Cerca de 44% das escolas públicas brasileiras de Educação Básica contam apenas com água encanada, sanitário, energia elétrica, esgoto e cozinha em sua infraestrutura. Nelas, não há bibliotecas, quadras e laboratórios, entre outros equipamentos pedagógicos considerados importantes para a garantia de uma aprendizagem de qualidade. Na outra ponta, apenas 0,6% das unidades de ensino têm prédios considerados completos, com todos esses aparelhos e também dependências adequadas para alunos com deficiência.
A conclusão é de um estudo dos pesquisadores Joaquim José Soares Neto, Girlene Ribeiro de Jesus e Camila Akemi Karino, da Universidade de Brasília (UnB), e Dalton Francisco de Andrade, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), intitulado “Uma escala para medir a infraestrutura escolar”. A proposta do estudo é, justamente, construir uma escala de níveis para medir as condições físicas de todas as unidades de ensino das redes públicas. Para tanto, os pesquisadores utilizaram a Teoria de Resposta ao Item (TRI) (leia mais abaixo)
Foram analisadas 194.932 escolas, número que representa o total de unidades que estavam em funcionamento em 2011 e que responderam o Censo Escolar daquele ano, cujas informações foram a base da pesquisa. Os dados sobre a infraestrutura escolar são colhidos anualmente pelo censo por meio de um questionário respondido pelos gestores das unidades de ensino. Nele, há questões que detalham os recursos que a escola apresenta, abrangendo desde a presença de esgoto sanitário até a conexão com a internet.
Para definir uma escala para a situação da infraestrutura, os pesquisadores selecionaram questões sobre dois tipos de itens: caracterização física do prédio e equipamentos.
Em seguida, essas variáveis foram dicotomizadas, ou seja, tomadas apenas com as possibilidades sim (a escola tem) ou não (a escola não tem). Isso foi necessário para a construção da escala com base na TRI. Nesse processo, alguns itens foram descartados. Um exemplo é a presença de videocassete e antena parabólica na escola, uma vez que esses aparelhos já foram substituídos por tecnologias mais avançadas. Itens que não poderiam ser considerados dessa maneira, como o destino do lixo e o número de alunos por sala de aula, também foram desconsiderados.
Após essa filtragem, os pesquisadores chegaram a 24 itens de infraestrutura escolar e a sua disponibilidade – ou não – nos colégios públicos brasileiros. São eles: água potável para consumo dos alunos; abastecimento de água; abastecimento de energia elétrica; esgoto sanitário; sala de diretoria; sala de professor; sanitário para deficientes físicos; dependências para deficientes físicos; sala de atendimento especial; laboratório de informática; laboratório de ciências; TV; DVD; copiadora; quadra de esportes; impressora; computadores; internet; cozinha; biblioteca; parque infantil; berçário; sanitário dentro/fora do prédio e sanitário para Educação Infantil.
Metodologia
Amplamente utilizada em testes de desempenho de larga escala, a TRI permite que se compare as notas de uma prova – do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo – de diferentes edições, o que legitima uma observação confiável do processo. Isso só é possível porque as questões que caem nos exames são testadas antes de serem consideradas usáveis. Ao testar uma questão em um grupo de alunos, calibra-se o item, isto é, define-se a dificuldade da questão conforme o número de estudantes que a erram e a acertam. Assim, os itens são dispostos em uma escala de dificuldade e é possível observar os candidatos que sabem resolver itens de diferentes níveis.
No estudo sobre a infraestrutura escolar, os itens dispostos na escala não são questões de uma prova, mas os equipamentos dos quais a escola dispõe ou não. De acordo com a pesquisa, esses itens não contribuem da mesma maneira para diferenciar as escolas. Por essa razão, os pesquisadores analisaram as variáveis de acordo com a necessidade delas em cada nível de ensino – um berçário, por exemplo, não precisa existir numa escola de Ensino Fundamental. Após esse tratamento, os itens foram finalmente calibrados de acordo com a raridade da existência do equipamento nas escolas. A variável de menor dificuldade foi a água, enquanto a sala de atendimento especial apresentou o maior nível.
Com isso, a equipe de pesquisadores chegou a quatro categorias de infraestrutura escolar em que as unidades de ensino podem ser classificadas, como se vê abaixo:
Categoria | Descrição das Categorias |
Infraestrutura Elementar | Estão neste nível escolas que possuem somente aspectos de infraestrutura elementares para o funcionamento de uma escola, tais como água, sanitário, energia, esgoto e cozinha |
Infraestrutura Básica | Além dos itens presentes no nível anterior, neste nível as escolas já possuem uma infraestrutura básica, típica de unidades escolares. Em geral, elas possuem: sala de diretoria e equipamentos como TV, DVD, computadores e impressora |
Infraestrutura Adequada | Além dos itens presentes nos níveis anteriores, as escolas deste nível, em geral, possuem uma infraestrutura mais completa, o que permite um ambiente mais propício para o ensino e aprendizagem. Essas escolas possuem, por exemplo, espaços como sala de professores, biblioteca, laboratório de informática e sanitário para educação infantil. Há também espaços que permitem o convício social e o desenvolvimento motor, tais como quadra esportiva e parque infantil. Além disso, são escolas que possuem equipamentos complementares como copiadora e acesso a internet |
Infraestrutura Avançada | As escolas neste nível, além dos itens presentes nos níveis anteriores, possuem uma infraestrutura escolar mais robusta e mais próxima do ideal, com a presença de laboratório de ciências e dependências adequadas para atender estudantes com necessidades especiais |
Fonte: J. J. Soares Neto, G. Ribeiro de Jesus, C.A. Karino, D.F. de Andrade. Estudos em Avaliação Educacional, v. 24, n. 54, p. 78-99, 2013).
A opção pelo uso da TRI, segundo os pesquisadores, se deve ao fato de que a metodologia apresenta alta confiabilidade nos resultados. “A TRI é bastante utilizada para medir capacidades cognitivas. Nossa decisão por utilizá-la para medir construtos não psicológicos mostrou que os resultados foram robustos do ponto de vista estatístico”, afirma Neto.
Girlene lembra que a teoria permite acompanhar o desenvolvimento das variáveis de forma cronológica. “A TRI é sólida e oferece comparabilidade dos resultados no decorrer do tempo. Assim, com uma régua única, que é a escala, podemos acompanhar as mudanças”, pontua.
A principal inovação da pesquisa se deve exatamente ao desenvolvimento da escala, que mede o grau de adequação da infraestrutura de uma unidade escolar da rede pública de ensino.
“Quando falamos que tantas escolas não têm banheiro, outras tantas não possuem laboratório de informática e mais algumas não apresentam biblioteca, não conseguimos visualizar um panorama geral da situação da infraestrutura das escolas do País, porque os números são muito específicos”, explica Neto.
Desigualdades
Os dados do estudo revelam que as bruscas diferenças entre as regiões do País aparecem também na infraestrutura das escolas. Das 24.079 unidades de ensino da Região Norte, 71% podem ser consideradas no nível elementar, o mais precário. No caso do Nordeste, esse índice ainda se mantém alto, mas cai para 65%. No Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o maior percentual de escolas localiza-se no nível básico. Em todas as regiões a taxa de colégios públicos classificados como de infraestrutura avançada não excede os 2%.
Quando observados os dados por redes, as desigualdades também são grandes. Entre as escolas federais, 62,5% podem ser consideradas adequadas e avançadas. No caso das estaduais, 51,3% das unidades são básicas em relação à infraestrutura e, considerando as municipais, 61,8% das escolas são classificadas como elementares.
Girlene afirma que ela e os pesquisadores esperavam que os resultados demonstrassem a precariedade de muitas das escolas brasileiras, mas pontua que o percentual de elementares (44%) e de avançadas (0,6%) foi um “choque”.
“Sabíamos que encontraríamos diferenças e que a zona rural, por exemplo, apresentaria infraestrutura mais deficitária. Mas não achávamos que seria tanto. O mesmo vale para as diferenças regionais, como é o caso do Norte e do Nordeste, e para as redes municipais, onde se concentram as escolas com as piores condições”, afirma.
Soluções
A relação entre a infraestrutura escolar e o desempenho dos alunos, segundo os pesquisadores, ainda precisa ser aprofundada. “É necessário correlacionar o os resultados das avaliações, como a Prova Brasil, com as condições físicas das escolas. O nível socioeconômico das regiões em que a infraestrutura é insuficiente é também bastante carente. Essa discussão precisa ser feita”, afirma Neto.
Segundo ele, a escala oferece a oportunidade de se mapear estratégias e políticas públicas diferenciadas para cada região do País. “Não interessa onde a criança esteja: ela tem direito a uma Educação de qualidade. Isso pressupõe também uma infraestrutura escolar de qualidade”, ressalta. “É preciso mais recursos, com um investimento que seja realizado com eficiência.”
O regime de colaboração entre os entes federados, segundo os pesquisadores, também precisa ser reforçado. “Precisamos que Estados, municípios e União trabalhem juntos nessa questão, definindo políticas públicas que atendam a essas escolas com condições físicas piores. É claro que só isso não resolve a qualidade da Educação que é oferecida, mas é uma condição para que as escolas funcionem normalmente”, afirma Girlene. “Caso contrário, continuaremos a amargar resultados ruins.”
Fonte: Todos pela Educação