Por Mariana Soares da Paz *
Quanto mais os diversos campos do saber dedicam-se a explicar o fenômeno da loucura, mais discursos são enunciados para tornar inteligível o sofrimento psíquico. A compreensão da loucura, sob o viés de práticas de aprisionamento e medicamentosas, resultou em transformar os sujeitos em objetos mortificados subjetivamente por tais procedimentos.
A política pública de saúde para a área da psiquiatria, enquanto projeto político — isto porque para sua viabilização mobilizam-se leis e instituições para legitimar e justificar sua prática — revela um discurso que toma a loucura como seu objeto de tratamento, justificando toda sua lógica iatrogênica — que gera doenças ou alterações patológicas, criadas por efeitos colaterais dos medicamentos.
No atual contexto, é preciso questionar o discurso que defende a ligação da loucura com o manicômio como único destino do sujeito em sofrimento, refletindo sobre os modelos que ainda são tomados como referência para um ideal de saúde, tendo a normalidade da instância mental. Modelos esses balizados por operar frente ao sofrimento do sujeito como patológico, referendando uma ciência positivista e tendo na patologia um aspecto presente, passível a ser tratado pela segregação e pelo controle psicofármaco, como promessa de cura.
Com o advento da Política Nacional de Saúde Mental, investiu-se em uma nova forma de abordar o problema da loucura, de forma a comportar uma mudança radical no modelo de assistência à saúde mental. Com novos espaços para o cuidado, o louco passa de paciente (objeto de um tratamento) para sujeito-cidadão, usuário dos serviços de saúde.
Quando o Estado brasileiro se dispõe a instituir sua política de atenção à saúde mental, sob o esteio da Reforma Psiquiátrica, não se restringe à Reforma, mas a uma re-estruturação de todo o sistema, ou seja, a estrutura até então vigente deverá ser substituída integralmente. Questiona-se, então, se o que se intitula de Reforma Psiquiátrica poderia ser um movimento de captura da loucura com novos instrumentos e que ainda reproduz o conservadorismo tradicional da antiga política pública de psiquiatria. Esse discurso também pode ter seus reflexos na prática clínica, já que pensar a loucura como doença, levaria a condução do “tratamento” sob os moldes da psiquiatria clássica, como uma forma de controle e contenção da loucura.
A Lei Federal 10.216 de 06 de abril de 2001 dispõe sobre a proteção dos direitos das pessoas portadoras de sofrimento psíquico e o redirecionamento dos modelos de atenção a quem necessita do serviço. A reflexão proposta, neste artigo, visa iniciar um diálogo sobre o perfil das políticas de saúde mental que o Estado disponibiliza para os sujeitos em sofrimento. Afinal, são políticas para sujeitos apagados pelo excesso de medicação ou para sujeitos de direitos?
/*Mariana Soares da Paz é psicóloga do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares — GAJOP. Graduada em Psicologia pela Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP) e aluna do curso de Pós Graduação em Psicologia e Direitos Humanos da Faculdade Frassinet do Recife (FAFIRE)./
Fonte: GAJOP