Ricardo Araújo – repórter
Ao longo dos séculos, a ciência foi capaz de descobrir curas de doenças raras, detalhar o DNA humano e clonar animais. Até hoje, porém, não conseguiu montar o complexo quebra-cabeças e explicar o homossexualismo. Genética, influência social ou distúrbio psicológico? Independentes e alheios a teorias, os homossexuais conquistam, a duras penas, espaço em ambientes preconceituosos e mostram que ser gay independe de se vestir como o sexo oposto, ter trejeitos (ou não) e assumir uma postura que até pouco tempo chocava, inclusive, os mais “descolados”. Diariamente, trava-se uma batalha pela igualdade de direitos e respeito.
Para a advogada Maria Berenice Dias, que há doze anos trabalha na defesa dos direitos homoafetivos, o afastamento da Igreja do Estado foi de suma importância para a ascensão da temática gay no País. “Além dissto, com o alvorecer dos direitos humanos, as pessoas começaram a se dar conta de que era preciso lutar pelos direitos igualitários”, afirma.
Diferente da Holanda, por exemplo, onde o direito à união entre iguais foi concedido com a aprovação de uma lei específica, o Brasil não dispõe de uma legislação que discorra sobre o tema. Há, em alguns estados, leis e decretos que garantem a legalidade da união estável entre homossexuais. Para Maria Berenice, a ausência de leis que regulamentem essa situação em todo o território nacional é reflexo do preconceito embutido na mente dos legisladores e chefes do executivo. Para terem alguns direitos garantidos, é preciso recorrer à Justiça.
No Rio Grande do Norte, um Projeto de Lei em que o nome social dos travestis e transexuais passaria a ser utilizado em órgãos e repartições públicas do Estado, foi vetado pela governadora Rosalba Ciarlini. “É condição indigna ser obrigado a portar nome que não coincide com sua identificação social de gênero, a partir da escolha feita pelo próprio indivíduo”, ressalta o professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Alípio de Sousa Filho.
Em outros estados, situações como estas foram resolvidas com a sanção de leis. Para Maria Berenice, os avanços na jurisprudência são muito positivos no Brasil. Salienta, porém, que o Poder Legislativo ainda é “muito covarde”. “Um país que se julga democrático não pode excluir uma parcela da população”, salienta. Diante da mudança no cenário homossexual brasileiro, onde casais “saem do armário” quando percebem que a sociedade quebrou alguns paradigmas em relação a sexualidade alheia, cada vez mais advogados estão buscando se especializar na defesa dos direitos homoafetivos.
Até hoje, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito à adoção e pensão por morte para os gays que comprovem estabilidade na união. Neste último caso, é preciso que o casal assine uma escritura pública na presença de um tabelião. “Firmar pactos é a maneira mais efetiva de se garantir a busca dos direitos”, analisa Berenice. Apesar da crescente demanda, existem renomados advogados que se negam a defender uma causa em prol de casais gays com medo de perder clientes héteros.
Enquanto as leis defensoras dos gays e lésbicas no Brasil não forem aprovadas em assembleia e sancionadas pela Presidência da República , milhares de casais continuarão realizando cerimônias fictícias, no afã de, um dia, ter reconhecido o direito de conviver e dividir bens, adotar uma criança e deixar herança para os parceiros, assim como fazem os casais heterossexuais.
União estável espera julgamento
Com quatro votos a favor e dois contra, o julgamento sobre o reconhecimento da união estável homossexual foi interrompido pelo ministro Raul Araújo. A votação ocorreu no final do mês passado, na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. O ministro solicitou pedido de vista, o que na linguagem jurídica significa maior tempo para análise do que está sendo votado. Ainda faltam quatro ministros votarem e o presidente da Seção afirmou que só julgará em caso de empate. Não há data prevista para que o julgamento seja retomado.
Segundo a relatora, a ministra Nancy Andrighias, famílias pós-modernas adotam diversas formas além da tradicional, fundada no casamento e formada pelos genitores e prole, ou da monoparental, inclusive a união entre parceiros de sexo diverso que optam por não ter filhos.
“Todas elas, caracterizadas pela ligação afetiva entre seus componentes, fazem jus ao status de família, como entidade a receber a devida proteção do Estado. Todavia, acaso a modalidade seja composta por duas pessoas do mesmo sexo, instala-se a celeuma jurídica, sustentada pela heteronormatividade dominante”, sustentou a ministra.
Segundo a ministra, “a negação aos casais homossexuais dos efeitos inerentes ao reconhecimento da união estável impossibilita a realização de dois dos objetivos fundamentais de nossa ordem jurídica, que é a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Beijo gay termina em agressão
“A cicatriz mais profunda de todas é a que fica na memória, na alma. A lembrança de uma agressão, seja ela grande ou pequena, diz muito mais do que hematomas”. A frase de Neiara sintetiza seu sentimento, sua revolta em relação ao que aconteceu no anfiteatro da UFRN durante um evento de boas-vindas aos novos alunos, no fina do mês passado. Neiara e sua namorada, Aline, foram agredidas por um jovem identificado como Marcos Azevedo enquanto se beijavam.
As jovens pediram ajuda à Polícia Militar, através do 190, e somente vinte minutos depois, a viatura chegou ao local informado. Indispostos a procurar o agressor, de acordo com relato de uma das agredidas, os policiais se mostraram indiferentes ao ocorrido e informaram que a única solução seria registrar em boletim de ocorrência, o que tinha acontecido de fato.
No dia seguinte, as meninas se dirigiram à Delegacia da Mulher e, mais uma vez, foram surpreendidas pela informação de que o caso ficaria em aberto e caberia a elas identificar o agressor. Além disto, segundo relato de Neiara, o policial afirmou que as penas para casos de agressão física são alternativas, algumas se resumindo à distribuição de cestas básicas.
Para as meninas, a maior indignação está no fato de não poderem expressar o que sentem uma pela outra em público, como fazem os casais heterossexuais. “Nós queremos o normal, nós somos normais. Para nossa segurança, não podemos amar alguém e demonstrar isso na frente de pessoas intolerantes”, desabafa Neiara.
Em carta encaminhada à Reitoria, o Grupo Universitário em Defesa da Diversidade e Expressão das Sexualidades (GUDDES-RN) destaca o repúdio a “atitudes de violência cometidas contra duas alunas, mulheres e lésbicas que, no exercício de sua cidadania e no direito de expressar livremente sua afetividade, foram mutuamente hostilizadas e sofreram agressões físicas dentro do espaço da UFRN, na ocasião da recepção aos calouros, ocorrrida nesta segunda-feira, 21 de fevereiro, especificamente na Praça Cívica do Campus, nos arredores da instalação da concha acústica deste local”.
O reitor da UFRN, Ivonildo Rêgo, endossou todo teor da carta e afirmou que esse tipo de atitude é incompatível com o espírito universitário, de respeito às diferenças e à pluralidade. O reitor solicitou à Divisão de Segurança que procedesse investigações para identificar o agressor.
“Todos os direitos para os casais homossexuais”
A advogada Alessandra Campos é especialista em Direito Homoafetivo. Entre as causas que defende estão os contratos de união estável entre homossexuais, adoção de crianças, ações de indenização por danos morais e de reconhecimento de união. Em entrevista exclusiva à Tribuna do Norte ela fala do preconceito sofrido por seus clientes e quais as principais conquistas jurídicas dos homossexuais nos últimos anos. Eis a entrevista:
A partir de quando os homossexuais brasileiros passaram a lutar por direitos igualitários?
As primeiras organizações foram o jornal Lampião, em 1968. E, após, em 1969 com o Grupo SOMOS.
Eles seguiram uma tendência mundial? Quais países ao redor do mundo aprovaram leis a favor dos casais homoafetivos e gays?
Mundialmente, nesta época, já existiam organizações estruturadas na luta pelos direitos da Comunidade LGBT. Diversos países tem leis que beneficiam os LGBT´s, tratando de direito ao casamento, à união civil. Pode-se citar alguns exemplos como Holanda, Portugal e Argentina.
Quais foram os direitos conquistados pelos casais homoafetivos no Brasil até hoje?
Todos os direitos para os casais homossexuais foram conquistados através de ação judicial, ou seja, em casos específicos, não sendo possível a interpretação lato sensu (em sentido amplo). Todo e qualquer casal homossexual que pretenda ter seus direitos respeitados, necessitam, ainda, de acionar o Poder Judiciário, com exceção da reprodução assistida e pensão pós morte. Esta regra é para todos os homossexuais que desejarem realizar. Entre os direitos reconhecidos em diversas ações, estão a adoção, o reconhecimento da união estável, partilha de bens, recebimento de pensão.
Qual são os maiores entraves que impossibilitam a sanção de uma Lei que apoie a causa LGBT?
O primeiro entrave, considero os trâmites burocráticos e necessários para aprovação de qualquer Lei em nosso país. Em segundo lugar, as polêmicas delicadas e discutidas com fervor de grande parcela da sociedade que ainda é contra a aprovação de leis de cunho protetivo aos direitos iguais dos homossexuais.
Os Estados brasileiros estão evoluindo em relação a aprovação de leis que defendam a igualdade entre os gays e heteros?
Sem dúvida, há uma conversão para a mudança, visto as aprovações de Leis Municipais e Estaduais.
O preconceito sexual é crime no Brasil? Quais as penas aplicadas a quem é considerado culpado quando acusado de preconceito?
Preconceito, lato sensu, não é considerado crime. A exceção está com o crime de racismo, que muitas vezes é motivado pelo preconceito. E, esclareça-se que a intenção do Projeto de Lei 122/06 é de que seja criminalizada a homofobia, que motiva mortes, torturas e diversos crimes de ódio. Tornou-se, a meu ver, uma questão de direitos humanos.
Do seu ponto de vista, a igualdade total de direitos entre gays e heteros é uma utopia? Quando viveremos esta realidade no Brasil?
Acredito que não seja uma utopia a igualdade de direitos, já que, socialmente, os homossexuais e heterossexuais tem os mesmos deveres. Seria, neste caso, uma adequação natural, que faz parte dos princípios do Direito. Quanto ao tempo de lutas que ainda há pela frente, difícil precisar. Certo é que nos últimos 10 anos muitos direitos foram adquiridos e institucionalizados. Prova disso são a gama de leis estaduais e municipais que tratam das questões pertinentes aos homossexuais.
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Fonte: Tribuna do Norte