Carta Aberta
À Exma. Ministra da Cultura, Sra. Ana de Holanda;
À Exma. Secretária Especial dos Direitos Humanos, Sra. Maria do Rosário;
À Diretoria de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura;
A toda sociedade brasileira.
Nós, do movimento social de pessoas com deficiência, Vimos abertamente denunciar que a DDI, Diretoria de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura, em seu relatório final sobre a Consulta Pública para a lei de Direitos Autorais, não está considerando a totalidade dos direitos das pessoas com deficiência, constante na Convenção da ONU, mas apenas e tão somente resumindo esse público como sendo todo ele composto de pessoas absolutamente carentes e merecedoras apenas de assistência e caridade social.
Isto porque dentre dezenas de sugestões feitas pelos segmentos de pessoas com deficiência, na consulta pública do ano passado, para que fosse incluído na referida modernização da lei dispositivos que considerassem as obras em formato acessível também um produto comercial, que fossem também cobertas pelo Direito Autoral, conseqüentemente estimulando o mercado a produzir tais obras, a DDI simplesmente desconsiderou todos os pleitos.
Cabe lembrar que na referida lei já existe, e será mantido na reforma, dispositivo que isenta dos Direitos de autor as obras que são pleiteadas por instituições assistenciais, de caridade, beneméritas, entre outras, que fazem o trabalho de tornar acessíveis as mesmas, com o qual o movimento concorda por considerarmos que existe ainda um número significativo de pessoas com deficiência carentes e que necessitam desse tipo de doação.
No entanto, o segmento de pessoas com deficiência está inserido em toda a sociedade, tanto na sua parcela que necessita de assistência, quanto na sua parcela produtiva, por isso a lei deve enxergar todos esses lados sob pena de ser modernizada agora e já nascer com vícios de uma sociedade pré Convenção da ONU pelos direitos das Pessoas com Deficiência, com uma visão paternalista e assistencialista para com esse segmento, o que não reflete equiparação de oportunidades e muito menos igualdade de direitos.
Nesse sentido, temos a obrigação de reforçar nossas propostas já enviadas ano passado, inclusive discutidas e acordadas no CONADE, Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, e reivindicar que elas sejam contempladas no APL – Ante Projeto de lei que será levado ao Congresso Nacional Brasileiro a partir de julho de 2011.
Salientamos que ignorar essas propostas e menosprezar esses direitos é rasgar a Convenção da ONU, conseqüentemente rasgar a Constituição Federal, pois os dois documentos se tornaram um só a partir da ratificação da Convenção, em 2008, como parte integrante da Constituição Brasileira.
Em face dessa grave denúncia, trazemos à presença das excelentíssimas Ministras as propostas que seguem, originárias dos movimentos de pessoas com deficiência, acompanhadas de suas devidas justificativas e solicitamos que elas sejam reavaliadas e inseridas no ante Projeto que será enviado ao Congresso Nacional no próximo mês.
Propostas para a modernização da lei de Direitos Autorais nr. 9.610/98, sugeridas pelo segmento de pessoas com deficiência.
Foram propostas alterações no Art. 5, inserção de 4 novos Incisos e no Art. 7 no Caput e no Inciso I, conforme texto ao final das justificativas.
Justificativas para as propostas:
O artigo 5º da Constituição Federal não deixa dúvida de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”. No inciso XIV desse mesmo dispositivo constitucional consta que, está “assegurado a todos o acesso à informação”, havendo em nossa legislação grande repertório garantindo a igualdade de direitos aos cidadãos com deficiência.
Dentre todos esses dispositivos, o mais atual e importante trata-se da Convenção da ONU pelos Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificado pelo Congresso Nacional Brasileiro como emenda constitucional em 2008 por meio do Decreto Legislativo 186.
Nesse documento Constitucional alguns princípios e conceitos são fundamentais para que sejam observados em qualquer tipo de reforma ou modernização de leis a partir de então, cabendo aos legisladores obrigatoriamente incluí-los nas atualizações de normas legais e que tratem de interesses também do segmento de pessoas com deficiência, sob pena de prejuízo de direitos humanos desse público em particular.
Alguns dos princípios e conceitos citados anteriormente são os seguintes: “Pessoa com deficiência”, “Igualdade de Direitos”, “Equiparação de oportunidades”, “Desenho Universal”, entre outros.
Como A Lei de Direitos Autorais trata de direitos a serem auferidos pelos autores por meio do fornecimento de produtos e serviços a um público interessado em suas obras, obviamente que dentre esse público estão inseridas as pessoas com deficiência, mas que precisam ter suas especificidades reconhecidas e respeitadas com o oferecimento de produtos e serviços em formatos acessíveis ao consumo desse enorme contingente, segundo o Censo IBGE 2000, cerca de 25 milhões de pessoas no Brasil..
Nesse sentido, pensando em criar motivação aos autores e principalmente estimular um modelo de negócio para os formatos acessíveis de obras artísticas e culturais, temos que inserir esses formatos também no rol de itens cobertos pelos direitos autorais. Citando como exemplo os livros, hoje as editoras alegam não poderem atender aos pedidos de compra de formatos acessíveis dos leitores com deficiência em virtude dele não poder ser comercializado, inviabilizando até mesmo a emissão de uma nota fiscal.
Isso ocorre porque as obras em formatos acessíveis são citadas apenas na exceção ou limitação dos Direitos autorais, ou seja, atualmente no Art. 46, Inciso I, Alínea D, assim, só podendo existir se forem totalmente gratuitas, sem fins lucrativos, geralmente doadas às instituições assistenciais para que estas façam a distribuição benemérita para o público carente e atendido pelas mesmas.
No entanto, as obras em formatos acessíveis também precisam estar incluídas na regra, ou seja, precisam ser entendidas pelo mercado como um produto, algo a ser comercializado, que também possa gerar lucro, que possam ser adqiridas de maneira onerosa por aquelas pessoas com deficiência que podem e querem adquirir esses produtos como qualquer outro consumidor.
Contudo, caso essas obras precisem ser reproduzidas por alguma instituição voltada à assistência de pessoas com deficiência, sem fins lucrativos, ai sim estarão cobertas pela exceção à regra, estarão isentas de contribuição com os direitos autorais conforme disposto no Art. 46 citado anteriormente.
Alertamos que caso essas duas possibilidades, ou seja, a dos formatos acessíveis serem reconhecidos como produtos lucrativos (regra) e também como produtos sem fins lucrativos (exceção), para que o público com deficiência seja atendido tanto no seu percentual consumidor comum quanto no seu percentual carente, não forem contempladas na modernização da Lei, não estaremos atendendo plenamente a Convenção da Onu pelos Direitos das Pessoas com Deficiência.
Assim, deverá se entender, na moderna Lei de Direitos Autorais, que as pessoas com deficiência no Brasil não são em sua totalidade pessoas carentes, dignas apenas de tutela, caridade ou assistência social, o que infelizmente acontece na atual lei 9.610/98, mas que indivíduos com deficiência integram todas as classes sociais brasileiras, todos os setores econômicos e precisam ser reconhecidos como atores sociais, protagonistas de sua história e cidadãos plenos de direitos.
Seguem as propostas:
No Art. 5, propusemos a inserção de 4 Incisos novos:
Formatos acessíveis, que foi a definição articulada no GT do livro acessível e inserida na Minuta para Regulamentação da lei do Livro e que inclui também A definição de texto braile; Ajudas Técnicas; Desenho Universal, que é o mesmo conceito definido na Convenção da ONU; e Pessoas com deficiência ou limitação funcional, que também é o mesmo conceito definido na convenção da ONU.
No Art. 7 propusemos para o caput o reconhecimento dos formatos acessíveis, os atuais e os que vierem a ser produzidos. Propusemos também dentro do Inciso I do Art. 7 a extensão para os tipos de textos de obras que são os formatos acessíveis conhecidos hoje, abrindo o escopo para o desenho universal.
Primeira proposta:
Título I
Disposições Preliminares
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
(…)
XVII – Formatos Acessíveis – São o texto impresso em braile sobre papel por meio de pontos em alto relevo em conformidade com as normas definidas pela Comissão Brasileira do Braile – CBB; também o texto eletrônico digital, podendo ou não, a critério do autor ou editor, contar com proteções para prevenção da contrafação, conservando a mesma organização do livro convencional impresso, sendo seu acesso compatível com softwares leitores de tela, sintetizadores de voz e outras ajudas técnicas para uso do computador. Ainda os textos em áudio, textos ampliados ou a combinação de todos estes formatos;
XVIII – Desenho universal – Projeto de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem que seja necessário um projeto especializado ou ajustamento. O “desenho universal” não deverá excluir as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias.
XIX – Ajudas técnicas: Aquelas previstas na Lei 7.853, de 24 de Outubro de 1989, regulamentada pelo Decreto 3.298, de 20 de Dezembro de 1999, e na Lei 10.098, de 19 de Dezembro de 2000, regulamentada pelo Decreto 5.296, de 2 de Dezembro de 2004;
XX – Pessoa com deficiência ou limitação funcional –Aquela que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
Segunda proposta:
Título II
Das Obras Intelectuais
Capítulo I
Das Obras Protegidas
Art. 7o São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, inclusive os formatos acessíveis às pessoas com deficiência ou limitação funcional, conhecidos ou que se invente no futuro, tais como:
I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas, inclusive aqueles em formatos acessíveis e que permitam plena fruição da obra também às pessoas com deficiência ou limitações funcionais;
Atenciosamente,
MOLLA – Movimento pelo Livro e Leitura Acessíveis no Brasil
Fonte – Molla
O documento apresentado pelo MOLLA é claro e preciso ao expor o diagnóstico, a motivação, o atual prejuízo para todas as partes e ao prescrever os remédios. Trata-se de uma denúncia absolutamente plausível de correção sem que se apliquem medidas previstas no Protocolo Facultativo da CDPD. Não há discordância no que tange aos direitos iguais na legislação nacional, que se origina na CF 1988 e se complementa com a ratificação “constitucionalizadora” da CDPD em 2008. Desse modo, é possível que o País esteja em posição privilegiada para, ao modernizar as normas ou ao elaborá-las, contemplar os direitos das pessoas com deficiência sob o marco social, da eliminação de entraves construídos e da não-discriminação e, quando for o caso, dentro da lógica da economia de mercado. A equação simples entre direitos e deveres não estará equilibrada e, portanto, a realidade continuará injusta e injustificável, se as pessoas com deficiência se mantiverem como contribuintes frente à legislação fiscal sem disporem de produtos e serviços correspondentes que possam consumir. Para um conjunto crescente desse segmento de pessoas, já foram ultrapassadas as razões para medidas assistenciais. Tanto a educação especial inclusiva como a inserção no mercado de trabalho cumprem o papel de fomentar e dar condições de emancipação socioeconômica às pessoas com deficiência. É hora de garantir a cidadania nas medidas normativas, em sua efetivação e na fiscalização.
A modernização da lei de direitos autorais é a oportunidade de corrigir a distorção apontada na carta, ao focalizar o acesso à informação, à cultura e ao conhecimento. Haverá de ser uma decisão política fácil, de bom senso, pois cumprirá com as obrigações do Estado e com a parcela de responsabilidade da sociedade. Enfim, um jogo de soma zero (positivo), tão aguardado quanto a atuação das mulheres no primeiro escalão do governo.