Por muito tempo acreditei, ou quis acreditar, ou me fizeram crer (difícil saber ao certo) que os principais problemas da educação inclusiva no Brasil seriam o despreparo e a falta de experiência dos professores. Santa ingenuidade, Batman.
Por Lucio Carvalho *
Por muito tempo acreditei, ou quis acreditar, ou me fizeram crer (difícil saber ao certo) que os principais problemas da educação inclusiva no Brasil seriam o despreparo e a falta de experiência dos professores. Santa ingenuidade, Batman. Só hoje consigo compreender que o “preparo” e a “experiência” tanto podem representar pontes desejáveis quanto armadilhas quase irreconhecíveis nos caminhos tortuosos ou retilíneos da educação e do aprendizado dos alunos com deficiência, especialmente daqueles com deficiência intelectual.
É que o atributo da experiência, mesmo que para uns signifique aprendizado, para outros tantos significa apenas acúmulo. E o acúmulo de más experiências e baixas expectativas pode ter um resultado pior que a encomenda, ou seja, pode colaborar em compreensões e abordagens pré-estruturadas e negativas dos indivíduos, no caso os alunos.
Assim, não é incomum encontrar-se professores que alimentam a crença de que seus alunos podem ser tomados genericamente com base em um CID ou diagnóstico e que, portanto, basta replicar possíveis fórmulas de sucesso e evitar previsíveis receitas de fracasso para que as coisas aconteçam. Vã ilusão. Cada ser humano é inesperado e enquanto pensarmos que é possível encaixotá-los em categorias da “diversidade” não avançamos além da rotulagem mais do que imaginamos, quando não apenas se está a reforçar ainda mais, mesmo que de uma maneira aparentemente democrática, a bem conhecida estigmatização.
Por mais estranho que pareça, sempre tive melhor (no meu caso pessoalíssimo) sorte com professores despreparados. É sério, não é piada. Não faço piada sobre esse tipo de assunto porque realmente às vezes é difícil distingui-la de algumas coisas, novidades, cursos, eventos, publicações e teorias que parecem muito sérias, mas que na prática nem sempre são tão sérias e aproveitáveis assim. Não vou citar nomes aqui não por uma questão de respeito ou indulgência, mas porque há muitas sobre as quais ainda tenho muitas dúvidas e se encontram sob investigação.
Das muitas vantagens de um professor despreparado, eu citaria rapidamente a principal delas: um professor despreparado tem muito menos preconceitos e ideias errôneas em mente que aqueles que optaram por uma compreensão unidirecional dos processos de construção/aquisição/elaboração/ou seja lá o que for do conhecimento. Ele está aberto a surpresas enquanto o “preparado” predominantemente imagina que já sabe o que vai encontrar, carregando na sua compreensão e práticas muitas vezes mais os quilogramas de conceitos e preconceitos disponíveis no mercado de ideias que o mínimo indispensável ao ofício: amor e respeito às crianças pelo que elas são.
Essa vantagem poderia ser suficiente para encerrar minha argumentação, mas ainda há outras de que não posso esquecer. O professor “despreparado”, por exemplo, pode afeiçoar-se pelos alunos individualmente (ou seja, suas pessoinhas) enquanto os “preparados” lidarão sempre com categorias de alunos. Os “inexperientes” procurarão entender o percurso individual do aluno de uma forma natural, já o “experiente” poderá tentar empilhar o sujeito (ou sujeitinho) em alguma camada do seu know-how prévio. E, glória das glórias, o “experiente e preparado” poderá tentar repetir fórmulas indefinidamente, enquanto que o “despreparado” será sempre obrigado a procurar caminhos e alternativas, instigando-se a si mesmo, o que é uma característica das mais desejáveis para a profissão.
Então quero dizer com isso que não existe preparo adequado ou ganhos pela experiência que sejam possíveis? Claro que não quero dizer isso. Mas então.. eis a pergunta que não quer calar: como saber? Não sei. Realmente não sei. Se eu dissesse que sei então estaria incorrendo no mesmo erro que acabo de condenar, que tenho a fórmula, como se alguém pudesse ser ou portar-se como uma agência de certificação, não que algumas pessoas não tentem ser um tipo de oráculo educacional. Definitivamente, os há. E como! Demasiado até, no meu ponto de vista.
Quero dizer com isso que um professor despreparado fará melhor trabalho que um mais preparado? Também não sei. Não tenho como saber. Fazê-lo seria aplicar a mesma regra com que muitos professores empregam a seus alunos, encaixotando-os e rotulando-os. Não é disso que se trata. Estou pensando e falando sobre comportamento real, não sobre teoria ou literatura científica.
O que eu quero dizer essencialmente para pais como eu, de crianças pequenas que dependem muito de uma comunicação indireta ou mediada por profissionais externos para revelar seus problemas e progressos, é que encontrar um professor “despreparado”, mas realmente dedicado e interessado, pode ser em muitos casos a verdadeira sorte grande, com quem será possível aprender e compartilhar para um mútuo proveito.
E também que, infelizmente, encontrar um professor “preparado” e “experiente” ou tudo isso conjugado nem sempre é garantia de coisa alguma, não cabendo, ressalte-se, tomar isso como regra. É claro que a soma de boas experiências e boa fundamentação teórica é o substrato ideal para que um professor encare satisfatoriamente a sua tarefa, embora haja muitas coisas a considerar também, desde a questão salarial, suporte, recursos adequados e espaços reais de colaboração com as famílias, que são os interessados finais no processo todo, afinal de contas.
Longe de mim querer ser ou parecer ser o agente da “intranquilidade”, mas de certo modo é exatamente disso que se trata. É claro que as metodologias de ensino são importantes e tudo o mais, mas igualmente é necessário restabelecer um pouco de espanto, surpresa e curiosidade no processo educacional como um todo, sob pena de que ele resulte artificial e com pouquíssimos atrativos, especialmente em se tratando do público infantil.
A infância, como sabemos, é um momento único na vida. Para os pais e mães de crianças pequenas – e nesse ponto se são crianças com deficiência intelectual ou não isso pouco importa -, seus filhos não podem ser resumidos em oportunidades ou experiências de maior ou menor sucesso escolar, mas constituem e integram efetivamente suas famílias e, através da escola, eles esperam apenas que ela os ajude a pertencer dignamente à sociedade. Se o preparo e a experiência conspirarem a favor dos alunos, então está tudo ótimo e há pouco a melhorar. Caso contrário, talvez seja interessante convidar os educadores a restituírem pelo menos um pouco a importância da dúvida para a constituição do saber. E isso não requer tanto preparo quanto, talvez, um pouquinho mais de boa vontade.
* Coordenador-Geral da Inclusive – Inclusão e Cidadania.
Excelente, Lúcio! Na minha experiência como professora, vejo que as escolas com profissionais “despreparados” para receber os alunos alcançam um resultado muito superior às escolas que já se dizem inclusivas e, portanto, já “preparadas”. Claro que estou falando do que já vi e vivi no magistério e não da totalidade das escolas ditas inclusivas. Mas a acomodação dos que pensam já saberem tudo é terrível! O grande barato da educação, eu acho, é aquela alegria de estar sempre experimentando o novo, porque cada aluno, com ou sem deficiência, sempre será único e diferente e a gente vai ter sempre que se virar, aprendendo um pouco mais para lidar com o novo que sempre vem e também aprendendo bastante com cada um dos alunos que passam por nós. A escola é local de convivência e aprendizado para todos, sempre. Como na vida aqui fora.
Sobre o Tema O indispensável despreparo necessário à educação inclusiva, concordo com vc Lucio.Hoje percebo, que para muitos professores, rotular é mais importante que ensinar, simplesmente esquecem que fizeram pedagogia, batem o olho na criança e “já sabem o que ela tem” e claro, assim está resolvido o problema. Isso para mim tem nome, chama-se falta de vontade de pensar. Vc assistiu ao curta metragem chamado “Cordas”? Se a educação não for assim, esquece, de outro jeito não será.
Christiane Previato (mãe).
Parabéns Lúcio, pelo excelente e oportuno texto. Realmente há coerência no texto com algumas ” práticas de ensino” carentes de amor pelo trabalho de alguns profissionais de Educação. Não é uma questão de ser inclusiva ou não, visto que, quem educa tem que educar por amor e com amor, não sendo necessária tanta preparação, cursos, formação continuada, títulos…não vem ao caso, afinal, há “despreparados” que trabalham com alegria e isso faz toda a diferença. Há “preparados” sem carisma, antipáticos, arrogantes…são professores mecânicos, que cumprem tão somente, uma rotina de obrigação sem nenhuma paixão, sem compromisso ou motivação. Os “despreparados” correm atrás, estudam, pesquisam, observam e trabalham com alegria.
Gostei muito do texto e tbm concordo com o que foi escrito.Trabalho com a inclusão e passo por muitos e muitos profissionais que ainda adotam o discurso ” não estou preparado”. Os despreparados aceitam e e correm atrás para um melhor trabalho. Já os “preparados” mecânicos que acham que sabem e se acomodam no discurso “eu sei”. E ainda corrompem alguns despreparados rotulando os alunos”esses não vão aprender”.Eu acredito na escola, eu acredito na inclusão e ainda acredito que a escola do futuro.