Histórias de professores de línguas e experiências com racismo

Ao fundo peças brancas de jogo de xadrez, em primeiro plano, um peão preto.

Histórias de professores de línguas e experiências com racismo: uma reflexão para a formação de professores, por Aparecida de Jesus Ferreira. Especulo, Revista de Estudios Literarios. Universidad Complutense de Madrid, n. 42, jul./set. 2009

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RESUMO/ABSTRACT

O presente artigo reflete sobre o discurso que considera que não há racismo no Brasil, ou sobre o discurso de que vivemos em um país em que há uma democracia racial, discursos que vêm sendo desconstruídos continuamente através de pesquisas. No artigo, discuto questões acerca de como alguns professores negros e brancos passaram por experiências relacionadas às questões de raça/etnia. Dessa forma, o artigo tem como objetivo demonstrar que há uma necessidade latente de estarmos discutindo sobre comportamentos racistas na nossa sociedade. E, para fazer esta discussão, os pressupostos teóricos utilizados são advindos da Teoria Racial Crítica (Critical Race Theory – CRT), que será a base para análise dos dados (LADSON-BILLINGS, 1998, 1999, LADSON-BILLINGS & TATE, 1995). A metodologia utilizada para a coleta de dados foi a de entrevistas com professores de línguas consideradas como narrativas (CLANDININ & CONNELLY, 1998). Os resultados da pesquisa demonstraram que as experiências racistas permeiam as escolas de uma forma implícita e explícita e, por essa razão, precisam ser desafiadas. A conclusão a que se chega através das narrativas das professoras é a de que, se as escolas (professores, equipe de ensino) não estiverem preparadas adequadamente, então, ao invés de desconstruírem as atitudes racistas, acabam por reforçá-las.

Palabras-clave: Narrativas/história, Racismo, Formação de professores, Identidade

Abstract: This article reflects on the discourse that considers that there is no racism in Brazil, or the discourse that we live in a country where there is a racial democracy; discourses that are being deconstructed continuously through research. In the article, I discuss how some black and white teachers went through experiences related to the issues of race/ethnicity. In this way the article aims to demonstrate that there is an emergent need to talk about racist behaviour in our society. The theoretical framework that is used to discuss this issue is derived from Critical Race Theory – CRT, which is also the basis for the data analysis (LADSON-BILLINGS, 1998, 1999, LADSON-BILLINGS & TATE, 1995). The methodology used was interviews with language teachers considered as narratives (CLANDININ & CONNELLY, 1998). The results showed that experiences of racism permeate schools in an implicit and explicit way and therefore need to be challenged. The conclusion reached through the teachers’ narratives is that if schools (teachers/team teaching) are not adequately prepared then racist attitudes will ultimately be reinforced rather than deconstructed.

Key-words: Narratives/history, Racism, Teacher education, Identity

Introdução

O presente artigo traz várias histórias de experiências vividas de professores de línguas com relação à questão raça/etnia. A história de cada professor com as experiências com racismo é importante para entendermos o quanto a questão da raça/etnia faz parte de nosso cotidiano e como se relaciona com as identidades dos professores e que podem ter desdobramentos em sala de aula, por conta das experiências vividas. Antes de iniciar a contação de histórias, vou explicar algumas das denominações que utilizarei, como, por exemplo, “racismo”, “preconceito” e “discriminação”.

De acordo com Giddens (1989), “preconceito refere-se a atitudes ou opiniões detidos por um grupo sobre outro […]. Preconceito envolve exploração de opiniões preconcebidas sobre um indivíduo ou grupo” (p. 247). Giddens (1989) afirma que: “A discriminação refere-se a atividades que servem para desqualificar os membros de um agrupamento de oportunidades abertas para outros” (p. 247). Em outras palavras, a discriminação é o “comportamento real frente a eles” (p. 247).

Se, no entanto, considerarmos o ponto de vista de Gillborn, o racismo é muito mais forte do que simplesmente preconceito ou discriminação:

[…] “preconceito” e “discriminação” são definidos em termos de uma reação à diferença, enquanto o racismo, como uma característica persistente que reflete e recria a desigual distribuição de poder na sociedade. (Gillborn, 1995, p 136).

A palavra “racismo” traria um conceito muito mais poderoso, se considerada a perspectiva de Gillborn. A palavra racismo teria, então, outras implicações que não seja apenas preconceito ou discriminação. É o poder que o racismo tem de excluir as pessoas que é significativo, incluindo o racismo institucional.

O significado dos conceitos discutidos neste artigo é crucial para o entendimento do que será abordado a seguir. Se a questão de raça/etnia é para ser discutida, então, por definição, que a discussão deva incluir uma análise da “raça”. É essencial que todos os termos escolhidos sejam claramente identificados e esclarecidos, para assegurar uma discussão pertinente. Concordo que a questão da raça/etnia é muito sensível, no entanto o conceito de “raça” que utilizo no presente artigo se relaciona à construção social, cultural e histórica do termo “raça” e, por esta razão, o utilizo. O termo “etnia” se refere aos aspectos culturais adquiridos por pessoas que dividem as mesmas identidades do ponto de vista de linguístico, religioso e ou histórico. O argumento principal deste artigo é o de que as experiências que os professores tiveram ao longo das suas vidas podem tanto colaborar para a compreensão das questões sobre raça/etnia em sala de aula, quanto podem reforçar experiências de preconceito, dependendo da experiência vivida e do preparo do professor para tratar das questões. Sendo assim, é importante considerar a citação de Apple (1999, p. 9), que menciona “somente percebendo raça é que podemos desafiá-la.”

Em primeiro lugar apresento o contexto da pesquisa. Em segundo lugar, apresento as histórias vividas pelos professores negros e os temas relacionados com as experiências dos professores. Em terceiro lugar, apresento as histórias vividas pelos professores brancos e os temas relacionados com as experiências dos professores. Em quarto lugar, trago considerações acerca de como as vozes de professores negros e brancos diferem e, finalmente, apresento as considerações finais.

Contexto e referencial para análise das histórias

As narrativas foram coletadas em um Curso de Formação de Professores de Línguas e Diversidade Étnico-Racial. As narrativas dos professores têm o objetivo de mostrar como as histórias trazidas pelos professores têm relação com o cotidiano escolar, bem como mostram também as identidades sociais dos professores no que diz respeito à questão racial e étnica. As narrativas dos professores perpassam as experiências vividas em sala de aula, no ambiente familiar e no ambiente social. Foram seis professores de escolas públicas que colaboraram na pesquisa através de entrevistas. Os participantes são três professores negros e três professores brancos. Por uma questão de ética, os nomes dos professores apresentados neste artigo são fictícios.

As histórias trazidas no presente artigo são importantes para entender a necessidade do preparo dos professores de línguas para trabalhar as questões étnico-raciais, não somente em sala de aula, mas também em todo o ambiente escolar.

Vários têm sido os exemplos de pesquisas feitas recentemente em vários países (CLANDININ; CONNELLY, 1998; DENZIN; LINCOLN, 1998, ERBEN, 1998; ROBERTS, 2002; VAN DIJK, 1993) e no Brasil (TELLES, 2002), que demonstram a importância das pesquisas narrativas, biográficas/autobiográficas no campo educacional. Clandinin & Connelly (1998) mencionam que, “[…] na construção das narrativas de experiências, há um relação reflexiva entre viver uma história de vida, contar uma história de vida, recontar uma história de vida e reviver uma história de vida” (p. 160). Por conta disto, nós, pesquisadores, estamos sempre engajados em viver, contar, reviver e recontar nossas próprias, como também recontamos as histórias escutadas, transformando-as em narrativas, para recontar e para dar significado ao que nos foi contado nas pesquisas e assim tentando narrar o significado que o evento teve para o participante (CLANDININ & CONNELLY, 1998).

Ainda Clandinin & Connelly (1998) mencionam que a narrativa é vista como um espaço tridimensional. Nesse espaço tridimensional, em primeiro lugar vem a dimensão da “temporalidade”, ou seja, as coordenadas de passado, presente e futuro. Em segundo lugar vêm as interações “pessoais e sociais”. E, em terceiro lugar, é considerado o “lugar” (situação/posição), o local/situação em que acontece a situação a ser narrada. Foi pensando nesta perspectiva que decidi contar as historias através dessas narrativas dos professores. Essas narrativas, descritas e analisadas na próxima seção, mostram as experiências vividas pelos professores com relação às questões raciais e étnicas.

Para a análise dos dados estarei utilizando a Teoria Racial Crítica (Critical Race Theory – CRT) como referencial de análise das histórias narradas pelas professoras. Assim, é importante entender o que a Teoria Racial Crítica entende por histórias. De acordo com a Teoria Racial Crítica, contar histórias pode ser entendido nos termos das citações abaixo:

Um dos princípios da teoria racial crítica é que as narrativas e histórias das pessoas são importantes para entender verdadeiramente suas experiências e como estas experiências podem confirmar ou contra-afirmar o modo de como a sociedade funciona. (LADSON-BILLINGS, 1999, p. 219).

As histórias de que nós falamos, sobre raça e racismo, utilizam e refletem o que é construído culturalmente e historicamente, temas estes que reconstroem, freqüentemente inconscientemente, em indivíduos lembranças individuais. (BELL, 2003, p. 4).

As histórias (experiências de vida) coletadas das professoras, histórias que foram transformadas em narrativas neste artigo, serão analisadas dentro de uma perspectiva racial e étnica. Van Dijk (1993), pesquisador da área de análise de discurso, colabora com esta discussão no momento em que ele afirma que:

Se o racismo é reproduzido através do discurso e comunicação, nós podemos esperar também que seja o caso das histórias e o contar histórias nas conversas diárias, conversas institucionais, e nas narrativas de novelas, filmes, como as estórias contadas pelos meios de comunicação em forma de notícia. (p. 123).

Considerando as questões apontadas acima sobre histórias de vida, passo agora para os professores e suas histórias transformadas em narrativas.

História dos professores negros

[…] a voz das pessoas de cor é exigida para uma profunda compreensão do sistema educacional. (Ladson-Billings, 1998, p. 14).

As pessoas de cor mais freqüentemente entendem sua experiência através de uma consciência de discriminação passada e contínua que afeta todo aspecto de suas vidas nesta sociedade. As pessoas vêem a história se repetindo continuamente através da oscilação de ciclos de progresso e retirada em assuntos raciais. (BELL, 2003, p. 4).

Ao ensinar sobre o assunto de raça/etnia em uma sala de aula diversa e multiétnica, isto pode trazer algum sentimento escondido e sutil para fora. Isto exigirá que os professores tenham uma compreensão sofisticada do assunto para possibilitar que eles possam lidar com qualquer assunto que possa vir à tona nas discussões sobre essa temática.

Xingamentos

O exemplo fornecido por Cármen descreve como ela, quando era uma estudante, enfrentou racismo dentro da sala de aula:

“Eu tinha horror ao dia 13 de maio[2], porque eu sabia que os professores falariam sobre mim. Os professores costumavam dizer: ‘Os negros não são bonitos, mas isto não é o caso da Cármen. A Cármen só tem alguns aspectos das pessoas pretas’. Cármen reflete dizendo que os professores pensavam que eles estavam me dando elogios.” (Cármen, professora negra)

Parece que a experiência da Cármen como estudante é semelhante ao que Cashmore (1984, p. 145) refere como sendo a “operação anônima de discriminação”. Embora parecesse que a professora da Cármen a estivesse elogiando, Cármen mostra que ela estava ciente de que estava demonstrando um comportamento racista. O exemplo de Cármen pode também ser chamado de xingamento e de insulto racial. Guimarães (2003), em sua pesquisa intitulada “Insulto Racial no Brasil”, identificou vários modos que brasileiros costumam usar para insultar uma pessoa negra. Seus dados foram coletados nos registros policiais em que as pessoas negras eram denunciantes. Guimarães declara que os insultos raciais usados para as pessoas negras eram planejados para institucionalizar a inferioridade racial. Para ele:

A atribuição de inferioridade consiste em justaposição de uma marca com a cor, como também relação de qualidades ou propriedades negativas e com relação à constituição física, moral, organização social, hábitos de higiene, e humanidade, para certo grupo de pessoas consideradas “negras” ou “pretas”‘. (GUIMARÃES, 2003, p. 148).

O exemplo de Cármen demonstra claramente as atitudes racistas que ocorrem publicamente. O racismo explícito é facilmente identificado porque a pessoa que perpetra o ato faz isto claramente visível (ver TROYNA & HATCHER, 1992; CONNOLLY, 1998).

Um exemplo semelhante foi encontrado na pesquisa feita por Pole (2001, ver também GOMES, 2003), em que ele investigou “professores negros: currículo e carreira”. Em seu estudo, ele apresenta a história de vida de uma professora negra chamada Carol. Ela recorda uma experiência que ela teve em sua sala de aula de Geografia:

Tinha uma unidade em que nós estávamos discutindo sobre o tráfico escravo, o triângulo de escravo, eu estava sentando atrás na sala de aula porque eu não tinha a minha caneta de cartografia ou algo que eu tinha esquecido. Eu pensei que a minha professora tivesse me olhado por causa disso, mas ela pediu a mim que levantasse e eu pensei: “Bem que eu vou ter que admitir que eu não trouxe a minha caneta de cartografia novamente”. E ela disse: “Nós temos um grande exemplo de alguém nesta sala de aula que devia saber muito sobre este assunto, porque nós estávamos discutindo sobre o tráfico de escravos”. E então ela escreveu meu nome em letras maiúsculas em todo o quadro e então sublinhou, e continuou me perguntando de onde meu nome se originou […]. Então, de qualquer maneira, a aula ficou pior e pior e mais dolorosa com a professora desenhando o triângulo e exibindo como meus antepassados teriam sido tirados da África para o Caribe […]. (POLE, 2001, p. 355).

Embora este exemplo de pesquisa tenha acontecido no Reino Unido, pode ser visto como uma replicação do que aconteceu com Cármen. O exemplo mostra que os dois professores ainda se lembram, anos mais tarde do acontecido, da experiência dolorosa do tempo de estudantes. O que aconteceu com ambos os professores parece estar de acordo com a afirmação de Gillborn: “A educação pode ser uma força para liberação e anti-racismo; mas, muito freqüentemente, o próprio sistema de ensino adiciona para os problemas já existentes” (GILLBORN, 2002, p. 1).

Os exemplos citados questionam também assuntos relacionados à sensibilidade do tema da preparação dos professores para lidar com assuntos como raça/etnia.

Embranquecimento

Elisa fornece um exemplo de sua própria experiência de ensinar o assunto de raça/etnia:

“Eu ensinei o assunto de raça/etnia em vários momentos principalmente sobre cor de pele. Os estudantes fizeram muitas piadas (xingamentos), mas finalmente eles entenderam. Nós estudamos nossa árvore familiar e nós descobrimos que os estudantes não eram totalmente brancos (risos).” (Elisa, professora negra)

O ponto que Elisa levanta aqui é importante porque ela toca no assunto de cor de pele, e como a cor de pele pode trazer com ela privilégios no convívio social e esses privilégios estão ligados ao processo de “embranquecimento”. O riso da Elisa na transcrição acima indica reflexão sobre o processo de embranquecimento, porém existe uma necessidade para entender como esse processo pode trazer vantagens para alguns estudantes. Hooks (1984) destaca a experiência vivida no momento em que estava falando em sala de aula sobre “raça”:

Uma mulher jovem descendente de Mexicanos que podia passar por branca era uma das estudantes da sala de aula. Nós tivemos uma discussão que ficou mais fervorosa quando eu demonstrei a ela que a possibilidade de passar por branca deu a ela uma perspectiva de raça totalmente diferente daquela de outras pessoas que têm a pele mais escura. Eu assinalei que qualquer pessoa que a encontrasse sem saber da suas raízes étnicas provavelmente assumiria que ela é branca e se relacionará com ela conseqüentemente como uma branca. (HOOKS, 1984, p. 66).

O elencado acima pode ser comparado ao processo de “embranquecimento” que existe no Brasil. Na pesquisa de Gomes (1995), intitulada “A Mulher Negra que Vi de Perto: o processo de construção de identidade racial de professores negros”, ela assinala que as crianças mestiças [crianças de casamento inter-racial] estão sempre em um constante conflito. O fato de uma criança ser de um casamento inter-racial pode trazer vantagens sociais para uma pessoa que “podia passar por branco” para que assim pudesse ser aceita socialmente. Esta é uma estratégia usada por mestiços para se aproximarem da origem branca e evitar que sua etnia seja associada a sua origem negra e ou indígena (GOMES, 1995, p. 80). O assunto sobre embranquecimento demonstra a importância de discutir assuntos como identidade e pertencimento com estudantes e professores. Esta discussão pode trazer uma consciência de identificação com o grupo étnico a que a pessoa pertence. Esta questão sobre pertencimento racial nos mostra que há problemas com relação à forma como é feita a classificação de pertencimento no Brasil. No Brasil, quando alguém tem que se classificar com relação a seu grupo étnico, está fazendo uma relação com a cor de pele e não com seu grupo étnico.

A questão de xingamentos e de piadas racistas que Elisa descreve no extrato acima também se repete no extrato de Daniel, abaixo:

“Em relação à raça/etnia, o que eu posso dizer é que eu ensino o assunto de uma forma implícita, […]. Na realidade, nós temos estudantes que vêm de uma sociedade preconceituosa. Eu ensinei um pouco, mas eu não pude ver resultados […]. Na questão de raça/etnia, o que acontece algumas vezes é relacionado com o comportamento dos alunos com racismo e o problema origina na família. Desta forma, há alguém que xinga (provoca), e alguém que é sempre perseguido. Eu acho que os alunos negros aceitam muito os xingamentos na sala de aula. Estudantes tratam tudo como brincadeira. Eles não vêem que aquela brincadeira pode estar errada. Alguém pode ser ofendido até um determinado momento, ou eles não mostram que estão ofendidos. Eu pessoalmente também tive este problema na sala de aula e fora da sala de aula.” (Daniel, professor negro)

Os comentários de Daniel mostram que é possível ajudar os alunos no sentido de explorar assuntos acerca de raça/etnia. Na opinião de Daniel, professores poderiam falar de assuntos de racismo no ambiente escolar e ele acredita que os comportamentos que os alunos adquirem podem ter origem no ambiente familiar, comportamentos que então podem ser trazidos para a escola. Na visão dele, a sociedade é preconceituosa, e os professores, mesmo focando seu trabalho em sala de aula com o tema raça/etnia, ainda não atingem nenhuma forma de aprimoramento nesse contexto. Há provocações de xingamento e insultos raciais na sala de aula no que se refere à cor da pele, e ainda há uma aceitabilidade dos alunos negros em serem provocados. Os comentários de Daniel parecem sugerir uma reflexão sobre o papel da escola em discutir assuntos relacionados à raça/etnia. De acordo com Nascimento (2001, p. 119), as crianças negras do Brasil são encorajadas por pais e professores a não reagir quando são agredidas com apelidos racistas e xingamentos. O encorajamento a atitudes racistas acontece porque crianças que têm tal atitude não são punidas e suas atitudes agressivas são, frequentemente, vistas como “brincadeiras”. Connolly & Keenan (2002), que pesquisam sobre questões raciais no contexto do Reino Unido, afirmam que “[…] certos comportamentos podem simplesmente ser sem propósito ou mesmo motivados por boas intenções. Entretanto, seus efeitos podem ainda levar aqueles que são afetados a sentirem-se vulneráveis e expostos, e ainda perseguidos” (p, 346). Daniel também aponta que as famílias dos estudantes são responsáveis, em alguns casos, pelas atitudes racistas dos alunos. Tatum (1994), em seu estudo “Ensinando Alunos Brancos sobre Racismo”, aponta que “Muitos alunos brancos tiveram a experiência que mais influenciou o modelo de adultos, seus pais, como sendo o exemplo de expressão de preconceito racial declarado.”

Daniel também indica que teve o mesmo problema de estudantes fazendo brincadeiras racistas com ele. Jones et alii (1997, p. 142) perceberam que os professores em formação têm que aceitar o que ocorre no ambiente escolar mesmo quando eles se sentem desconfortáveis, pois “[…] para professores negros em formação a situação pode estar vinculado à questão de raça” (Jones et alii, 1997, p. 143). Isto significa ter que adotar estratégias para enfrentar a situação ao invés de tentar mudá-la. Apesar de o exemplo ser de uma pesquisa na Inglaterra em um curso de formação de professores, este exemplo pode refletir a realidade de professores negros em exercício no Brasil. No comentário de Daniel, é possível perceber indicações de que talvez o comportamento citado seja aceito como “natural” e que ninguém deve escutar sua visão de desconforto ou daqueles alunos das escolas no Brasil. Davis (2000) também confirma que brincadeiras e mau tratamento em relação à raça/etnia são vistos como naturais na sociedade brasileira (p. 99).

O exemplo de Daniel demonstra atitudes racistas declaradas. Racismo declarado é facilmente identificado porque a pessoa que o faz, faz isto visivelmente (ver Troyna & Hatcher, 1992; Connolly, 1998; Connolly & Keenan, 2002). Na próxima seção apresento exemplos de experiências de professores brancos.

Histórias dos professores brancos

[…] a maioria de brancos não vê raça ou racismo como uma preocupação e a maioria das pessoas de cor asseguram uma visão adversária. (Johnson-Bailey, 2001, p. 91)

Nomenclatura

Existe uma variação nas respostas das professoras negras e brancas que entrevistei. No extrato abaixo, Bárbara descreve o que aconteceu em sua própria sala de aula durante o período em que ela estava ensinando uma lição. A professora mostra para os demais alunos como as palavras “nego” e “negro”‘ podem ser endereçadas a uma pessoa negra. No Brasil, pessoas usam, frequentemente, as palavras “negro” ou “preto” para descrever pessoas afro-descendentes. As pessoas que pertencem ao movimento negro, e aqueles que estão cientes da nomenclatura, preferem ser chamadas de “negro” e, nos últimos anos, existe uma forte propensão do uso do termo “‘afro-brasileiro e/ou afro-descendente”, porque o termo se relaciona à ascendência africana e não à cor de pele. Ocorre, no entanto, que a maioria da população brasileira usa as palavras “negro” e “preto” indistintamente.

Embora as palavras “nego” e “negro” possam ser consideradas com o mesmo significado para identificar uma pessoa afro-brasileira, “nego” é utilizado como uma forma mal pronunciada ou mal escrita e quer dizer “negro”. Ainda algumas pessoas usam como um apelido afetivo para aqueles de que gostam no contexto brasileiro. O outro modo de usar “nego” é, como a professora sugere, fazendo associações com ênfases negativas. A palavra é, frequentemente, usada com este significado no Brasil:

“Uma vez, na sala de aula nós estávamos discutindo um texto em português em que o texto se referiu a algo para relacionar a ‘negros ‘ como sujos. Um estudante preto perguntou para mim se eu estava falando alguma coisa ruim sobre ele. Mas eu não entendi por que ele disse isto. Então eu expliquei para ele sobre ‘nego’ e ‘negro’, disse que ‘nego’ é ‘pejorativo’ e qualquer pessoa pode ser. Mas ‘negro’ é uma ‘raça’.” (Bárbara, professora branca)

Embora Bárbara pudesse não estar com intenção de ter comportamento racista, isto ilustra claramente que as suas “construções de raça estão submergidas e escondidas” (Ladson-Billings, 1998, p. 9). O exemplo da Bárbara mostra também como o que é dito em sala de aula pode empreender outra dimensão, “[…] dinâmica racial pode operar de um modo sutil e poderoso até mesmo quando não estiver sendo feito de forma proposital na mente das pessoas envolvidas” (Apple, 1999, p. 10).

Por exemplo, na sociedade brasileira existem alguns provérbios que refletem visões das pessoas sobre as pessoas negras, como, por exemplo, “Se um negro não fizer algo errado na entrada, fará na saída”; “Um bom negro nasce morto”; “negro de alma branca” (GOMES, 1995). A ênfase na cor “negra, preta” está, frequentemente, associada com aspectos pejorativos e negativos que demonstram como a negritude é construída. Os comentários da Bárbara podiam ser vistos como um exemplo do modo como o racismo pode operar, e o poder que escolas têm de excluir e de serem violentas para com as pessoas negras (ROMÃO, 2001, p. 166). Embora o exemplo dado por Bárbara tenha acontecido em uma escola durante o tempo de sua aula quando ela estava ensinando para uns 35 estudantes, ela provavelmente não consideraria seu comportamento como sendo racista. Este exemplo mostra também como o racismo pode ser poderoso porque ele comunica aos alunos negros que eles não têm uma posição privilegiada no ambiente da escola, nem na sociedade como um todo. Comunica também que os alunos não negros podem usar a mesma estratégia da professora contra os alunos negros. Esta atitude reforça o fato de que os estudantes não negros sabem, onde e quando quer que estejam, quem é que terá os privilégios, por exemplo, na escola, em suas vidas profissionais, em qualquer lugar, em qualquer situação. Ladson-Billings (1999, p. 225) declara que:

A maioria dos professores não são racistas no sentido de que eles discriminam e oprimem as pessoas de cor. Ao contrário, o tipo de racismo que os estudantes encontram nos professores está mais relacionado ao que Wellman’s (1977) define de racismo como “crenças culturalmente sancionadas que, independente das intenções envolvidas, defendem as vantagens que os brancos têm por causa das posições subordinadas das minorias raciais” (xviii). (p. 225).

A experiência que Bárbara traz se relaciona a de um professor que está na posição de autoridade e que usa seu poder como professor, enfatizando o preconceito e o racismo em seu próprio lugar de trabalho (escola). Por um lado, parece que ela não estava ciente de estar sendo racista, no entanto, por outro lado, o exemplo que ela forneceu reflete claramente o modo como racismo e preconceito podem operar. A professora Bárbara viu a atitude dela como perfeitamente natural, utilizando a expressão “nego” de uma forma pejorativa na frente de uma sala de aula com uns 35 estudantes. Outro aspecto para se considerar é que, durante minha entrevista, ela não refletiu criticamente sobre o que disse em sala de aula.

Família e preconceito

A narrativa que segue, de Ame, deixou claro que o ambiente familiar pode gerar o preconceito:

“Eu venho de uma família muito preconceituosa, minhas avós vêm da Suíça. Sim, minhas avós vêm diretamente da Suíça. […] Um filho que se casou com alguém que era um pouco moreninha teve que sair de casa. Existiam tias que ficaram grávidas e não puderam ter o bebê porque o homem, o pai do bebê, era moreno. Existiam situações horríveis que aconteceram quando eu era ainda uma criança. Eu não estava ciente do que era certo ou errado. Eu aprendi sobre o preconceito sozinha quando eu cresci. Quando eu me tornei uma adulta eu pude notar a diferença, e percebi que não era correta a postura dos meus avós.” (Ame, professora branca)

A experiência de Ame parece reforçar a ideia de que a construção de racismo e de preconceito começou também bem antes de ela ir para escola como aluna, ou mesmo, do processo de ser educada para ser uma professora. Conceitos dos professores sobre o assunto de raça/etnia podem ser trazidos para o ambiente profissional, como discutido por Gomes & Silva (2002, p. 16). Troyna & Hatcher (1992, p. 131) afirmam que “ambos, racismo e sentimentos anti-racistas, derivem de várias fontes de experiência como: da família, na televisão e nas comunidades locais”. No caso dos pais de Ame, parece evidente que sua família estava preocupada em como manter a família branca. Tatum (1994), no seu estudo sobre “ensinando estudantes brancos sobre racismo”, assinala que “Muitos estudantes brancos confirmam que experienciaram como modelos mais influentes, seus pais, como tendo sido a fonte expressa de preconceito racial” (p. 465).

Evitar falar sobre o assunto

Quando Fábia recontou a sua experiência como professora, ela deu exemplos de pessoas que têm preconceito racial:

“Na realidade, as pessoas ainda têm preconceito, mas elas não admitem isso. É difícil admitir. Portanto, elas têm medo […] e falam superficialmente sobre o assunto raça/etnia, sem grande interação, que é o que deve acontecer.” (Fábia, professora branca)

Embora Fábia afirme que a questão deve ser discutida, ela reconhece que não se fala com profundidade sobre a questão. De acordo com Fábia, as pessoas preferem adotar uma estratégia de não encarar o problema, ou seja, de não interagir ou falar sobre o assunto. A estratégia de não encarar a questão tem outros desdobramentos, pois parece que os professores deixam de compreender como a ideia de racismo é construída e quem se beneficia com o racismo.

Vozes dos professores negros e brancos: como elas diferem

Nesta seção, usando as ideias sugeridas por estudiosos da Teoria Racial Crítica, farei uma tentativa de refletir sobre as vozes de professores negros e brancos e como elas tendem a diferir. Espero que, usando as ideias da Teoria Racial Crítica, possa ser possível chegar a uma melhor compreensão da interseção entre raça/etnia e cursos de formação de professores. Usarei exemplos dos comentários que os professores fizeram na seção anterior.

As experiências de Cármen, Daniel e Elisa (que se autoidentificaram como negros) e suas histórias propiciaram formas de entender como esses professores negros tendem a enfrentar o racismo em suas vidas (profissional, nas escolas, e em suas vidas diárias). Ficou evidente que suas experiências propiciaram formas de eles mesmos compreenderem que pertencem a grupos que sofrem preconceito racial e eles podem “internalizar as imagens estereotipadas” que ficaram evidentes nas narrativas. Suas falas também demonstraram algumas formas como o racismo é construído. Isto fica evidente pela maneira como esses professores (Daniel, Elisa e Cármen) usam suas histórias para descrever suas experiências com o racismo. As experiências dos professores negros também parecem ser diferentes das experiências dos professores brancos porque eles experienciaram as questões de raça e racismo diferentemente. As experiências diferem porque os professores veem o mundo através das experiências que eles tiveram, experiências que são definidas de acordo com sua própria etnia, algo que os professores brancos tendem a não experienciar.

Finalmente, as experiências propiciadas pelas professoras Bárbara, Ame e Fábia (que se autodefiniram como brancas) parecem confirmar que “A maioria da opressão parece não ser opressão por aquele que propicia” (Ladson-Billings & Tate, 1995, p. 57, citando Delgado, 1989). Apesar de me referir aqui a professores brancos, eles não têm todos a mesma posição. Fábia, por exemplo, reconheceu que “as pessoas ainda têm preconceito, mas elas não admitem isto”. Entretanto, as falas de todas as professoras brancas a que eu me referi tendem a não refletir a forma como a opressão branca pode afetar a vida dos não brancos.

Os exemplos propiciados acima reforçam algumas das principais questões contidas na Teoria Racial Crítica. De acordo com Lynn (1999, p. 615, ver também, FERREIRA, 2004; 2008), estas questões são: de natureza endêmica do racismo (exemplo: racismo no ambiente escolar, social e familiar) e a importância da identidade cultural (exemplo: o processo de branqueamento, xingamentos). Na próxima seção discutirei a questão da branquidão referindo-me às falas das professoras.

A questão da branquidão

A história da diversidade das pessoas no mundo em geral bem como os grupos minoritários na sociedade do oeste em particular, freqüentemente tem sido contada pela perspectiva historiográfica dos brancos. Estes relatos apagam os valores, conhecimentos e o sistema de crenças que fundamenta as práticas culturais da diversidade das pessoas. (Kincheloe & Steinberg, 1997, p. 211).

No livro “A Experiência da Branquitude diante de Conflitos Raciais: estudos de realidades brasileiras e estadunidenses”, Rossato & Gesser (2001) explicam como eles experienciaram a branquitude. Rossato, que é brasileiro (ele morou entre italianos, alemães e poloneses em Santa Catarina, Sul do Brasil), expressa a forma como a branquidão era parte integrante de sua vida. Ele reconta a história que aconteceu com ele durante o tempo em que ele estava estudando como graduando. Um amigo afro-brasileiro algumas vezes costumava contar a ele sobre as experiências com o racismo que ele tinha na universidade onde os dois estudavam. De acordo com Rossato, ele tinha dificuldade em acreditar nas experiências do seu amigo e dizia para ele que talvez tivesse acontecido algum tipo de mal-entendido. Em sua reflexão sobre esses eventos, Rossato atribuía sua limitação de compreensão a sua formação hegemônica, que era influenciada pela branquitude. Ladson-Billings (1999, p. 16) reconta a seguinte história:

Uma mulher branca dividiu uma experiência pessoal de ir ao supermercado na vizinhança onde morava, e quando chegou ao caixa, e descobriu que não tinha levando com ela o seu talão de cheques. A caixa disse para ela que ela podia levar as mercadorias e trazer o cheque mais tarde. Quando ela contou esta história para um amigo homem afro-estadunidense, ele disse que era um exemplo de privilégio que ela podia desfrutar porque ela era branca. Sua propriedade branca era garantia subsidiária para o carrinho cheio de mercadorias. Ela insistiu que aquele supermercado era uma loja que tinha boa política de vizinhança, e a mesma coisa teria acontecido com ele. Determinado a mostrar a sua amiga que suas experiências de vidas eram qualitativamente diferentes, o jovem homem foi ao mesmo supermercado dias depois e fingiu que deixou o seu cheque em casa. A amiga dele estava em pé do lado de fora observando a interação. O mesmo caixa, que tinha atendido a amiga dele, disse para o jovem afro-estadunidense que ele poderia deixar os itens que ele comprou do lado do caixa enquanto ele fosse buscar o seu talão de cheques. A mulher branca ficou chocada enquanto o homem afro-estadunidense olhou para ela com um olhar de EU NÃO DISSE!! (Ladson-Billings, 1998, p. 16).

Os dois exemplos mostrados por Rossato & Gesser (2001) e Ladson-Billings (1998) relatam o privilégio de ser branco e apresentam a ideia de branquidão. De acordo com Ladson-Billings & Tate (1995, p. 59), a ideia de branquidão é que, sendo branco, isso, por si só, pode ser visto como tendo propriedade intelectual. Ladson-Billings & Tate (1995, p. 59-60) também descrevem a forma como brancos podem ser vistos como tendo propriedade intelectual e como isto pode ser usado no sistema educacional.

As experiências e narrativas ou as histórias contadas por professores brancos também podem explicar como eles geralmente tendem a não entender seu próprio privilégio de serem brancos e a posição privilegiada de seus alunos brancos em sala de aula. Neste artigo, isto pode ser demonstrado na narrativa de Fábia, quando ela afirma que “as pessoas falam superficialmente sobre o assunto”. Isto pode também evidenciar os estereótipos construídos pelos pais de Ame e a atitude de Bárbara com a palavra “nego”. Os comentários de Bárbara se relacionam com o que Ladson-Billings chama de negritude. Na visão de Ladson-Billings (1998), nós moramos em uma “sociedade racializada onde a branquitude é posicionada como normativa” (p. 9).

O que seria necessário para todos os professores desenvolverem uma compreensão mais sofisticada sobre raça/etnia?

[…] branquidão, é historicamente fraturado em sua compreensão da formação racial. Para “ver” a formação por inteiro, brancos têm que mobilizar a perspectiva que começa com o privilégio racial como unidade central de análise. Desde que começando por este ponto, significaria engajar brancos na compreensão histórica profunda de “como eles vieram a ser” a posição de poder. A maioria dos brancos resiste a tal compreensão e, ao invés, focalizam no mérito individual, excepcionalismo, ou esforçar-se no trabalho. (LEONARDO, 2002, p. 37).

De acordo com Leonardo, branquidão é uma construção social que deveria ser discutida para que as pessoas tivessem a possibilidade de entender a forma como isso foi construído. No caso do Brasil, pode ser que seja ainda mais difícil discutir esse assunto porque, como Leonardo aponta, “No Brasil, o discurso de não ver cor desabilita a possibilidade de a nação localizar o privilégio branco e trocar por um paraíso racial imaginário de mistura, combinação, e miscigenação” (p. 35). Embora o discurso de “não ver cor” e o “mito da democracia racial” sejam comuns no Brasil, os resultados demonstrados na sociedade brasileira figuram de uma forma muito diferente (ver Gomes, 1995). De acordo com Lovell (2000), “Hoje, o debate público vigoroso sobre a imagem do Brasil como uma democracia racial tem deslocado a ideologia da democracia racial. A grande quantidade de evidências torna visível que desigualdade racial, preconceito e discriminação são parte da realidade social brasileira” (p. 89). Isto é evidente pelos números de desistências de alunos negros do ensino fundamental, e pelos limites de acesso dos negros à universidade, bem como várias outras estatísticas que evidenciam as diferenças de acessos (a moradia, a emprego, a ambientes sociais) entre brancos e negros. De acordo com Ladson-Billings:

A teoria racial crítica torna-se uma importante ferramenta intelectual e social para desconstrução, reconstrução, e construção: desconstrução da estrutura e discurso opressivo, reconstrução da agência humana, e construção de igualdade e relações sociais de poder justas. (1998, p. 9).

Considerando o extrato de Ladson-Billings, branquidão é um assunto que necessita ser considerado em cursos de formação de professores para que o que é construído em nome do poder possa ser desconstruído e discutido em nome da igualdade e da justiça social, como é advogado pela Teoria Racial Crítica. A pesquisa de Marx & Pennington (2003) sobre branquidão examinou alunos brancos no curso de formação de professores em pré-serviço (em formação) para explorar o assunto sobre branquidão e racismo branco com seus alunos brancos para “ajudá-los a tornarem-se mais conscientes das vantagens e preconceitos herdados nas suas posições como professores brancos” (Marx & Pennington, 2003, p. 91). Farei uma tentativa de discutir como o estudo de branquidão pode ajudar todos os professores a entender a complexidade do racismo. Trarei os exemplos das falas dos professores propiciadas anteriormente. Ficou evidente que essas falas mostraram que havia um falta de reflexão profunda nas complexidades do racismo na forma que Leonardo (2002) descreveu. Ao chegar neste ponto, quero enfatizar a necessidade de professores terem uma melhor compreensão das complexidades do racismo.

Marx & Pennington (2003) trazem o seguinte resultado de pesquisa em relação aos professores em pré-serviço (em formação) discutindo os tópicos de branquidão e de racismo branco.

[…] quase todos os professores estavam muito interessados em dividir suas visões sobre o que normalmente é visto como assunto tabu, quando as discussões acontecem em um ambiente que dá suporte, confiança e é dialogal. (Marx & Pennington, 2003, p. 104).

Estes resultados se relacionam com a forma como a professora Ame narra acima a experiência de racismo que ela teve em seu processo de crescimento em seu ambiente familiar. O segundo resultado de pesquisa de Marx & Pennington afirma que:

Os estudantes (professores em formação) estavam aptos a falar sobre o assunto de racismo em uma forma descontraída, e de uma maneira fluente, porque eles se tornaram mais críticos sobre o assunto. (Marx & Pennington, 2003).

A citação de Marx & Pennington ilumina sobre o que é necessário para que todos os professores entendam a questão do racismo. Os professores precisam discutir o tópico abertamente e reconhecer que, através do diálogo, eles podem entender melhor e discutir a maneira como o racismo é construído. Em sua fala, Fábia revela que “as pessoas têm preconceito, mas elas não admitem isso, é difícil admitir”. A discussão aberta desses assuntos pode ser uma forma de dividir visões e, consequentemente, tornarem-se mais críticos sobre o assunto acerca do racismo. Fábia também afirma que “eles têm medo […] eles falam superficialmente sobre o assunto de raça/etnia”. A forma como Fábia descreve o medo que eles têm de falar sobre o assunto é um exemplo de que é necessário construir uma atmosfera de confiança dentro dos cursos de formação de professores. O ponto principal de tornar a discussão possível é falar abertamente sobre o assunto. O terceiro resultado de pesquisa de Marx & Pennington é demonstrado como segue:

[…] através desta nova linguagem do, e compreensão do racismo branco e branquidão, alunos/participantes finalmente começam a ver as formas como os seus racismos afetam as crianças negras com quem eles trabalham. (Marx & Pennington, 2003, p. 105).

Este terceiro resultado de pesquisa mencionado por Marx & Pennington se relaciona com a forma como Bárbara (narrativa acima) falou, em entender o uso da palavra “nego” de uma forma pejorativa. Apesar de que ela usou a palavra sem querer ofender, foi, porém, de uma maneira racista e pode ter afetado os alunos não brancos com quem ela trabalhou. Afetou também alunos brancos, pois pode ter impedido a boa convivência entre as identidades raciais existentes no ambiente escolar. O resultado final da pesquisa de Marx & Pennington foi que:

[…] nossos alunos/participantes tenderam a associar bondade com identidades não racistas. […] Porque eles viam bondade e racismo como uma dicotomia, suas primeiras impressões dos seus próprios racismos os conduziram para a conclusão de que eles devem ser pessoas horríveis. […] No entanto, apesar dos seus corações altruístas e seus esforços para “esconder” seus racismos, é ainda possível que seus racismos machuquem as crianças que eles ensinam. (Marx & Pennington, 2003, p. 105)

Ame, que revelou que ela veio de uma família com muito preconceito, explica as difíceis situações que ela encontrou quando criança. Ame também relata que não foi “correto” ter um sentimento de preconceito. Eu argumentaria que isto sugere que o sentimento de Ame de não achar “correto” ser preconceituosa pode estar relacionado ao sentimento de “ser bom”.

As similaridades que eu tentei ilustrar entre as histórias contadas pelos professores de línguas e os do estudo feito por Marx & Pennington (2003) demonstram algumas ações que os cursos de formação de professores podem fazer. Essas sugestões de ações podem permitir que educadores trabalhem em favor de uma melhor compreensão de como o racismo é construído, para que todos os professores estejam mais conscientes das formas como eles podem perpetuar, ainda que sem intenção, o racismo e o preconceito na sala de aula. O estudo de Marx & Pennington (2003) também mostra como os professores podem tornar-se mais críticos depois de discutir assuntos como branquidão e racismo, para que “os professores possam iniciar um longo processo de desaprender o racismo” (Kailim, 1999, p. 746). Nesse processo de se tornarem críticos, é essencial considerar assuntos de branquidão, porque, de acordo com Gillborn:

É somente recentemente que os acadêmicos começaram a prestar atenção séria para a construção e experiência da etnicidade branca no ambiente multiétnico […]. Isto é um desenvolvimento vital desde que a maioria concorda que estratégias anti-racistas não podem gozar da difusão de sucesso sem o ativo envolvimento das pessoas brancas. (Gillborn, 2001, p. 1507).

Algumas reflexões sobre racismo institucional

Nas narrativas proporcionadas pelos professores negros e brancos foi possível perceber duas vezes o racismo institucionalizado, uma evidenciada na fala da professora Cármen (negra) que sofreu racismo na escola e ou evidenciada na fala da professora Bárbara (branca), que, sem saber, ou sem ter sido intencional, teve uma atitude que pode ser considerada racista. As outras formas, tanto do racismo implícito bem como racismo institucional, podem ser muito sutis:

“O racismo institucional” consiste no fracasso coletivo de uma organização de fornecer um serviço apropriado e profissional para as pessoas por causa de sua cor, cultura, ou origem de étnico. Isto pode ser visto ou descoberto em processos, atitudes e comportamento que totalizam em discriminação através de preconceito inconsciente, ignorância, negligência e estereótipos racistas que colocam em desvantagem as minorias étnicas. (Macpherson, 1999, p. 321).

Um dos caminhos para identificar racismo institucional no sistema escolar é através da investigação cuidadosa de resultados dos estudantes por etnia. López (2003), um teorista racial crítico, explica:

Quando racismo se torna “invisível”, indivíduos começam a pensar que é meramente uma coisa do passado e/ou só se relaciona com atos específicos. Raramente o racismo é visto como algo que está sempre presente na nossa sociedade e nas nossas vidas diárias […]. (López, 2003, p. 69-70).

A declaração de López demonstra claramente que atos de racismo deviam ser discutidos a fim de dar “voz” para aquelas pessoas que são oprimidas e que sentem que suas vozes não são ouvidas. Como assinalado anteriormente neste artigo, Nascimento (2001, p. 119) mostrou as crianças negras no Brasil são, porém, encorajadas pelos pais e pelos professores a não reagirem com agressões quando elas recebem xingamentos e apelidos racistas. De acordo com Ladson-Billings (1998), “A ‘voz’, componente importante da teoria racial crítica, proporciona um caminho para comunicar a experiência e realidades dos oprimidos, no entanto um dos primeiros passos é entender a complexidade do racismo […]” (p. 14). Antes, porém, professores, equipe pedagógica, estudantes e a comunidade teriam que aprender juntos como trabalhar colaborativamente de uma forma que seja possível acontecerem discussões em prol de uma educação antirracista. (FERREIRA, 2006; 2009).

Considerações finais

Conforme demonstrado nas narrativas acima, é possível perceber que a etnia dos professores é um fator que pode colaborar para que os professores compreendam a complexidade das relações étnico-raciais por causa da experiência vivida. Nesta pesquisa foi possível perceber vários resultados, como, por exemplo, que a etnia dos professores é um fator que pode colaborar na compreensão do tema. Isto ficou claro nas experiências de Cármen e de Elisa, que são negras e parecem ter experimentado manifestações públicas de racismo devido a sua etnia. Pelo fato de serem professores negros, eles também são mais sensíveis aos assuntos de raça/etnia.

No caso das professoras Ame e Bárbara, o que ficou claro é que Ame percebe o quanto a família foi preconceituosa em seu processo de desenvolvimento, no entanto o mesmo processo não aconteceu com Bárbara, que, em sua sala de aulas, propiciou exemplos que colocam seus alunos afro-brasileiros em uma situação de desvantagem e passando uma mensagem preconceituosa para os demais alunos. Ocorre, porém, que, na análise que faço (e existem estudos que demonstram isso), uma vez preparados, professores negros e brancos podem ensinar sobre o assunto, desde que, repetindo, estejam de fato preparados para tal. Caso contrário, como percebemos através das narrativas acima apresentadas, se não estiverem preparados adequadamente, ao invés de desconstruírem atitudes racistas, eles as reforçarão.

Notas:

[1] Este artigo é uma versão ampliada do que foi apresentado no VI Seminário Nacional de Literatura História e Memória Narrativas da Memória: O discurso feminino. Unioeste em 2006. O artigo foi publicado como capítulo de livro em uma versão reduzida. Dados do Livro: FERREIRA, Aparecida de Jesus (Org.). Formação de Professores de Línguas: Histórias de Professoras Negras e Brancas de Inglês e suas experiências com Racismo. In: FERREIRA, Aparecida de Jesus. Formação de Professores de Línguas: Investigações e Intervenções. Cascavel: Edunioeste. 2009, p. 67-82.

[2] Dia da libertação dos Escravos no Brasil que ocorreu em 13 de maio de 1888. No Brasil, atualmente, é considerado um dia de protesto contra a escravidão. No entanto, no dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares (líder negro que criou o Quilombo dos Palmares, movimento de resistência contra escravidão), é um dia comemorado como o dia da Consciência Negra. Em muitos Estados do Brasil, o dia 20 de novembro é feriado em nome da Consciência Negra.

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*Aparecida de Jesus Ferreira: Doutora em Educação de Professores de Linguística Aplicada, pela University of London (Inglaterra). Professora da graduação no Curso de Letras e do Curso de Pós-Graduação do Programa de Mestrado em Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Fonte: http://www.ucm.es/info/especulo/numero42/racismo.html

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