Para tratar da política de educação profissional do Ministério da Educação, o Observatório da Educação entrevistou a professora Maria Ciavatta, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, RJ. A professora expôs opiniões acerca da relação entre educação propedêutica e profissional, de diferentes programas educacionais do governo federal e do Plano Nacional de Educação, dentre outros temas.
Observatório da Educação – Como a sra. avalia a política educacional do governo federal nos últimos anos no que se refere à educação profissional?
Maria Ciavatta – Considerando que os últimos anos se referem ao governo Lula, em meio a muitas contradições, alguns aspectos que podem resultar em benefício da educação dos trabalhadores podem ser destacados: primeiro, a revogação do decreto exarado no governo Fernando Henrique Cardoso que, contrariando a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), havia determinado a separação entre o ensino médio e a educação profissional. O Decreto n. 5.154 de 2004 manteve o ensino concomitante e o subsequente, mas reintroduziu a alternativa da formação integrada, em que os alunos voltaram a ter uma única matrícula na educação técnica de nível médio. Mas não houve coerência em investir seriamente na interpretação e na implementação da formação integrada entre as disciplinas gerais, de fundamentação científica (matemática, física, química, linguagens, história, geografia etc.) e a educação profissional (as disciplinas específicas de preparação para o trabalho). Só lentamente esse processo vai tomando forma pelo trabalho dos gestores e dos professores nos Institutos Federais (ex-Cefets).
Outro aspecto: o governo investiu muito na expansão da rede de escolas técnicas e no apoio aos estados para efetivar a ampliação da rede de escolas profissionais e tecnológicas. Segundo o noticiário do MEC, em 2009, o plano de expansão previa acrescentar 214 novas escolas federais às 140 existentes, e oferecer 500 mil vagas. Um terceiro aspecto seria tentar superar o tradicional ensino supletivo, em geral, de baixa qualidade, pelo PROEJA, um programa de educação de jovens e adultos que pretende a elevação de escolaridade de nível médio e está se realizando nos Institutos Federais, com todas as dificuldades inerentes a escolas que recebem, tradicionalmente, um alunado altamente selecionado pelo preparo acadêmico.
Observatório da Educação – A política avançou na superação da dicotomia entre educação propedêutica e profissional? As políticas apontam para a integração curricular dos ensinos médio e técnico?
Ciavatta – A dicotomia educação propedêutica e profissional tem uma base na divisão do trabalho e na sociedade de classes. A educação, por si mesma, não resolve o dualismo estrutural da sociedade brasileira. Considerando o governo anterior, avançou em termos da lei, como disse acima. E avança nas escolas, na medida em que elas fazem a opção pelo estudo e implementação da formação integrada, pelo currículo integrado, ampliando o leque de possibilidades de conhecimento para seus jovens alunos. Algumas escolas desenvolvem um notável esforço nesse sentido, o que significa democratizar o acesso dos mais pobres (tradicionalmente, destinados ao trabalho manual nas fábricas, nas oficinas) aos conhecimentos das ciências e das humanidades no ensino superior. As políticas apontam para a integração curricular, mas não a sociedade como um todo e, principalmente, os setores empresariais que pressionam apenas pelo ensino funcional ao trabalho produtivo.
Observatório da Educação – Os programas Escola de Fábrica, Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e Inclusão de Jovens (PROJOVEM) atuam nesse sentido ou são expressões da lógica de fragmentação do ensino?
Ciavatta – A fragmentação é própria da sociedade desigual que somos. O Programa Escola da Fábrica sim, porque é um programa operacional, voltado para o trabalho nas empresas e, inclusive porque foi criado, contraditoriamente, quando em direção oposta se abriu a perspectiva da formação integrada. O PROEJA, como disse acima, enquadra-se na política de oferecer formação integrada não apenas no ensino médio regular, mas também para jovens e adultos. O problema da fragmentação existe, mas sua base é mais ampla, é a ausência de uma política pública consistente de universalização do ensino médio público, gratuito, de qualidade, obrigatório para todos na idade prevista. Com isso, o nível educacional da população se elevaria, e a educação profissional poderia ser um acréscimo, uma opção para os que quisessem ou necessitassem ir para o mercado de trabalho, sem prejuízo de, em algum momento, poderem se inserir no ensino superior.
Observatório da Educação – Nesse contexto, como a sra. avalia o anunciado Pronatec?
Ciavatta – Tenho poucas informações sobre o Pronatec, apenas as oficiais, divulgadas pelo MEC. Mas, até entendo seu significado, ele caminha na direção oposta à universalização do ensino médio público, gratuito, de qualidade e obrigatório, e também em direção diversa à formação integrada. Isto porque ele reitera a privatização do ensino amplamente criticada pela ação do PROUNI e, segundo o site do MEC, visa “combater o desemprego e oferecer ao mercado mão de obra qualificada”. Estará reiterando o mito da empregabilidade, também criticado desde os tempos do governo FHC? Além disso, educar é uma ação de desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, preparar para o mercado é parte da formação. Não se pode tomar a parte pelo todo e achar que educar é a mesma coisa que preparar para a precarização do trabalho, para o subemprego, para a desregulamentação das relações de trabalho, para as condições de exploração do trabalho vigentes.
Observatório da Educação – E a partir de que concepções o ensino profissionalizante tem sido tratado nas discussões em torno do novo Plano Nacional de Educação?
Ciavatta – O Plano expressa a disputa de projetos existente na sociedade: a universalização ou não do ensino médio, a formação integrada ou a preparação imediata para o mercado de trabalho, o aumento substantivo dos recursos para a educação ou a manutenção de um sistema cheio de carências, com baixo nível de investimento. A depender de um Congresso conservador como temos, não podemos ter grandes expectativas, salvo se houver uma efetiva mobilização da sociedade civil organizada em favor das mudanças pleiteadas nos documentos que discutiram o PNE e propuseram outros encaminhamentos, a exemplo do CEDES (Unicamp) que realizou um seminário para discutir o PNE e apresentar propostas.
Observatório da Educação – O que deve ser feito, em termos de política educacional do governo federal, para promover a integração entre conhecimentos gerais e específicos nas políticas educacionais?
Ciavatta – Como respondi acima, é preciso investir seriamente na interpretação e na implementação da formação integrada entre as disciplinas gerais, de fundamentação científica (matemática, física, química, linguagens, história, geografia etc.) e a educação profissional (as disciplinas específicas de preparação para o trabalho). É preciso dar apoio e oportunidades aos professores para discutirem seu significado e sua implementação na prática das escolas, no currículo; dar condições materiais (laboratórios, oficinas, ateliês de arte etc.) às instituições; dar condições funcionais aos professores (tempo completo, carreira, salários, atualização); e investimentos governamentais para um projeto superior de educação do povo brasileiro. Não apenas em relação aos países ricos, mas também aos países latino-americanos, temos um século ou mais de atraso nas políticas públicas de educação básica.
Fonte: Observatório da Educação