Amythest Schaber é uma autista americana de 22 anos, que escreve sobre autismo e deficiência no tumblr neurowonderful.tumblr.com.
Amythest preparou uma série de vídeos sobre autismo, disponíveis no youtube sob o título “Ask an Autistic”. Além do valioso relato em primeira pessoa de quem experimenta a condição, a série “Pergunte a um Autista” é clara, elucidadora , empoderadora – e nos faz questionar nosso olhar sobre vários temas. A Equipe Inclusive transcreveu e traduziu o primeiro vídeo, sobre estereotipias (stimming).
Pergunte a um Autista – O Que é Stimming (estereotipias)?
Por Amythest Schaber
Oi! Eu sou a Amythest, bem-vindos ao primeiro episódio de “Pergunte a um Autista”!
Neste primeiro episódio, eu vou me apresentar e falar um pouco sobre stimming. Eu sou Amythest, tenho 22 anos, sou autista e escrevo sobre autismo e deficiência no meu tumblr, neurowonderful.tumblr.com. Recebo muitas perguntas de pais e familiares – e de alguns educadores – sobre autismo, e acho isso fantástico. Hoje estamos em um momento em que as pessoas estão percebendo que aquilo que se pensava saber sobre autismo talvez não seja correto. Era um conhecimento que derivava das observações de cientistas, de doutores neurotípicos. Então acho excelente que me perguntem diretamente, mandem todas as perguntas, fico super feliz de respondê-las, porque eu sonho e trabalho por um mundo em que o autismo seja amplamente aceito, onde as pessoas autistas possam ser elas mesmas e ser felizes sendo quem elas são – autistas e felizes, yey!
Stimming. Stimming também é conhecido como estereotipias e, em algumas partes do mundo, tiques. Pessoas autistas se autoestimulam por três razões diferentes, que vou explicar depois. Essas três razões são: 1)autorregulação; 2) para buscar estímulos sensoriais e 3)para se expressar. Basicamente, como identificar visualmente um stim? Acho que o exemplo mais clássico é agitar as mãos. Os pais notam que suas crianças autistas agitam as mãos quando estão excitadas, agitadas, ou quando estão contentes e aproveitando a vida. Eu sacudo as mãos, quando estou agitada ou ansiosa. Então acho que esse é um bom exemplo. Balançar o corpo, muitos autistas costumam balançar o corpo, esse é um stim comum.
Os stims podem estar relacionados a qualquer um dos sentidos. Existem sete sentidos – são mais, na verdade, mas eu vou falar sobre os sete. Vocês conhecem os cinco clássicos, visão, tato, paladar, olfato, audição. Mas você também tem a propriocepção, que é o sentido de que seu cérebro sabe onde você está no espaço, e também sabe quais são suas partes do corpo, e quanta pressão aplicar às coisas (por exemplo, você pega uma flor muito gentilmente, ou usa muita força quando vai martelar um prego, e isso é regulado pela propriocepção). E temos o sentido vestibular, o sétimo sentido, que é estreitamente ligado ao seu labirinto (ouvido) e diz respeito ao equilíbrio e ao movimento. É por meio dele que você sabe que seu corpo está de cabeça pra cima, ou de cabeça pra baixo, por exemplo. Então, são esses, os sete sentidos, e stimming pode usar qualquer um destes sentidos, ou incorporar vários deles ao mesmo tempo. Por exemplo, um stim tátil pode ser ficar tocando um cobertor macio; stim olfativo, ficar cheirando algo que te agrade, um óleo essencial; você pode buscar estimulação visual, olhando um moinho rodar, ou olhando algo brilhante ou algo que pisca. Um stim vestibular seria rodar, que também é muito comum em crianças autistas, ou … adultos, especialmente se você gosta de rodar na sua nova cadeira de computador, como eu. Um exemplo de stim proprioceptivo seria crianças que buscam brincadeiras de luta, ou são muito físicas nas suas brincadeiras, se jogam com força na cama, no sofá. Eles podem ser pouco sensíveis à estimulação proprioceptiva, e fazem isso pra sentir onde seus corpos estão no espaço, e essa percepção dá uma sensação boa.
Como a maioria das pessoas que têm um autista na família, ou são autistas, sabem, junto com o autismo vem um processamento sensorial desordenado: seu cérebro não processa estímulos sensoriais da maneira “certa”. E não é somente desconfortável, tipo “essas luzes são meio fortes, mas dá pra lidar com isso”. É tipo, “ai, essas luzes são como lanças quentes de dor entrando nos meus olhos”. Então, a maneira de lidar com isso, com todo esse mundo barulhento demais, brilhante demais, rápido demais, cheio de gente demais e de coisas demais, é buscar autorregulação – que é basicamente substituir um estímulo desconfortável por um estímulo prazeroso. Então, se você é uma criança que está sentada na sala de aula, percebendo o piscar das luzes fluorescentes e ficando nauseada, e todas as outras crianças estão cochichando, mascando chiclete, e aquele barulho começa a te afetar, e pra completar você está sentado ali faz duas horas e não sabe o que fazer, você pode tentar se autorregular balançando na sua cadeira, ou tocando algo cuja textura te agrade, como a borracha na ponta do seu lápis, ou ainda enroscando seu cabelo no dedo, dando batidinhas na sua bochecha, ou tocando um brinquedo. Tentando focar nessa coisa específica, nesse estímulo agradável, você tenta bloquear o resto do mundo, que você está percebendo como excessivo e transbordante, e que pode te causar uma crise. Por isso que a autorregulação é excelente, e você pode fazer isso em qualquer lugar.
Quando eu era criança, fui muito desencorajada a fazer uso de stim – eu vou falar disso em outro vídeo – , e é por isso que você não deve desencorajar um autista de fazer suas estereotipias. Me custou um tempo superar isso e voltar a usar meus stims, sobretudo em público. Hoje eu consigo – em quase todo lugar, bem, não na casa dos meus sogros, ainda sou meio tímida com isso – , mas no shopping, no cinema, eu não tenho vergonha de fazer o que eu preciso fazer. Entre parecer normal e conseguir funcionar, viver minha vida, ser uma autista adulta, saudável e feliz, que tem seus stims, eu sem dúvida fico com a segunda opção. Ser forçado a parecer “normal” é terrível, drena sua energia. Ter que aguentar todo aquele estímulo sensorial sem nenhuma válvula de autorregulação, por quê? Por que você não pode usar suas estereotipias, se a alternativa é ficar exausto, e às vezes só conseguir ficar dez minutos numa festa – em vez da uma hora que você consegue se puder fazer seus stims? Então: autorregulação. Stim é excelente pra isso.
A segunda razão é buscar estímulos sensoriais. Muitas pessoas neurotípicas têm um pouco disso também, e gostam de fazer coisas como “hummm, que musse de chocolate deliciosa” ou “oooohhh, essa música é tão linda!” Mas eu acho que nós autistas elevamos isso ao próximo nível, sabe, buscando estímulo sensorial e REALMENTE adorando isso. Eu, quando estou escutando uma música que realmente adoro, ou me balançando e escutando música ao mesmo tempo, e sentindo a música fluir através de mim, meio que atinjo um tipo de nirvana, de tão contente. Rodando na minha cadeira do computador, me sinto tão feliz. Buscar estímulo sensorial é muito legal, muito agradável. Alguns pais neurotípicos olham com estranheza e perguntam, “mas o Joãozinho está segurando uma lanterna na frente do rosto, acendendo e apagando, pelas últimas duas horas, eu não deveria fazê-lo parar?” Minha resposta é que, a não ser que a lanterna seja de laser, e exista a possibilidade de causar danos aos olhos dele, não. Essa pode não ser a maneira que uma criança típica brincaria e ficaria contente, mas o Joãozinho está se divertindo um monte, do seu jeito. O cérebro dele está explodindo com fogos de artifício de alegria. Eu digo que está tudo bem. Se o Joãozinho não tem tarefa de casa pra fazer, já jantou, já tomou banho, por que não deixar ele olhar a lanterna, ou se balançar ouvindo música, ou bater as partes do trenzinho Thomas umas contra as outras? Qual é o dano, a não ser talvez o desconforto dos pais neurotípicos?
Expressão. É a terceira razão pela qual os autistas podem usar stims. Acho interessante que os doutores e cientistas neurotípicos encaram todos os tipos de sacudir as mãos ou se balançar como se fosse tudo uma coisa só, quando pra mim é claro – porque essa é minha expressão corporal natural – que existem tipos diferentes de balançar o corpo, tipos diferentes de sacudir as mãos. Na minha experiência, se eu estou realmente gostando de algo, vou começar a me balançar com meu pescoço meio projetado pra frente, mais devagar e com mais ritmo, como “hummm, esse bolo de chocolate é ótimo”; um balançar mais agitado ou mais ansioso seria mais curvado, e mais rápido, com movimentos mais curtos. Meu marido, claro, por minha causa, aprendeu a perceber os diferentes significados de cada forma em que balanço o corpo, ou agito as mãos (Amythest demonstra um agitar de mãos feliz, e em seguida um agitar de mãos mais ansioso). Meu marido, Marvin, chega perto e me pergunta se está tudo bem, o que está acontecendo. (Aparece um gato na tela) Ah, não, minha gata, ela está subindo na estante, ela é muito mal comportada, ela não aguenta que eu dê atenção pra qualquer outra coisa. Ok, sacudir as mãos. Expressar-se é a terceira razão pela qual os autistas podem apresentar stims.
Ah, outra razão pela qual é terrível desencorajar os stims: nós não apenas precisamos deles pra autorregulação. Essa é a nossa expressão corporal natural, nosso jeito natural de aprender, crescer, nos expressar. Então, se você diz pra uma criança, “não, não faça isso, não agite suas mãos em público”, a criança está expressando alegria e você está dizendo pra ela parar, dizendo que o jeito que ela se mexe é ruim, é embaraçoso. O que essa atitude diz à criança sobre ela mesma? Se alguém tem um problema com a criança agitar as mãos, o que não está machucando ninguém, esse é problema deles! Acho que, em vez de forçar as pessoas autistas a se enquadrarem, a exaustivamente se esforçarem para tentar parecer “normais”, uma opção melhor seria encorajar a sociedade a aprender e aceitar a neurodiversidade. Porque, ei, eu acho que o autismo é legal, e que os autistas são demais e adoráveis!
Então, esse foi meu primeiro vídeo, sobre stimming. Eu sei que falo muito rápido, vou tentar falar menos rápido no próximo vídeo. Eu e minha gata Kitty estaremos de novo com vocês, então fique ligado se você gosta de gatos como eu! Obrigada por assistir a meu vídeo; se você tem alguma pergunta pra mim, se sinta à vontade para perguntar nos comentários, e eu vou te direcionar para alguns recursos sobre stimming, o que é stimming, como identificar um stim. Se você gostou desse vídeo, clique no ícone do polegar pra cima, isso seria muito legal também, e obrigada por assistir ao primeiro episódio de “Pergunte a um Autista”.
( Nota da tradução: preferimos manter, sempre que possível, a palavra stim/stimming, em vez de usar sua alternativa mais conhecida em português: estereotipia ou comportamento estereotipado. Estes dois termos trazem uma carga negativa intrínseca, que é exatamente o que Amythest e outros autodefensores autistas tentam problematizar. Optamos por nos render ao anglicismo “stim” , para não desvirtuar o espírito do vídeo. )
Hi Amythest,
I’m brasilian. I live in Rio de Janeiro and I have an autistic daugther. She is 16 years old.
I want you to know that I loved her first video. You helped me a lot.
Congratulations,
Roberta