Por Andrei Bastos *
Nestas eleições, como há muitos anos, fui até uma determinada escola pública para votar. Voto na mesma seção desde quando mudei para a rua onde a escola está, embora eu já esteja morando em outro bairro há bastante tempo. Ao chegar, fiquei surpreso com os corrimãos colocados na primeira escadaria de acesso ao prédio, cuja inexistência nas eleições passadas me obrigou a subir me apoiando na parede lateral. Sou amputado de uma perna e uso muletas.
Vencidos mais dois degraus da entrada, um PM gentil me recepcionou e perguntou se eu estava ali para “justificar ou votar”. Com minha resposta e a verificação no meu título de eleitor, confirmamos que minha seção continuava a dois outros lances de escadaria, no segundo andar.
O PM se mostrou indignado com a falta de acessibilidade, defendendo a ideia de que os “cidadãos com deficiência” deveriam ter esse direito respeitado. Eu gostei da atitude porque não me senti tratado como “coitadinho”.
O mesmo não posso dizer da iniciativa do TSE de preparar seções especiais para pessoas com deficiência, com a indicação de transferência das inscrições dos seus títulos eleitorais para tais lugares. Eu continuarei a votar na mesma seção porque gosto do lugar onde morei, de encontrar antigos vizinhos e, simplesmente, porque quero.
Com tanto tempo de Lei 10.098 (Lei da Acessibilidade) e Decreto 5.296, é de admirar que a própria Justiça, no caso a eleitoral, não respeite a lei e ofereça unicamente lugares de votação acessíveis. Se escolas e outras construções usadas nas eleições não têm acessibilidade, cabe à Justiça, no caso não apenas a eleitoral, fazer cumprir a lei e atender aos já incontáveis pleitos que recebeu.
A ideia dessas seções eleitorais especiais, que parece atender a direitos, esconde o pior da discriminação e promove a segregação já existente em guetos do atendimento, da educação, do trabalho e do lazer, assim como ONGs, escolas e demais instituições exclusivistas anulam o processo de inclusão e confinam deficientes nas quatro paredes de uma magnanimidade falsa.
Diante dos conceitos de Acessibilidade e Desenho Universal, e, principalmente, da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que em 2009 foi promulgada com equivalência de Emenda Constitucional, é inadmissível que as exceções não sejam seções eleitorais sem acessibilidade e que a Justiça Eleitoral contribua para a condenação dos deficientes à exclusão perpétua.
Depois de votar, fui abordado por pessoas que trabalhavam para o TRE e me deram um formulário para preencher. Além da identificação pessoal, o papel solicitava a identificação da minha deficiência. Espero que nas próximas eleições eu não seja abordado para me tatuarem o símbolo internacional da acessibilidade na testa.
* Andrei Bastos é jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio.
Fonte: O Globo, Opinião, 12/10/2012