No fim da noite de ontem a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno, numa votação histórica e praticamente por aclamação, o primeiro tratado internacional do Século XXI, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Foram 418 votos a favor, nenhum voto contra e 11 abstenções, o que credencia o tratado da ONU a criar uma figura inédita no ordenamento jurídico nacional ao entrar para a legislação brasileira com equivalência à emenda constitucional. A possibilidade, que consta no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal foi confirmada em 2004, pela Emenda Constitucional 45, que estabelece que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Sabendo disso, o movimento organizado das pessoas com deficiência se mobilizou organizada e exemplarmente para garantir o status constitucional à Convenção. Pessoas com deficiência e seus representantes se uniram e responderam à convocação do Conade, Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência, para realizar atos de apoio à Convenção. Foram organizadas coletas de adesões à campanha Assino Inclusão (http://www.assinoinclusao.org.br/), em vários estados e uma nota de pesar pelo atraso na votação, referendada por inúmeras entidades e pessoas, para ser entregue aos parlamentares. Cartas, emails e telefonemas foram dirigidos aos congressistas pedindo pressa na votação e equivalência à emenda constitucional. Além disso, as Conferências Nacionais de Educação Básica e da Juventude, a OAB, o Conselho Federal de Psicologia, o Grupo Tortura Nunca Mais, Assembléias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, entre muitas outras entidades e movimentos, declararam seu apoio ao mais novo tratado de direitos humanos.
Com a votação marcada pelo Presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, para o dia da Abolição da Escravatura, pessoas de vários estados se organizaram para ir à Casa acompanhar o processo. Antes mesmo da abertura da Ordem do Dia já havia rumores de que o pleito das pessoas com deficiência não seria atendido e a Convenção acabaria sendo votada como lei ordinária. As cerca de 60 pessoas, que se dispuseram a ir à Câmara lutar pela aprovação do tratado, se dividiram em grupos num corpo a corpo com líderes dos partidos e deputados em geral para negociar de forma firme, qualificada e organizada e deixar clara sua intenção: se não fosse com equivalência à emenda constitucional, não interessaria. Os próprios deputados não conheciam bem a possibilidade aberta pela Emenda 45, mas as pessoas com deficiência tinham segurança do que queriam. A pressão do movimento social antes e durante todo o dia de ontem foi fundamental para que, apesar da dúvida a respeito do rito mais adequado pelo ineditismo da matéria, o quorum qualificado fosse conseguido com folga. Após a votação, vários deputados cumprimentaram os ativistas pelo exemplo de exercício da cidadania que acabara de acontecer.
Eufóricos, cansados e aliviados com a vitória, os “lobistas do bem” comemoraram e tiveram a certeza de que os preceitos da Convenção, entre eles a liberdade de participação política, já começavam a ser respeitados. Mas para que a Convenção seja ratificada e comece a valer no Brasil ainda falta mais uma aprovação por três quintos na Câmara e duas com o mesmo quorum no Senado. Os cidadãos que por décadas foram excluídos e tiveram outras pessoas tomando decisões por eles já aprenderam o caminho das pedras e vão continuar lutando por sua plena inclusão na sociedade. Nada sobre nós, sem nós.
Patricia Almeida – 61-9964-7745 – Coordenadora – agencia.inclusive@gmail.com- www.agenciainclusive.blogspot.com
