Jogo de empurra-empurra entre duas escolas estaduais de Rio Preto deixa há três meses uma aluna de 15 anos sem estudar. Beatriz (nome fictício) tem deficiência intelectual e este ano ainda não frequentou as aulas. Motivo: nenhum dos dois colégios aceitou sua matrícula. O drama da família começou quando a dona de casa Osmarina Garcia da Silva Campos, 47, tentou fazer a rematrícula da filha na escola Darcy Federici Pacheco, na Vila Elmaz. Depois de cinco tentativas, a mãe afirma que foi informada pela direção de que a filha seria transferida por causa da dificuldade de aprendizagem e mau comportamento.
“A diretora me entregou o papel da transferência e disse que não poderia aceitar mais minha filha porque ela não estava conseguindo acompanhar os estudos. Afirmou que ela tinha um comportamento agressivo e que a escola não tinha estrutura boa para atender um aluno com esse perfil. Ela tem problema sim, mas não é expulsando que vai resolver”, diz a mãe. A transferência compulsória é proibida e infringe o Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo Stela Atanázio, do Conselho Tutelar Norte. “A escola transferir sem o pedido dos responsáveis é o mesmo que expulsar o aluno. Não pode. A mãe deve fazer boletim de ocorrência e nos procurar.”
Osmarina foi orientada pela direção da Darcy a procurar a escola Maria de Lourdes Murad de Camargo, no Bosque da Felicidade, porém a direção do colégio informou que não havia vagas no nono ano, série de Beatriz. “Simplesmente ficaram empurrando minha filha. E nesse jogo todo ela foi a principal prejudicada porque está há três meses sem aula.” Segundo a mãe, Beatriz nasceu de cinco meses, por isso ficou com dificuldade de aprendizagem. Ela é uma dos 767 alunos com algum tipo de deficiência matriculados na região de Rio Preto. Mesmo aos 15 anos e no nono ano, ela ainda tem dificuldades para ler e escrever. “Os professores não têm paciência e sem ajuda não consigo aprender”, diz a jovem.
A direção da Darcy Federici Pacheco afirmou que não está preparada para atender alunos com dificuldades de aprendizagem. Alega não possuir sala de recurso, criada pelo Ministério da Educação para complementar o ensino no período oposto ao das aulas de estudantes com problemas como transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades (superdotação). A direção, porém, nega que tenha deixado de oferecer a vaga. Já a diretora da escola Maria de Lourdes Murad de Camargo, que se identificou como Lucy, disse que desconhecia o pedido de vaga para Beatriz, mesmo a mãe afirmando à reportagem ter ido e ligado na escola com objetivo de matricular a filha.
Estado diz que achou vaga
Só depois de a reportagem entrar em contato com a Secretaria de Educação Estadual, uma vaga foi oferecida a Beatriz. A mãe dela, dona Osmarina, recebeu uma ligação da Diretoria de Ensino de Rio Preto na manhã de ontem pedindo que ela comparecesse hoje à escola Maria de Lourdes de Camargo para matricular a filha. “Ela não vai voltar para a mesma escola, mas pelo menos poderá voltar a estudar. Todas deveriam ter estrutura para receber alunos com dificuldade”, disse.
Por meio da assessoria de imprensa, o Estado informou que o caso de Beatriz “foi um mal entendido”, que ao final do ano passado a equipe gestora da unidade solicitou que os pais da aluna fizessem um maior acompanhamento de sua vida escolar. Disse que foi oferecida sala de recurso para apoio na escola Maria de Lourdes, “o que não impedia que ela mantivesse os estudos na unidade em que ela já estava matriculada”.
Educação inclusiva é saída
A educação inclusiva é a melhor forma de aprendizagem para alunos com deficiência e um método de acabar com os preconceitos que eles sofrem. Essa é a opinião da pedagoga Carla Mauch, coordenadora geral da Mais Diferenças, associação paulista que trabalha com a inclusão na educação e cultura. De acordo com ela, muitas escolas públicas tem feito bons trabalhos na área de inclusão, mas ainda é preciso investimentos e gestão. “Para uma política de educação de qualidade para todos falta implementar muita coisa. Hoje a crise na educação é uma realidade para todos”, disse.
Ainda segundo a especialista, as salas de recurso são importantes ferramentas para começar a mudar essa realidade, portanto deveriam existir em todas as escolas. “Para fazer esse processo de suplementação e de trabalho articulado com família, atendimentos na área de saúde, entre outros”, afirmou Carla.