Falta de acessibilidade é discriminação

nao pode cadeirante

Queridos, obrigada pelo carinho de todos. Foi muito bom reunir tanta gente querida, de várias fases da vida, que tanto significam pra mim nesses.  A festa dos 50 anos foi ótima, mas infelizmente o dia não foi perfeito porque faltaram duas pessoas muito importantes, a Izabel e a Rosangela.

Há meses atrás,  animada pelo Lucas, decidi organizar uma festa pra comemorar meus 50 anos no Rio. Se a vida não está perfeita, pelo menos está numa fase boa, com todos com saúde. Então, por que não aproveitar a data redonda para celebrar?

Sempre tive vontade de juntar pessoas das várias tribos a que pertenço, apresentar algumas que tem a ver, e mesmo conhecer pessoalmente outras que se tornaram grades amigas virtuais. Mas para isso precisaria de um lugar grande… e acessível… Por essa razão, há seis meses mandei o “Save the Date” para que os convidados pudessem ir se organizando,  especialmente os que vinham de fora. Na mesma época comecei a buscar o local.

Minha condição número um era a acessibilidade. Também queria uma bela vista. Amigas com experiência em festa me ajudaram e até a uma produtora de eventos recorri. Vasculhei a cidade de cima a baixo, vi clubes, casas lindíssimas para festa em Santa Teresa e Joatinga. Nenhuma com acesso para cadeira de rodas. Os únicos poucos lugarem onde havia acesso eram hotéis, mas essa opção extrapolava barbaramente o meu orçamento.

Através do Airbnb descobri o apartamento da festa. Perguntei mil vezes e a corretora responsável pelo aluguel me jurou que era acessível. Só descobri no dia da festa de manhã que não só havia escadas para entrar, mas que também o elevador era mínimo, sem falar no banheiro, por onde também não daria para passar uma cadeira.

Naquela hora, nem consegui apreciar a vista linda, de tanta decepção. Além de raiva da corretora inescrupulosa, fiquei com ódio de mim mesma, por ter acreditado na palavra de uma pessoa que eu não conhecia e por não ter pedido a alguém para ir lá pessoalmente checar a acessibilidade antes de alugar. Quando cheguei no Rio tentei ir ver o apartamento, mas a corretora disse que estava alugado e não seria possível. Enfim, a culpa foi mesmo minha.

E com isso, eu me transformei em discriminadora.  Eu virei a diretora de escola que negou vaga pra minha filha. Eu tive que dizer pra duas das minhas amigas mais queridas que elas não iam poder ir a minha festa. Eu as desconvidei. Eu as exclui.

Falta de acessibilidade é uma forma de discriminação. É tão grave quanto o porteiro do prédio não deixar entrar porque a pessoa é negra. E eu fiz questão de dizer ao porteiro do prédio que eu tinha vários amigos negros convidados e que ele fizesse o favor de tratar todo mundo muito bem e igualmente, apesar de saber que essa era sua obrigação.

Fiquei arrasada.  Entrei em contato com minhas amigas, mandando inclusive fotos das escadas e do elevador. Elas, claro, já passaram por isso milhões de vezes. Disseram que sabiam que eu tinha me empenhado em conseguir um espaço com acessibilidade, etc. Minha vontade era cancelar tudo, mas com bufê contratado e passagem de volta marcada para o dia seguinte, isso era impossível.

Para poder aproveitar a festa, fiz um arranjo comigo mesma de que aquele acontecimento não passaria em branco. É por isso que estou aqui compartilhando tudo isso com vocês.

Como nós podemos aceitar que esta discriminação ocorra diante dos nossos olhos diariamente, impassíveis?  Por que a legislação não é cumprida? Por que as prefeituras continuam emitindo alvarás para edificações inacessíveis? Por que seu condomínio não faz uma obra e coloca uma rampa no prédio? Será que achamos que vamos andar em duas pernas pro resto da vida e que nunca precisaremos de uma cadeira de rodas?

E se fosse com você? O que sentiria se eu ligasse para desconvidá-la(o) para minha festa?

Queria que vocês, meus amigos, refletissem sobre tudo isso para que, juntos, pensássemos em soluções para combater esta discriminação. Penso em algumas ações já podemos pôr em prática:

– checar o seu entorno, de casa e do trabalho. É acessível? O que fazer para mudar isso? Levar à reunião de condomínio e na administração de seu trabalho a necessidade de acessibilidade e propor reformas

– checar a acessibilidade no comércio – lojas, restaurantes, hotéis – cobrar se existe, dizer que é lei e lembrar que podem ser multados, além de perderem clientes

– checar a acessibilidade em espaços culturais, cinemas, teatros,

– dizer a lojistas: “Não vou comprar aqui porque esta loja não é acessível. Vou comprar na loja ao lado.”

– checar se há acessibilidade em prédios privados, caso não haja, perguntar por que e sugerir que se faça uma reforma

– pros amigos jornalistas, fazer matérias sobre o assunto. Um cadeirante ou um repórter pode sentar numa cadeira e tentar viver o dia assim. Dá pra pensar em várias situações. Veja a série de matérias que a Flávia Cintra fez nessa linha http://www.inclusive.org.br/?p=27026

– vivências com as pessoas em escolas, no ambiente de trabalho,  – sentar em cadeira e se locomover com elas, andar por aí com os olhos vendados. Viver a experiência ajuda a refletir.

–  veja como os colegas adolescentes de Sam, filho do cineasta Dan Habib, conseguiram que as lojas de uma cidadezinha dos EUA se tornasse acessível, depois que escreveram para a Câmara de Comércio local dizendo que não puderam comprar um souvenir lá quando foram com o amigo usuário de cadeira de rodas (aos 13’40”) https://www.youtube.com/watch?v=izkN5vLbnw8

– escrever para os lugares perguntando se tem acessibilidade e cobrando, se nao hover, denunciar no reclame aqui, nas páginas dos lugares inacessíveis

Outras sugestões?

Queria aproveitar para pedir desculpas, novamente, a Izabel Maior e Rosângela Berman-Bieler, porque não propiciei as condições adequadas para que elas fossem ao meu aniversário. Podem estar certas de que o próximo vai ser acessível.

E do alto dos meus 50 anos, convido vocês pra pensarem e agirem, inclusive em proveito próprio, porque ninguém aqui está ficando mais jovem.

Um beijo enorme e obrigada por me ouvirem.

Patricia Almeida

Norma Técnica da Acessibilidade – http://www.inclusive.org.br/?p=28434

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