Por Nei Alberto Pies *
“Aquele que alivia o fardo do mundo para o outro não é inútil neste mundo” (Charles Dickens)
A nossa civilização construiu um ideário de convivência social com base na competição. Somos impelidos a ver todas as vantagens em competir e nenhuma vantagem em cooperar, o que nos dá a falsa impressão de que cada um e cada uma se basta a si mesmo. Se cada um se basta a si mesmo, estamos liberados para ser, pensar e agir deliberadamente, sem medir quaisquer conseqüências que possam envolver ou atingir os outros. Deste modo, ao desaprendermos a cooperação, empobrecemos as nossas relações sociais e a nossa própria condição de humanidade, que se realiza a partir da interdependência com os outros. Ao abrirmos mãos da intrínseca relação entre o eu e o outro, perdemos a dimensão da construção social que é sempre coletiva; que nos faz humanidade em movimento.
Nossa cultura alimenta-se de ideários individualistas na medida em que estimula, ao máximo, a busca da superação pessoal, a partir de nossa autodeterminação. A máxima expressão do modo de levar a vida hoje, para muitos, foi cunhada pelos romanos: “se queres paz, prepara-te para a guerra”. Outra máxima: “minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro”, propõe, igualmente, a construção de uma liberdade individualista, supondo haver uma linha limítrofe entre a minha ação e a ação dos outros. No entanto, a liberdade pressupõe um pacto de cooperação mútua para ambos alcança-la. Dito de outro jeito: somos sempre condição para a liberdade, nossa e dos outros.
Preocupa que, mesmo sem perceber, temos sido muito permissivos na construção de um modo de vida extremamente individualista, que prega o uso de todos os meios para a construção do sujeito social, inclusive o uso da violência, do deboche e da competição desmedida. Neste contexto, não há preocupação com a resolução dos conflitos, com os contextos e as condições em que vivem os outros; busca-se somente consolidar uma situação em que os vencedores se afirmam a partir do sufoco, superação ou “abafamento” dos vencidos.
O que caracteriza nossos tempos é que refinamos cada vez mais nossos instintos competitivos, dando-lhes uma forma e um conteúdo mais definido. Além de estar mais claro, este ideário está agora disponível às novas gerações. E em tempos em que tudo o que é assimilado deve ser aplicado, muitos desejam colocá-lo em prática, sem escrúpulos, sem reflexão. Afirmam-se pela arrogância de vencedores.
E a cooperação? Bem, a cooperação parece não trazer vantagens suficientemente consistentes para inspirar um ideário ou um modo de vida. É geralmente tratada como solução em situações limites da vida como os conflitos interpessoais, as relações de médico-paciente, as situações que envolvem assaltos e roubos, na ajuda humanitária e solidária a pessoas em iminente risco de vida.
As vantagens da cooperação estão em promover a vida na dignidade, em qualificar as nossas relações sociais. A cooperação é uma ferramenta para nos fazermos gente, em comunidade. É a possibilidade de vivermos em condições menos estressantes, capazes de reconhecimento mútuo e recíproco, capazes de aceitar que ninguém se basta a si mesmo. Quem pensa assim, nos acompanhe!
* professor e ativista de direitos humanos.
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Fonte: O autor