Por Lucio Carvalho *
Vítima usual de esperanças corrompidas e de sonhos espatifados, dos serviços públicos a educação é o mais caluniado, trapaceado, furtado e fraudado entre todos. Dependente de utopias perpétuas e calcada na realidade cruel do sucateamento e do abandono, nenhum outro assunto dos campos político e social me causa tanta tristeza quanto a educação pública.
O efeito prorrogativo do recém aprovado Plano Nacional de Educação – PNE bem que poderia ser mais que a confirmação de que, do ponto de vista político, era fundamental arrastar o assunto durante anos nos corredores dos poderes brasilienses para, depois de aprovado, talvez resultar em coisa nenhuma no período pós-eleitoral, com recursos soterrados em outra ilusão eleitoreira: a do petróleo que talvez um dia seja explorado por remotas empresas chinesas e indonésias no pré-sal brasileiro.
Há poucos dias um amigo próximo tentava me dizer que, na sua opinião, o maior mal que atacaria a educação pública brasileira seria a doença do descrédito político e do desdém social. Fiquei tentado a concordar com ele de imediato e, mentalmente, um grupo de outras doenças começaram a agregar-se nesse CID sombrio. Disse-lhe no mesmo momento que substituiria sem crises de consciência o termo “descrédito” por “desonestidade”. E que talvez aquilo que vimos como doença fosse na verdade sintoma. É que talvez o quadro geral seja ainda mais grave.
Eu gostaria muito de interpretar como fontes de esperança movimentos e iniciativas nascentes em torno do tema, mas confesso minhas dificuldades. Desde os “românticos conspiradores“, passando pelos envolvidos no documentário “Quando Sinto que Já Sei” e até ao mais recente manifesto em prol da qualidade e destinação de investimentos na educação, o assim chamado “Mapa do Buraco“, parece que haveria razões de sobre para que a balança pesasse mais para o lado da esperança.
Mas é que do outro lado, na outra bandeja do instrumento, estão os relatórios da CGU sobre a gestão fraudulenta do FUNDEB, os escândalos de desvio de verbas da merenda escolar, os investimentos que são anunciados em eventos solenes que custam aos cofres púbicos quase o mesmo que o seu montante final e números condenados a morrer em planilhas remotas, sem nunca sair dali. Sem falar no pior, a impunidade de gestores e políticos criminosos e congêneres.
Tudo fica ainda mais fácil de compreender quando há culpados imediatos a apontar pelo desastre social e histórico. São os professores, evidentemente. E, ao procurar-se desvincular a questão remuneratória da qualidade final do ensino, eu só posso concluir que as pessoas acreditam que se trata de uma profissão de fé, que salário pouco importa. Que é o que importa é o “autêntico” amor ao pó de giz.
É claro que o argumento acima é, além de desonesto, apelativo. Mas é o mais corriqueiro entre todos quando o assunto o magistério público une-se ao senso comum ou formadores de opinião tendenciosos, opiniáticos e que, de preferência, tratam do tema por força de imaginação ou contratos de consultoria ao invés de contato real e conhecimento efetivo. Primo desse argumento, encontra-se a falácia de que no Brasil professor trabalha pouco, já desmentida em pesquisa da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Mas, ao que tudo indica, a informação é irrelevante. E a ladainha continua.
Diante ao período de eleições que logo estará aí, talvez seja um exagero esperar que os candidatos apresentem propostas concretas sobre a educação pública. Mais uma vez o PNE presta o desserviço, pois relega a uma abstração orçamentária uma necessidade premente da sociedade, além de retirar a obrigatoriedade dos candidatos a tratar com seriedade do assunto e perpetuar o já bem conhecido jogo de empurra e transferência de responsabilidades. Com o Censo Escolar 2013 em mãos e seus dados aterradores (seria bom ver a situação das bibliotecas escolares, por exemplo, mas basta os dados sobre saneamento básico nas escolas), era de se esperar bem mais da classe política, inclusive do atual governo. Talvez em mais 16 anos possa-se mais do que isso. Essa, pelo menos, é sua esperança e cartada política.
Evidentemente que se algum candidato levantar a ideia de promover a triplicação do salário dos professores e reduzir a um terço o número de alunos em sala de aula, você deve desconfiar de demagogia e votar noutro, mesmo que seja essa a única solução real e concreta para o assunto. Mas isso talvez continue sendo matéria da esperança ou da fantasia e não do real como ele é. Sem isso, é de pensar seriamente em que tipo de ilusão tem em mente a ex-secretária da Educação Básica do MEC (Ministério da Educação) Maria do Pilar Lacerda, ao sugerir que a classe média retorne à rede pública num movimento espontâneo.
Por mais nobre que pareça, só o que faltava mesmo era empurrar às famílias esse dever quando o mais óbvio seria o de favorecer isso antecipadamente, criando-se condições sociais adequadas, já que o dever de procurar o melhor para os seus filhos – de acordo com os próprios critérios de cada família – é imperioso e nem precisa maiores explicações. O fato concreto é que a contrapartida está ruim. E por mais mapas e propostas que surjam para deixar isso claro, é sempre duro admitir a concretude e dureza da realidade. Com o sucesso econômico do país cada vez mais atrelado a expansão do consumo, o cenário é nebuloso como as promessas eleitorais. Resta tirar o PNE do papel e fazer o melhor possível, como recentemente afirmou Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação, mesmo que isso signifique comprometer o pré-sal e outras esperanças. Mas disso parece que todos já estamos diplomados. Infelizmente, esse é um processo educativo que no Brasil não costuma falhar.
* Coordenador-Geral da Inclusive – Inclusão e Cidadania (www.inclusive.org.br) e autor de Morphopolis (www.morphopolis.wordpress.com).