Os Anos Izabel Maior

 

 

Izabel Maior e ao fundo o Congresso Nacional ao entardecer

 

Por Patricia Almeida

 

Depois de 8 anos e três meses, Izabel Maior sai da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência deixando muitas realizações e saudades.

“Ela é tão boa que entrou no governo Fernando Henrique e continuou com o Lula”. Já não me lembro quem fez esse comentário, mas para mim, foi argumento suficiente para eu querer ir trabalhar com a “Doutora Izabel”, titular da CORDE, a então Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, órgão da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República) .

Peguei um avião e fui para São Paulo participar de um seminário sobre deficiência em que sabia que ela estaria. Depois do evento fui me apresentar, dizendo que era funcionária pública federal, tinha tido uma filha com síndrome de Down e estava interessada em trabalhar na área da deficiência. Sem nem saber quem eu era, me disse para ir a CORDE, em Brasília no dia seguinte para conversarmos.

Levei meu currículo de jornalista de TV e do serviço brasileiro da BBC, experiências no cerimonial do Itamaraty e como chefe de gabinete de Embaixada, espanhol e inglês fluentes e ela comentou: “Nossa! Uma assessora de luxo!”

Luxo é, agora eu sei, o adjetivo menos adequado à area da deficiência. Passei a integrar uma equipe de meia dúzia de gatos pingados mas que, por sua dedicação e engajamento, conseguiam realizar um trabalho fantástico, seja no que diz respeito à formulação de políticas públicas, quanto a sua implementação, sendo esta parte sempre a mais difícil.

Se o Brasil tem hoje uma das legislações mais fortes com relação à pessoa com deficiência, isso é devido em grande parte a essa lutadora incansável, uma das pioneiras do movimento político da pessoas com deficiência no Brasil. Sempre com alma de ativista e o olhar voltado para os mais vulneráveis dentre os vulneráveis, Izabel Maior reúne em uma mesma pessoa conhecimento teórico de médica fisiatra, professora universitária com mestrado em deficiência pela Universidade de Salamanca e especialização em Bioética na UnB, e o saber técnico de gestora pública, o que permitiu avançarmos incrivelmente nos últimos anos.

Em sua gestão à frente da CORDE o país foi alçado ao papel de protagonista e líder na área da deficiência também no exterior. Em 2004 o Brasil foi eleito pela organização não governamental internacional IDRM – International Disability Rights Monitor como um dos cinco países mais inclusivos das Américas. A formulação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pela ONU contou com participação ativa brasileira sob coordenação da Doutora Izabel. A Convenção foi ratificada em 2008 com status constitucional, em grande parte graças ao seu poder de mobilização, em parceria com o movimento social. Em 2010 Izabel Maior recebeu merecido prêmio pela sua contribuição ao desenvolvimento de um continente mais inclusivo da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ainda em 2010 foi finalista do prestigioso Prêmio Claudia, na categoria políticas públicas.

Enquanto eu trabalhava na CORDE, Izabel me contava os casos de lutas passadas, sempre falando da vontade que tinha de deixar esta história por escrito. A cada notícia sobre um companheiro do movimento caído ela se dizia triste e ao mesmo tempo preocupada: “as lideranças do movimento estão morrendo e essa história nunca foi contada”.

A Doutora Izabel sai da Secretaria de Direitos Humanos deixando mais esse legado – o livro e filme-documentário “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”, produzido em parceria com a OEI – Organização dos Estados Ibero‐americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura, com todos os recursos de acessibilidade e em três línguas: português, inglês e espanhol.

Embora muito bem contada a partir de entrevistas com membros do movimento, dois dos quais vieram a falecer após terem tido seus depoimentos gravados, Adilson Ventura e Dorina Nowill, a história não faz jus a uma de suas principais protagonistas, a própria Izabel Maria de Loureiro Maior. Mas quem a conhece sabe que sem sua determinação muito do que foi alcançado não teria sido possível.

Já nostágica, mas confortada por saber que Izabel continuará contribuindo para a inclusão da pessoa com deficiência onde quer que esteja, como eu mesmo fiz depois que saí da CORDE e passei a militar na sociedade civil, quero demonstrar minha gratidão e prestar homenagem a essa admirável ex-chefe e companheira de luta, cuja trajetória à frente da área da deficiência será com o tempo conhecida como “Os Anos Izabel Maior”.

Para ver o documentário, clique no link abaixo

http://www.inclusive.org.br/?p=18348

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