Pessoas com deficiência e eleições 2014: balanço e perspectivas

Livro aberto

Por Inclusive – Inclusão e Cidadania

A eleição de 2014 é página virada da história nacional. Seu resultado final é bem conhecido de todos, nesta que tem sido apontada como a eleição mais disputada desde a redemocratização do país. A candidata Dilma Rousseff, do PT, reelegeu-se para um novo mandato de 4 anos com 54.499.901 votos. Disputando o segundo turno contra o candidato Aécio Neves, do PSDB, que levou 51.041.010 votos, a presidente Dilma Rousseff levará o PT a um governo que completará 16 anos em 2018.

Embora haja alguma discordância metodológica (ver aqui), os mais recentes dados do IBGE apontam que cerca de 24% da população (45.000.000) declaram ter algum tipo de deficiência ou limitação funcional. Mesmo que em tais números exista também a previsão de uma margem de erro estatística, não é mais possível pensar nessa parcela da população como uma minoria, sem que isso signifique demérito a qualquer outra minoria.

Ainda assim, ficou claro para os eleitores com deficiência que, desde o primeiro turno das eleições, seus direitos e preocupações pouco coincidiam com o que pensavam e propunham os candidatos à presidência. Isso quando chegavam a propor ou, pelo menos, a expressar isso em seus programas de governo. A Inclusive, desde aquele momento inicial das eleições, preocupou-se em entender o que acontecia e em alertar a sociedade e aos próprios candidatos quanto a essa pouca atenção. Assim, em agosto, publicamos uma análise preliminar de seus programas de governo (ver aqui), apontando os pontos fortes e fracos dos programas e divulgando amplamente via internet.

No segundo turno, quando restaram as candidaturas de Dilma Rousseff e Aécio Neves, a temática não ganhou maior destaque, nem na mídia e nem na propaganda eleitoral. Do lado da candidatura do PT, toda a propaganda eleitoral centrou-se no Plano Viver Sem Limite. Vale entender por “toda” uma única aparição no programa televisivo e uma menção pontual em um programa de governo, finalizado apenas a poucos dias da eleição. Por seu turno, o candidato Aécio Neves muito pouco tratou do tema durante o período de propaganda eleitoral, apesar de tê-lo trazido à tona no último debate entre os candidatos, ao elaborar uma questão à adversária (ver aqui). Infelizmente, a oportunidade serviu mais para demonstrar publicamente como ambos os candidatos detinham uma compreensão bastante limitada do assunto, subordinando-o e vinculando-o mais às questões de assistência do que de direitos humanos, inclusão social e cidadania, além de demonstrarem desconhecimento dos preceitos legais em vigor.

Já dado o resultado final, é tarefa das mais fáceis concluir que o governo federal pretenderá nos próximos 4 anos dar continuidade ao Plano Viver sem Limite. Ainda assim, há que se considerar uma série de demandas e expectativas sociais do segmento que têm obtido atenção apenas relativa do governo. A Inclusive preparou um levantamento de algumas destas questões para estimular o debate entre todos os interessados, bem como apontar à presidente reeleita e seus assessores e colaborar na busca de soluções e alternativas, envolvendo, na medida possível, as instituições de Estado, meios de comunicação, entidades do movimento social e cidadãos de um modo geral.

Segue uma lista de sugestões, a maioria não onerosa, mas dependente de empenho e investimento políticos.

Publicidade/Divulgação

Campanha de divulgação da Convenção

A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada em 2008/9 como norma constitucional, e a robusta legislação de interesse das pessoas com deficiência ainda são bastante desconhecidas da maioria das pessoas com deficiência, servidores públicos, juristas, além do público em geral. Urge uma abrangente campanha para difusão do tema. O Ministério Público do Rio Grande do Norte foi pioneiro a realizar campanha de divulgação da Convenção, em 2013.

Divulgação dos editais com recursos

A tímida e ineficiente forma como estão sendo difundidas as informações relativas a apoio a projetos tem feito com que verbas destinadas a importantes áreas não estejam sendo utilizadas. Exemplo disso é o Programa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva, parte do Plano Viver sem Limite, que tem como objetivo apoiar o desenvolvimento de produtos, metodologias, estratégias, práticas e serviços inovadores que aumentem a autonomia, o bem-estar e a qualidade de vida de pessoas com deficiência, que foi praticamente ignorado. O programa destinava R$ 60 milhões em linhas de crédito nas modalidades de recursos não reembolsáveis entre 2012 e 2014 para projetos de universidades e R$ 90 milhões em crédito subsidiado com juros de 4% ao ano entre 2012 e 2014 para projetos de inovação de empresas do setor de Tecnologia Assistiva. Segundo o Observatório do Plano Viver sem Limite (ver aqui), criado pelo governo, na Chamada de 2011, dos R$ 20 milhões disponíveis, apenas R$ 6,9 milhões foram pagos; da Seleção de 2012, de R$ 20 milhões só R$ 3,9 milhões foram aprovados, e em durante 2013, quando seriam destinados mais R$ 20 milhões, não houve projetos aprovados. Não há informações no Observatório sobre 2014. Da mesma forma, não são divulgados aos interessados quais projetos foram aprovados e quais seus resultados práticos para a melhoria da qualidade de vida para as pessoas com deficiência.

Direitos e benefícios

É necessária maior divulgação dos benefícios às pessoas com deficiência que já existem e funcionam, mas não são amplamente conhecidos, tais como a prioridade em filas, o passe livre interestadual, o BPC, a possibilidade de acumular o BPC e o salário de Aprendiz durante dois anos, o direito à educação inclusiva em escolas regulares e AEE (Atendimento Educacional Especializado proporcionado pelas escolas ou entidades conveniadas no contraturno das aulas), entre outros. Por exemplo, muitos eleitores cegos ou com baixa visão desconhecem que podem votar com autonomia, por meio de um fone de ouvido que pode ser ligado a qualquer urna eleitoral, desde que sua seção eleitoral seja avisada da condição de deficiência com antecedência (saiba mais).

Publicidade governamental inclusiva

Na administração Lula, foi prometido pelo então Secretário de Comunicação Social Franklin Martins, que a Pasta faria um esforço para incluir as pessoas com deficiência como personagens de peças de propaganda pública em anúncios não necessariamente ligados à deficiência. Seria uma forma de induzir no senso comum a ideia de pessoas com deficiência como membros da sociedade. Ao mesmo tempo estaria se abrindo um mercado de trabalho para atores e atrizes com deficiência, além de induzir o mundo publicitário a fazer o mesmo. O então ministro sugeriu ainda levar o assunto a reunião da Associação Brasileira de Propaganda. A mesma ideia poderia ser estendida a outras minorias.

Regras de acessibilidade na comunicação

Conforme a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, toda forma de comunicação deve ser acessível a todas as pessoas. Isso quer dizer que devem ser garantidos recursos como janela de Libras (surdos que utilizam língua brasileira de sinais), legenda (surdos oralizados), audiodescrição (cegos e pessoas com baixa visão) e linguagem fácil (pessoas com deficiência intelectual). É importante ressaltar que estes recursos contribuem para a facilitação de compreensão das mensagens por parte de outros grupos, como pessoas idosas, quem não lê ou tem baixo letramento, imigrantes, disléxicos e crianças, entre outros. Importante ressaltar que em ocasiões de grande relevância nacional, como por ocasião de quase todos os pronunciamentos da senhora presidenta, durante seu primeiro mandato, nenhum destes recursos foi utilizado, num claro desrespeito do direito à informação dos cidadãos com deficiência.

Acessibilidade

Ministério das Cidades

A prometida Secretaria de Acessibilidade no Ministério das Cidades acabou ficando apenas como diretoria/departamento, mas não apresentou metas e não mostrou resultados. Ao menos no site, não há ações programáticas em acessibilidade. Do Departamento deveriam vir os programas novos, que não chegaram, apesar de suas atribuições, listadas abaixo:

Departamento de Políticas de Acessibilidade e Planejamento Urbano

Competências

X – propor diretrizes, programas e ações para promoção da acessibilidade arquitetônica e urbanística;
XI – analisar e propor instrumentos para garantir a acessibilidade das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida;
XII – implementar mecanismos para o financiamento das políticas públicas de acessibilidade arquitetônica e urbanística;
XIII – promover e estimular estudos e pesquisas na área de acessibilidade arquitetônica e urbanística e desenho universal;
XIV – estimular a incorporação dos critérios de acessibilidade arquitetônica e urbanística e desenho universal nos planos diretores municipais, planos diretores de transporte e trânsito, códigos de obras, códigos de postura, leis de uso e ocupação do solo, leis do sistema viário e estudos prévios de impacto de vizinhança, conforme a legislação e as normas técnicas brasileiras de acessibilidade;
XV – difundir as normativas de acessibilidade arquitetônica e urbanística junto aos demais órgãos federais, aos órgãos municipais, estaduais e do Distrito Federal; e
XVI – analisar e propor instrumentos para garantir a acessibilidade nos programas urbanos, em consonância com as políticas de acessibilidade, habitação, saneamento e mobilidade urbana, em articulação com o Conselho das Cidades.

Transporte

Além das dificuldades de locomoção terrestres e aquaviárias já bem conhecidas, também a relação empresas aéreas e clientes com deficiência vem se desgastando rapidamente. Parte disso decorre da atitude fraca da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (SNPD) na discussão e apoio que oficialmente deu às empresas na redação da última resolução ANAC. A SNPD aceitou tudo que não poderia ter feito. Os usuários de cadeiras de rodas estão perdendo a coragem de viajar. Além de não haver equipamentos suficientes para embarque adequado de pessoas com mobilidade reduzida nos aeroportos (ambulifts), provocando atrasos e constrangimento, as companhias aéreas têm repetidamente danificado as cadeiras dos passageiros. Cadeirantes têm tido que levar ferramentas para o reparo de suas cadeiras, de tão triviais que se tornaram as avarias e as agressões a elas, decorrentes do deslocamento. Isto equivale praticamente a incapacitar uma pessoa, já que o passageiro fica privado de seu direito de ir e vir. Também não está sendo respeitada a lei que concede passagem para acompanhante de passageiro com deficiência, no caso de pessoas em condições financeiras vulneráveis.Empresas de aviação, como a Gol, fazem publicidade de que são boas prestadoras de serviços a pessoas com deficiência, portanto, pelos diversos incidentes ocorridos com as cadeiras caberia uma ação no CONAR (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) por propaganda enganosa, além de queixa no PROCON. Infelizmente, a capacitação continuada que era feita anteriormente nos aeroportos pela Infraero aparentemente acabou. Sem isso e sem que as oportunidades de capacitação e treinamento sejam estendidas a terceirizados e todos os envolvidos, o serviço prestado continuará deixando a desejar.

Gestão

Comitês pró-inclusão em Ministérios e órgãos públicos. – A exemplo do Itamaraty, que instituiu Comitê para a Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, outros órgãos públicos e mesmo privados poderiam ser incentivados a fazer o mesmo. O objetivo é favorecer e acelerar o estabelecimento de mecanismos para a promoção dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência. No caso do Itamaraty, o Comitê é responsável pela elaboração do Plano de Trabalho para a Acessibilidade e Inclusão, tanto localmente como nos postos fora do Brasil. No plano, são propostas medidas que facilitem a inclusão de pessoas com deficiência, seja com respeito à garantia da acessibilidade, sensibilização e capacitação de funcionários e na consulta em processos de seleção de servidores com deficiência, entre outras.

Transparência

Auditoria

Em relação ao Plano Viver sem Limite e respectivos convênios com entidades da sociedade civil seria importante haver maior transparência quanto ao destino e aplicação dos recursos distribuídos, com divulgação de dados auditados pelo Tribunal de Contas da União ou auditorias independentes. Também caberia igualmente às organizações da sociedade civil empenhadas em avaliar os programas de governo e elaborar indicadores que submetessem igualmente seus dados a exame externo, em parcerias com órgãos de controle e também com o legislativo.

Relações com a sociedade civil

Com as relações governamentais com a sociedade civil ocorrendo basicamente através do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – CONADE, seria interessante observar como tem ocorrido o sombreamento de funções entre representações do governo e da sociedade, evitando-se na medida do possível o estabelecimento de relações desiguais, tendo-se em vista a legislação que aborda os conflitos de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e respectivos impedimentos (Lei 12.813/2013).

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