Fernando Rodrigues
O pedido de perdão do ministro Gilberto Carvalho à bancada evangélica nesta semana é exemplar de como a política e a obsessão pela hegemonia no Palácio do Planalto sufocam o bom debate.
Carvalho conversou com representantes de 74 deputados e oito senadores evangélicos. Foi pragmático.
“Realpolitik” em estado bruto. Afinal, sinais trocados indicavam que Dilma Rousseff poderia adotar políticas mais arrojadas sobre gays e aborto. O próprio ministro havia irritado os evangélicos dias antes falando em embate “ideológico”. Nenhum presidente dispensa quase cem votos no Congresso.
Perdão pedido, perdão concedido. Tudo resolvido dentro da lógica cristã. Menos para o país. O debate sobre a prática do aborto continua interditado. Mesmo após Dilma ter indicado a liberal Eleonora Menicucci para a Secretaria das Mulheres, o discurso do governo continua imutável: quem tem de tratar do assunto é a sociedade e o Congresso.
Evangélicos e católicos têm direito de ser contra a descriminalização do aborto. Dilma Rousseff também atua de maneira legítima ao agradar aos cristãos no processo eleitoral.
Mas o ponto não é esse. Se o governo da primeira presidente mulher não consegue debater abertamente o tema aborto, qual é a perspectiva? Nenhuma. A situação é desoladora. O aborto de risco é a quarta maior causa de mortes maternas no Brasil e a quinta maior razão de internações no SUS.
A política é cheia de situações improváveis. O republicano Richard Nixon reatou as relações entre os EUA e a China comunista. O operário de esquerda Lula ampliou no Brasil o mercado de consumo. Já no caso do aborto, jamais um presidente conservador abraçará a causa. Se Dilma mantiver sua atitude reducionista, ficará pedindo perdão aos evangélicos e circunscrevendo apenas à religião um problema que diz respeito à saúde pública do país.
Fonte: Folha de S.Paulo, 18/02/2012