Hélio de Araújo*
Hoje, dia nove de junho de 2015, completei trinta e um anos como usuário de cadeira de rodas. Na década de oitenta, quando me acidentei e fiquei tetraplégico, a vida de um cadeirante era muito difícil. Atualmente, ainda são poucas as facilidades.
Em minhas andanças, perguntam-me se é muito ruim viver com tanta dependência física. Hoje, analisando os obstáculos superados e as limitações que ainda tenho que vencer, digo com toda certeza, que vale a pena viver. É ótimo estar vivo para contemplar a beleza que é a vida, as pequenas coisas que a tornam mais bela.
Gosto de minhas pernas. Embora não me façam andar, elas me ajudam a me movimentar na cama, a me agasalhar na cadeira… Também gosto das mãos, apesar de limitadas. A esquerda ajuda-me quando escovo os dentes, escrevo, alimento-me, cumprimento, gesticulo, acaricio… São tantas as coisas que uma mão limitada pode fazer que eu mesmo, às vezes, surpreendo-me com isso.
Não me preocupo com minhas pernas finas e mãos esqueléticas, pois pouca gente está satisfeito com o seu tipo; alguns são gordos e querem emagrecer; outras lutam para engordar, há quem quer mudar o tipo de cabelo; outros apelam para a cirurgia reparadora.
É importante ter uma família e constatar que ela é sólida, firme e estruturada, e saber que todos estão com os braços abertos para substituírem os meus. Essa ajuda física é mínima, comparada com o calor humano que aquece meu espírito durante todos esses anos.
Tenho em minha casa pequenas coisas que facilitam minha vida diária como rampas, banheiro sem box e com porta larga, cadeira de banho, cama de altura adequada, colchão ortopédico e outros objetos que tornam minha vida mais facilitada.
É gratificante aconselhar as pessoas para que não sejam imprudentes ao conduzirem carros, motos ou quaisquer veículos e conseguir conscientizá-las dos problemas futuros que podem ocasionar se não seguirem certas orientações.
Percebo grandes avanços para quem tem qualquer deficiência. Os novos acidentados terão uma quantidade menor de obstáculos. Hoje é muito comum me perguntarem em que trabalho ou quais são os meus projetos para o futuro. Antes me perguntavam sobre o que fazia para me entreter ou se minha bunda estava doendo de tanto ficar sentado.
Aprendi que não devemos perder tempo lamentando movimentos perdidos. É bem melhor e mais produtivo aproveitar o que nos resta. Um homem não pode ser valorizado pela quantidade de passos que pode dar com suas próprias pernas e, sim, pelo amor e respeito que tem por si mesmo e pelos outros.
Continuo tetraplégico, mas com importante recuperação física, considerando minha total imobilidade inicial. Percebo o meu crescimento como ser humano e conquistas como trabalho, estudo, lazer, afetividade… elementos importantes para a vida.
Inúmeras pessoas acidentadas se reabilitaram com mais organização do que eu. Em determinados momentos, tive a sensação de que tudo que fazíamos era pouco, sendo necessária muita sensibilidade para perceber o mínimo de evolução. A luta teve que ser constante e, às vezes, tive que reaprender coisas elementares. Comparo tudo isso a um jogo inacabado que, com improviso, aqui e ali, está sendo bem jogado.
É fundamental haver determinação e confiança. É preciso acreditar que a incerteza de hoje poderá ser a realização de amanhã. Não se pode ter medo de recomeçar ou redescobrir o corpo e a força interior. Muito pode ser alcançado com esforço e perseverança. Temos sempre o que aprender, o que evoluir e o que deixar aflorar.
Não existe mais espaço para tédio. Não me surpreendo com momentos de indiferenças ou perguntas inconvenientes. Se limitação incomoda, por outro lado, não impede que minha vida seja um constante reencontro com emoções perdidas.
Combato momentos de descrenças com uma dose de otimismo, que venho adquirindo e aprimorando com o passar do tempo.
Cada barreira ultrapassada significa para mim uma batalha vencida contra a imobilidade do corpo e da alma.
Como pude reverter a situação desfavorável, posso dizer que me sinto bem com a profissão escolhida, com os progressos que tive, com a oportunidade de contar minha história e dizer que amo a vida graças a harmonia familiar, a certa abertura da sociedade e, sobretudo, à forte e constante presença de Deus.
Hélio de Araújo – professor, cadeirante, ativista na defesa dos direitos das pessoas com deficiência – Petrolina-PE. heliodearaujo@yahoo.com.br