial regateou até esmola não recebida. O que podemos fazer para dignificar gladiadores?
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Se junto com esse circo todo, o Estado não cortar sua própria carne podre, vagabundo vai acabar comprando bagulho com vapor fardado.
ANDREI BASTOS é jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.