Por Andrei Bastos *
As contradições da sociedade brasileira são incontáveis e, nas questões referentes às pessoas com deficiência, muitas chegam a ser paradoxais. É o que acontece, por exemplo, nas cotas no mercado de trabalho para este segmento, com uma lei de 20 anos regulamentada há doze, o que não é uma excepcionalidade em nosso processo legislativo.
Também não é um paradoxo sua defesa por quem propugna a autonomia dos deficientes, como eu. Na pior das hipóteses, este grupo entende essa ação afirmativa como um mal necessário diante do abandono a que sempre foi relegado o segmento, do berçário ao mercado de trabalho. A adúltera que é contra o adultério, neste caso, é a pessoa que não admite soluções alternativas diante da falta de qualificação profissional, que atinge toda a sociedade e não apenas às pessoas com deficiência, que ficam em desvantagem dupla.
Sem a preocupação de combater o preconceito, que é subjetivo e serve muitas vezes a discursos hipócritas, e metendo o dedo na ferida da discriminação, vamos cobrar da sociedade e das empresas o cumprimento da lei de cotas e a aplicação de soluções alternativas objetivas e comprometidas com uma inclusão real. E incluir de verdade significa empregar diretamente pessoas com deficiência, sem terceirização, promovendo, sempre que necessário, sua qualificação profissional dentro das empresas.
Outra medida absolutamente necessária é a ampliação da lei de cotas para as pequenas e médias empresas, que empregam em torno de 90% da mão de obra brasileira. É óbvio que apenas essa providência fará com que o número de aproximadamente 300 mil pessoas com deficiência empregadas seja rapidamente superado por larga margem.
Sem contar com bravatas, apelos vagos e assistencialismo, as pessoas com deficiência precisam tomar as rédeas desse processo e lutar por políticas públicas que efetivem seus direitos, não se deixando levar a combater os moinhos de vento do Estado, pois ele é reflexo de nossas contradições e paradoxos. Da mesma forma, embora saibamos que as empresas têm finalidade social e que o mercado é feito por nós e para nós, porque insistirmos em dar murros na ponta da faca do lucro, se cada vez mais o mundo demonstra a necessidade de desenvolvimento sustentável financeira, ambiental e socialmente? Não precisamos ferir as mãos, pois logo a responsabilidade social terá o mesmo peso que a ambiental, apesar do descaso dos nossos capitalistas, que só demonstram tais preocupações quando operam no exterior, e onde isso é cobrado, literalmente “para inglês ver”.
O não cumprimento de leis em geral também caracteriza nossa sociedade desqualificada profissional e eticamente, do desrespeito a vagas reservadas ao desvio do dinheiro público que poderia qualificar toda a mão de obra brasileira e não apenas as pessoas com deficiência. No nosso caso, para combater essa tradição perversa de leis que não “pegam” e defendendo sem concessões que “nada sobre nós, sem nós”, o que precisamos é fazer a lei de cotas “pegar”, mesmo que seja no tranco da qualificação dentro das empresas.
* ANDREI BASTOS é jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.
Fonte: O Globo, Opinião, 29/07/2011: