Professores exclusivos e educação inclusiva. É possível a combinação?

Em todo o Brasil, crescem os casos de alunos com deficiência (especialmente intelectual) que recebem – por ordem judicial – o “apoio” de professores exclusivos. Mas isso será positivo? Quem, afinal, está sendo beneficiado em práticas como essa?

Pontos de interrogação.

Por Lucio Carvalho *

Apesar de que a educação inclusiva balize há alguns anos já a política nacional de educação especial e a própria legislação preveja, através da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o desenvolvimento de sistemas educacionais inclusivos, ainda há muita discrepância entre ideia e prática. E também de uma realidade para a outra.

A educação inclusiva, embora parta de uma construção teórica, não pode sustentar-se absolutamente como ideia. É preciso que ela ganhe formato, práticas e condutas. No cenário pedagógico brasileiro, ganha força a ideia de que o aluno com deficiência deve ser assistido individualmente, oferecendo-se “proteção” em detrimento de oportunidades de desenvolvimento de sua autonomia, talvez sem que se perceba que a conduta pode estimular um efeito indesejado, o do isolamento. Famílias têm recorrido ao poder judiciário exigindo a presença do “professor exclusivo” e, de sua parte, o judiciário tem acatado esse tipo de demanda, conforme foi noticiado no portal UOL Educação recentemente.

O caso da reportagem, entretanto, é apenas um entre tantos. Não há estimativas oficiais, mas este é um número que não para de crescer, principalmente entre escolas particulares.

Esta seria uma das formas encontradas para que os sistemas educacionais pudessem, supostamente, suportar a ideia da educação inclusiva no interior de seus muros. E também seria forma de aplacar a ansiedade das famílias, pois a presença de um professor exclusivo representaria, ao menos em tese, um fator de segurança. A questão é entender por que o ambiente escolar e os próprios contextos educacionais não podem por si só oferecer essa segurança. Então, nesse ponto, talvez seja possível começar a responder aquela pergunta inicial, sobre os reais beneficiários da prática.

Diretamente, através do recurso (muitas vezes cobrado ilegalmente das famílias), a escola esquiva-se de criar condições realmente inclusivas, porque a inclusão não é uma ideia, mas uma prática. Ninguém estuda e convive numa ideia, mas apenas numa relação de transferência social. Essa perspectiva, entretanto, parece ainda muito distante da realidade. Dessa forma, desconsidera-se o fato de que outros alunos, sem deficiência, também têm dificuldades que (por que não?) mereceriam o mesmo tratamento. Mas o traço distintivo da deficiência é ainda poderoso e é bem mais confortável isolar e identificar “um” problema que tratar de contextos sociais.

Mas quem, afinal, corre perigo com a presença de um aluno com deficiência no ambiente escolar? A resposta pode ser multivariada, e com certeza haverá opiniões discordantes nesse sentido, mas parece claro que a situação expõe uma grande fragilidade, tanto dos sistemas educacionais como do de garantias legais, em compreender e assimilar que a deficiência não deve nem pode ser resolvida no indivíduo, mas apenas pelo encontro de interesses em promover-se ambientes sociais favoráveis ao aprendizado e convívio entre todos.

* Coordenador-Geral da Inclusive – Inclusão e Cidadania

8 Comments

  1. Olá.
    Sobre o texto “Professores exclusivos e educação inclusiva. É possível a combinação?”, discordo do autor em seu pensamento de que o Professor de Apoio seria contratado para proteger alguém. Não se trata disso. A função do professor de apoio não é proteger a pessoa com deficiência, a não de um ensino que não contempla as suas necessidades. É muito óbvio que no sistema educacional brasileiro, em que um professor deve atender a uma sala com, em média, 30 ou mais alunos,o ensino fica a desejar para qualquer um desses. Porém, no caso das crianças com deficiência intelectual ou TGD,o caso é muito mais sério. Elas têm dificuldades que são inerentes da sua condição biológica. Se não houver alguém que esteja muito próximo delas para as auxiliarem na compreensão/interpretação dos conteúdos escolares, aí sim, elas estarão excluídas da oportunidade da aprendizagem. Quem conhece de perto essas crianças sabe o quanto é necessário a atuação desse professor.
    Ajudá-los a pensar, a tomar conhecimento dos conteúdos historicamente produzidos pela humanidade, não é dar-lhes autonomia? Ter acesso, por meio da leitura, não é preconizado como o melhor meio para se ter conhecimento do mundo?
    Penso que, agora, sim, essas práticas,essas condutas, tomadas à partir das especificidades apresentadas por essas crianças, são justas para promover a sua inclusão e promover o seu direito ao saber escolar.
    O autor fala de “práticas realmente inclusivas”. Quais seriam, em sua opinião, essas práticas dentro do sistema educacional atual?
    A inclusão “idealizada”, em que o professor “tem tempo e formação” para atender a todos os alunos está longe de se concretizar. Seria necessário uma reformulação do sistema educacional que, certamente, levaria muitos anos, pois, pois o ideal seria que o professor atendesse de 12 a 15 alunos. Isso demandaria a construção de escolas, que como sabemos, não se faz da mesma maneira que os estádios de futebol, nem se tem a mesma pressão dos “maiorais” para que isso ocorra. Tampouco a ideia de inclusão
    é “enfiada” goela abaixo do professor, para que este a internalize e faça
    parte de seu ser. Pode ser que, nessas condições, já não haja mais a necessidade do professor de apoio, pois o seu trabalho “talvez” possa ser realizado pelo professor regente.

  2. Gostei do texto, mas a reportagem não ajudou muito. Sem dúvida professor exclusivo é indesejável. Sabemos de muitas práticas pedagógicas mais participativas, mas o modelo atual não favorece a inclusão. É uma oportunidade desperdiçada por um projeto covarde e uniformizador. A maioria dos casos que conheço o professor auuiliar é uma muleta, mais atrapalhando o espírito coletivo que ajudando a incluir o aluno.

    Julia

  3. Oi Maria do Carmo

    Entendo e respeito sua preocupação, mas acredito que seja necessário avaliar com cuidado tanto os termos “auxiliar”, “de apoio” e “exclusivo” quanto esclarecer os limites de sua atuação.

    Com respeito às formas de atuação mencionadas, acredito que elas existem realmente e que muitas pessoas desejam e aprovam essa conduta. Contudo, esse modelo de atenção individualizada não deveria ser exclusividade de alunos com deficiência, mas de todos os que tem dificuldades. Seria complicado imaginar uma sala de aula com 30 alunos e 30 professores, por exemplo, mas não vejo porque os demais não possam gozar da mesma prerrogativa. Nessa perspectiva e cenário, usar o termo “inclusivo” parece um pouco sem sentido.

    Não me parece que a educação inclusiva deva ser um modelo unidirecional (dirigido a sanar as dificuldades do aluno ‘problemático’), mas um projeto de envolvimento social. Concordo que esse é um cenário bastante remoto aind dados os objetivos educacionais em vigor no Brasil, mas tampouco penso que possa ser utilizado o termo “inclusivo” sem que os contextos sociais e pedagógicos sejam redimensionados sob outros parâmetros, que não aqueles que visam a concorrência, vestibulares ou, por outro lado, o rumo ao analfabetismo funcional e outros graves problemas decorrentes de um modelo educacional bastante problemático.

    De qualquer forma, se a única forma de viabilizar a educação inclusiva seja atavés da presença massiva de professores “exclusivos”, talvez a denominação, pelo menos, deva ser alterada. E o quanto antes, a fim de não enganar ninguém.

    Um abraço
    Lucio Carvalho

  4. É isso aí, professor de apoio, mediador e etc não devem substituir o professor regular, senão a inclusao vira brincadeirinha, ningupem se incomoda e nada muda na escola. Se é assim como a Maria do Carmos diz, o aluno pode ficar até em casa com professor particular.

    André

  5. Olá Lúcio,
    Agradeço sua colocação. Estamos às voltas com a solicitação de um auxiliar e meu questionamento é exatamente este, se faz sentido numa escola que está lidando com inclusão existir a necessidade de um auxiliar, que terá que ser pago pela família, e você coloca que é ilegal. Gostaria, se pudesse, de dar indicação de qual caminho podemos seguir para exigir esse direito. Penso, no limite, em educação domiciliar. Abraços

    1. Olá Conceição

      Bem. O texto diz respeito a figura do professor “exclusivo”. Aquele que irá atender exclusivamente um aluno no universo de uma sala de aula. A cobrança na rede privada não é ilegal, embora haja projetos de lei visando criminalizar a prática. Mesmo assim você pode ir à justiça, principalmente se seu filho está numa escola privada. Se está na rede pública, a legislação estadual varia bastante, há estados que já preveem não o professor “exlcusivo”, mas um professor “auxiliar” que trabalha com grupos de alunos. O judiciário tem normalmente favorecido os pedidos das famílias, havendo grande jurisprudência nesse sentido. Também há escolas privadas que oferecem sem ônus esse tipo de serviço, mas não por uma regra legal, apenas por um decisão administrativa.

      Espero ter ajudado
      Abraço
      Lucio Carvalho
      Equipe Inclusive

  6. Concordo com o texto. Tive na minha escola a experiência de um professor denominado “auxiliar” que no contexto da inclusão somente excluiu o aluno.Esse profissional era um cuidador de fato do aluno, quebrando um trabalho de anos realizado com o mesmo de autonomia.Revisto e em muito bem argumentado consegui mudar este ano o trabalho realizado. Tenho o mesmo pensamento que esse profissional tem que atender á todos, não somente o aluno com deficiência.

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