Conselhos e conferências: como ocorre o monitoramento de suas propostas?

Mesa de reunião

Por Ana Claudia Chaves Teixeira, Clóvis Henrique Leite de Souza e Paula Pompeu Fiuza de Lima

Entre 2003 e 2010 foram aprovadas mais de 15 mil propostas e 2 mil moções em 74 conferências nacionais. Também nos conselhos foram produzidas inúmeras deliberações. Mas será que todo esse conjunto de ideias tem sido levado em conta pelo governo? Será que as demandas expressas nesses espaços participativos são incorporadas na formulação e revisão das políticas públicas? Como os conselhos e conferências podem contribuir com o monitoramento das ações?

Este artigo, o último da série, quer discutir de que forma tem ocorrido o monitoramento das políticas propostas em conferências e conselhos. Por que isso é importante? Porque nossa cultura de participação em geral tem enfatizado as deliberações, ou seja, muitas demandas e problemas são levantados, propostas são formuladas e prioridades são indicadas, mas pouco se faz para acompanhar o encaminhamento dado à produção dos espaços participativos.

Monitoramento em conselhos

Dos 59 conselhos nacionais pesquisados2, 37 possuem objetivos ligados ao monitoramento das políticas e apenas 12 tem função de controlar ações dos órgãos aos quais estão vinculados, por exemplo, validando prestações de contas que os órgãos são obrigados a lhes apresentar. Esse dado é significativo porque mostra que mais da metade dos conselhos, ao menos em suas atribuições, estão atentos ao que está acontecendo na política pública. Ao mesmo tempo, a função de controle social da atividade estatal, ainda aparece pouco enquanto objetivo desses espaços.

Quando observamos os regimentos dos conselhos, pudemos notar que esses objetivos se expressam em ações como monitorar e avaliar políticas, criar indicadores de desempenho e acompanhar a gestão financeira. Os objetivos de monitoramento e avaliação explicitam que os conselhos devem acompanhar e avaliar as políticas para saber se estão alcançando os objetivos pretendidos. Os objetivos de controle dizem respeito à análise de relatórios de gestão, planos e prestações de contas que os órgãos têm obrigação de apresentar ao colegiado.

Elaboradas as deliberações, o conselho deve prezar pelo cumprimento dessas decisões nas políticas públicas. Essa competência faz dos conselhos parte integrante do ciclo de gestão de políticas públicas (planejamento – implementação – monitoramento – avaliação). No entanto, os conselhos enfrentam dificuldades para cumprir com a responsabilidade de monitorar, avaliar e controlar as ações estatais. Cada conselho tem seus desafios, a depender do grau de sua institucionalização, da força vinculante de suas decisões, da forma de funcionamento e da integração com os órgãos responsáveis pela execução, mas podemos falar da dificuldade de acesso a informações gerenciais como ponto comum e da necessidade de assessoria técnica como uma demanda recorrente.

Monitoramento de conferências

Quando uma conferência é realizada sempre fica a dúvida se as propostas aprovadas serão implementadas ou não, afinal este é um processo essencialmente consultivo. Nada obriga que as propostas saídas dali sejam de fato implementadas. Mas, se as conferências estão sendo realizadas sem nenhum resultado nas políticas públicas, os governos e as organizações da sociedade civil podem e devem questionar a própria efetividade da participação social. Se participar não traz efeito nenhum, por que continuar participando e promovendo a participação? Por isso, monitorar o encaminhamento das propostas é uma tarefa tão importante.

Alguns ministérios e conselhos já realizam alguns esforços de monitoramento das deliberações das conferências. Há notícias de ações nesse sentido, ao menos em oito áreas de políticas públicas, são elas: aquicultura e pesca, assistência social, juventude, meio ambiente, políticas para mulheres, saúde, segurança alimentar e nutricional e segurança pública.

Algumas inovações: Em alguns casos, tão logo o relatório final é apresentado, ele é transformado em Plano Nacional de Políticas, como no caso das políticas para mulheres. Nessas situações, o próprio órgão responsável, em parceria com os conselhos se responsabiliza pelo monitoramento do Plano. Há também a experiência do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional que criou todo um aparato de monitoramento das deliberações das conferências. O elemento mais inovador é a conferência mais dois, uma nova conferência dois anos depois com a finalidade exclusiva de promover o balanço da conferência anterior.

Além dessas experiências outros conselhos já têm testado metodologias de monitoramento de deliberações. A mais comumente utilizada é a comparação das propostas aprovadas com as ações implementadas ou em fase de implementação pelo ministério. Esse método não permite saber se uma ação está sendo executada porque foi aprovada em uma conferência ou se já estava na pauta do governo. Contudo, o mapeamento das propostas que possuem ações governamentais correspondentes sendo executadas já contribui bastante para dar respostas aos participantes de que as demandas estão sendo atendidas.

Mas há alguns desafios para enfrentar: Em primeiro lugar, é preciso observar o papel do governo quando se depara com propostas contrárias ao seu plano de ação. Afinal, o processo de conferências é eminentemente consultivo (nada obriga legalmente que as propostas sejam implementadas). Com esta premissa, o governo não vai sempre acatar as decisões das conferências. Mas não concordando com alguma proposta, não deveria ao menos dar uma resposta aos participantes? E como fazer isso? Talvez seja papel do conselho acompanhar os encaminhamentos dados pelo governo às propostas de conferências e exigir dos órgãos responsáveis um posicionamento a respeito das proposições.

Nesse sentido, outro desafio é como saber se uma proposta está sendo implementada ou não. A comparação entre propostas aprovadas e ações implementadas é interessante, mas nem sempre suficiente. É necessária a construção de indicadores que nos permitam compreender melhor como as ações são realizadas e se elas geram a melhoria desejada das condições sociais. Por exemplo, mesmo executado um gasto na área de educação (compra de materiais ou pagamento de professores) pode não haver melhoria na qualidade da educação. Para saber se as metas de um plano daquela área de política foram alcançadas é necessário avaliar o que se ensina, como se ensina, o que se aprende e como se aprende. É importante que não somente o governo construa indicadores, mas que também a sociedade tenha os seus próprios, visto que nem sempre o que é considerado indicador de implementação de política e de melhoria das condições de vida da população para uns, é também considerado para outros. Para isso, é necessário que a sociedade tenha fácil acesso aos dados públicos e às informações orçamentárias e gerenciais das políticas.

Se quisermos opinar sobre as políticas públicas precisamos saber o que está sendo planejado e onde os recursos estão sendo locados. Somente com a disponibilização de dados é possível cobrar do governo os compromissos estabelecidos e apontar que as diretrizes definidas não estão sendo consideradas. Apesar desse tipo de abertura não garantir a partilha de poder, é isso que expõe o governo para o escrutínio da sociedade. É um passo importante para a partilha de poder porque diminui as assimetrias de informações e abre espaço para o questionamento, possibilitando a compreensão do que está programado e do que está sendo feito.

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Vemos que mesmo com algumas experiências de monitoramento em curso ainda há muito a se fazer: desde a disponibilização efetiva de dados por parte do governo até a construção de indicadores de implementação das políticas por parte da sociedade. A dimensão propositiva é extremamente importante, mas como saber que as políticas públicas estão sendo implementadas? Como saber se as propostas feitas às políticas estão sendo consideradas na implementação? E se deliberações não são encaminhadas, quais são os motivos? Vale a pena continuar insistindo nas mesmas propostas ou é preciso readequá-las? Todas essas questões surgem naturalmente quando se institucionalizam processos e instâncias de participação social. No caso de conferências e conselhos a reflexão que fica é se, para além da explicitação de demandas e conflitos, esses espaços serão capazes de desempenhar papéis ligados ao monitoramento, avaliação e controle das ações governamentais.

1 Este artigo foi elaborado de forma totalmente compartilhada. Os nomes dos autores estão em ordem alfabética, o que não representa qualquer diferença de contribuição.
2 Pesquisa realizada em parceria por Pólis e Inesc. Acesse o relatório em www.polis.org.br/uploads/1262/1262.pdf

Fonte: INESC

One Comment

  1. Gostei muito da abordagem de um tema tão difícil e cada vez mais preocupante. A análise dos dados foi meticulosa e precisa, trazendo informações novas para muitas pessoas. Caso os autores tivessem tido a possibilidade de relatar e analisar a prática das sessões dos conselhos e as atividades das conferências “in loco” e ainda os encaminhamentos das votações é bem provável que a conclusão se desse pelo esgotamento dos modelos de controle social participativo como se vive hoje.
    A maior parte do tempo é gasto com discursos de “casos”, com agressões entre conselheiros, com disputa de poder individual e com demarcação de domínio político-partidário. Entretanto, esse não é o perfil nem a proposta de colegiados que devem realizar o monitoramento das políticas, planos, programas e ações governamentais ou mesmo o monitoramento de suas propostas. A disputa eleitoral para as cadeiras personalíssimas dos conselhos permite a função de “conselheiro vitalício”, que muda de representação com a mesma facilidade que um representante legislativo se transfere de sigla. Ainda pior, o partido da situação dita a agenda dos colegiados e faz crer que tem esse direito. Deixo para os autores a sugestão de proporem rodadas de debates e propostas coerentes que desestabilizem o “status quo”.

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