Relato de conferência sobre acessibilidade no ensino suerior

Símbolo da acessibilidade em tela de computador ligeiramente inclinada para a esquerda.A conferência reúne professores e profissionais ligados ao serviço de atendimento aos alunos com deficiência em diversas instituições de ensino

Lucy Gruenwald*

A conferência AHG – Accessing Higher Ground de 2013, ocorrida em novembro e promovida atualmente pela AHEAD – Association on Higher Education and Disability e pela ATHEN- Access Technology Higher Education Network, contou com a participação de 50 universidades e 333 pessoas inscritas, sendo em sua maioria professores e profissionais ligados ao serviço de atendimento aos alunos com deficiência em diversas instituições de ensino.

Acessibilidade e Desenho Universal em currículos do Ensino Superior

Este foi o tema principal da AHG de 2013: entender o papel da acessibilidade e das tecnologias assistivas no contexto do desenho universal, e como preparar os estudantes de áreas diversas para que se envolvam com pesquisa e desenvolvimento nesta área do conhecimento.

Dr. David Sloan, o Keynote Speaker (principal palestrante do evento) abordou o tema contando sua experiência frente à Universidade de Dundee – Escócia, na integração dos princípios e práticas do desenho universal como tema central do currículo e pesquisa da Escola de Computação desta universidade, com o objetivo de desenvolver habilidades dos estudantes para se criar tecnologias que possam ser usadas por um maior número de pessoas.

Dr. Jonathan Lazar, da Universidade de Towson – EUA, ressaltou que os conceitos de acessibilidade, as necessidades das PcD (pessoas com deficiência) e dos idosos, e os conhecimentos de tecnologias adaptativas e de legislação são imprescindíveis na formação de futuros profissionais, e que estes temas deveriam ser abordados prioritariamente na fase escolar, visto que no mercado de trabalho será ainda mais difícil o contato com o tema.

Dr. Lazar comentou também que professores de várias disciplinas deveriam se envolver direta e prioritariamente com as questões de acessibilidade, como por exemplo, IHC (Interface Homem Computador), Web Design, Análise de Sistemas, Engenharia de Softwares, e ainda outras como Educação Especial, Engenharia, Arquitetura e Design, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional etc. No entanto, o que este pesquisador constata é que, na maioria das vezes, o tema acessibilidade sequer faz parte dos currículos universitários, sendo que muitos professores ainda desconhecem as diversas possibilidades, adaptações e as novas tecnologias que poderiam contribuir imensamente para simplificar a vida das PCD e dos idosos.

Terril Thompson, da Universidade de Washington, fez um levantamento informal em livros de textos que ensinam como usar o Word/Office, HTML5 e outros softwares, e constatou que a maioria dos livros sequer comenta sobre as necessidades básicas de acessibilidade, como por exemplo, a simples inclusão de textos descritivos em imagens.

Como consequência dessa falta de material e da dificuldade em atrair professores para o tema, poucas pessoas acabam se interessando em atuar em áreas de pesquisa e desenvolvimento em acessibilidade, e as escolas estão formando profissionais mal preparados para as necessidades da sociedade. Não é raro encontrar no mercado desenvolvedores, web designers, analistas de sistemas e outros profissionais que nunca aprenderam conceitos de acessibilidade e sequer têm noção das necessidades reais das PcD.

Os painelistas sugeriram que nos currículos sejam abordados não só os aspectos técnicos, mas principalmente o impacto social que a falta de acessibilidade acarreta e o que significa o não cumprimento das leis e normas existentes. Sugeriram que os professores sejam incentivados a levarem seus alunos às instituições onde trabalham ou estudam PcD para que possam compreender suas necessidades e que em seus trabalhos acadêmicos, esses docentes envolvam os estudantes com casos práticos, visto que, em geral, os jovens costumam reagir bem a trabalhos do mundo real e ao sentimento de que podem fazer a diferença.

Material Didático Acessível

Esse é um tema que vem atraindo cada vez mais a atenção dos participantes da conferência. Devido à lei americana Section 504, que regulamenta que qualquer programa educacional deva ser acessível a estudantes com deficiência, muitas instituições de ensino estão procurando orientações e experiências sobre como desenvolver sites e elaborar materiais didáticos acessíveis e sobre como adaptar seus cursos online para que as PcD possam cursá-los em igualdade de condições. A preocupação, além de atender à demanda crescente de alunos com deficiência no ensino universitário, é evitar que suas instituições sejam processadas judicialmente pelo não cumprimento da lei.

Gaier Dietrich, reconhecida profissional no campo de material alternativo da California Community Colleges, citou o novo site que a Associação de Editores Americanos acaba de disponibilizar: Access Text Network (www.accesstext.org). Esta é uma ferramenta interessante que visa agilizar a busca de livros didáticos em formato digital para os alunos que têm deficiência. Com o ISBN o estudante localiza rapidamente a versão digital do livro. Se ela existir, pode obtê-la imediatamente através de download. Caso contrário, é gerada uma solicitação para a respectiva editora.

Entretanto, como destacou Gaier, esse é só o primeiro passo: não é porque os documentos são digitais que eles são acessíveis! É preciso ainda trabalhar a acessibilidade deles para que as PcD, principalmente os de baixa visão e cegos, possam utilizá-los com comodidade.

Gaier, durante as 5h da pré-conferência(!), forneceu dicas preciosas de como tornar acessíveis arquivos PDF e de como convertê-los para formatos mais adequados. Apresentou técnicas avançadas para um bom escaneamento de livros e documentos, condição imprescindível para que possam ser utilizados por usuários de leitores de tela. A apresentadora mostrou vários exemplos reais de como extrair partes de textos, ampliá-los e combiná-los em novos documentos para que rapidamente seja gerada uma versão alternativa que atenda, em tempo hábil, as necessidades do aluno com deficiência.

Dificuldades com notação matemática, desenhos e gráficos de material didático das áreas exatas, como diagramas, estruturas moleculares, circuitos e vetores, flowcharts, mapas, entre outros, ganharam mais espaço na conferência desse ano. Além do uso da linguagem MathML, Braille e impressão tátil, foram abordadas experiências com as novas impressoras 3D, tecnologia que permite criar modelos tridimensionais de formas em geral. Este novo recurso de impressão é muito interessante porque permite, por exemplo, criar objetos a serem manipulados através do tato por pessoas cegas, simplificando descrições complexas e permitindo que essas pessoas (e não terceiros) desenvolvam estratégias para fazer a leitura desses modelos com mais autonomia.

Acessibilidade nas Empresas

Organizações de todos os tipos estão cada vez mais presentes na web e na mídia móvel. Tornar seus projetos de web acessíveis é complexo, afeta múltiplas áreas e influencia a cultura da organização. É um trabalho que requer visão, planejamento, treinamento e educação em vários níveis e para diferentes públicos em áreas-chave da empresa, como Tecnologia da Informação, RH, Marketing, Atendimento a clientes, entre outros.

Denis Boudreau, colaborador da WCAG/W3C, abordou o tema destacando os desafios e vantagens das organizações incluírem acessibilidade desde o início e durante todo o ciclo de vida de projetos web, e sugeriu algumas estratégias para que a empresa alcance estes objetivos.

Entre os desafios: mudança cultural da organização para incluir acessibilidade em seus processos, requisitos de projetos, validação e auditoria de produtos. Assegurar a consistência na seleção de tecnologias da empresa, de forma que a acessibilidade possa acontecer. Integrar, treinar e gerenciar as múltiplas equipes de desenvolvimento, definindo melhor deveres e responsabilidades.

Entre as vantagens: motivação para se criar produtos de melhor qualidade, melhoria nos processos internos, incentivo na colaboração entre equipes e prazer dos envolvidos em gerar uma web mais inclusiva que possa beneficiar um número maior de pessoas.

Outros Destaques

A conferência contou com apresentações sobre acessibilidade na mídia móvel (leis, padrões, criação de apps, Responsive Design), experiências de testes, avaliação e relatório de acessibilidade em web sites, estratégias para a produção de multimídia acessível e cursos à distância acessíveis, entre outros assuntos.

Concluindo, o congresso mostrou que muito precisa ser feito. Mãos à obra!

* Lucy Gruenwald é consultora e palestrante com o tema Acessibilidade Digital. É sócia proprietária da LBG Informática (www.lbgacessibilidade.com.br)

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