Inclusão é o Roberto Carlos cantando de bermuda

no estadio do maracana escuro, o simbolo dos jogos paralimpicos acesos nas cores verde, azul e vermelho.

O espetáculo foi bonito, mas pecou pela falta de acessibilidade na comunicação e representatividade. A falta de patrocínio e exclusão na transmissão dos principais canais da TV aberta já são costumeiros – em Londres também foi assim, e aponta para o já usual desinteresse pelas pessoas com deficiência. Mas não podemos nos conformar. Não somos todos paralímpicos? Unificação, Acessibilidade e Inclusão Já!

Fiquei muito feliz por, graças às cambalhotas da vida, poder estar no Rio para assistir à abertura das Paralimpíadas Rio 2016 no Maracanã. Milito na área dos direitos das pessoas com deficiência há mais de 10 anos e obviamente o assunto me interessa. As Paralimpíadas são o maior evento do mundo a envolver pessoas com deficiência. Não é pouca coisa.

Nem preciso dizer que nenhum país valoriza tanto as Paralimpíadas quanto as Olimpíadas. Nos Estados Unidos, primeira potência Olímpica e onde os Special Olympics, que são jogos exclusivos para pessoas com deficiência intelectual (que por sua vez são excluídas das Paralimpíadas – cadê a inclusão?) são mais conhecidos pelos americanos do que as Paralimpíadas. Devido à falta de investimento por lá, os atletas alcançaram um tímido sexto lugar em Londres. O Brasil, ao contrário, teve um desempenho muito melhor nas Paralimpíadas de Londres do que nas Olimpíadas, ficando um posto apenas abaixo dos Estados Unidos. Esperávamos que esse fosse um fator importante para trazer mais atenção do público e dos patrocinadores para a Rio 2016, mas, infelizmente, isso não aconteceu e precisamos, ao invés de aceitar passivamente o fato, refletir sobre o por quê e trabalhar para reduzir essas diferenças.

Mas voltando à cerimônia de abertura. A chegada ao Maracanã foi feita sem sobressaltos. Acessibilidade funcionando, fila e entrada preferencial em ordem – aproveitando pra lembrar que muitos países não têm prioridade na fila para pessoas com mobilidade reduzida e a nossa é garantida por lei – essa pegou!

A expectativa estava grande. Marcelo Rubens Paiva, um dos coordenadores da abertura, entra no Maracanã em sua cadeira motorizada, acompanhado pelo mascote paralímpico Tom – que desde sempre achei muito mais simpático que o colega Vinicius. Como bom mestre de cerimônias, fala sobre a cerimônia, enquanto evolui pra frente, pra trás, pros lados, em sua cadeira. A modelo Fernanda Lima se junta a ele e são dadas algumas instruções para participação do público no espetáculo. O som é difícil de entender lá da arquibancada e não há legendagem nos telões.

no estadio, telao mostra fundo laranja e o rosto da atriz cleo pires em primeiro plano.

A abertura de fato se dá com uma contagem regressiva no telão e depois em enormes números feitos em tecido presos no alto do estádio – alguns deles não desenrolam completamente. Tanto faz, o clima era ótimo. Um vídeo mostra o ex-atleta e atual presidente do comitê paralímpico internacional, Sir Francis Drake, perambulando em sua cadeira por paisagens brasileiras. Provavelmente quem viu de casa o evento televisionado teve uma perspectiva melhor. O telão não era grande o suficiente para ser visível. Já a tela onde Cleo Pires apareceu falando sobre as Paralimpíadas era bem clara. Sob o fundo laranja, a “Embaixadora” do Comitê Paralímpico, aquela que ficou conhecida por ter tido a ideia brilhante de ter seu braço amputado graficamente para “representar” uma atleta paralímpica, falou em português e em inglês sobre inclusão… mas e a janela de Libras? E as legendas? Como pode o texto inicial e mais importante da cerimônia não ter acessibilidade? Em qualquer propaganda política de vereador tem legenda e janela de Libras.  Como não mostrar ao mundo que estava acompanhando esse momento, que o Brasil, mesmo que parcialmente, segue as normas de acessibilidade? A deputada Mara Gabrilli, cadeirante e relatora da nossa Lei Brasileira de Inclusão estava lá na tribuna das autoridades assistindo tudo, o senador Romário, relator da lei no Senado participou ativamente da organização. Que contradição! Que enorme oportunidade perdida e que falta de respeito para com as pessoas a que o evento se dedica!

Em seguida, Aaron Wheelz desce uma enorme rampa em sua cadeira, em meio a fogos, e dá um salto mortal. A galera vai ao delírio! Uma roda de samba e uma coreografia que envolveu rodas, trazidas por bailarinos com e sem deficiência, tomou o centro da arena. A tela branca no meio do estádio vira um a piscina e o medalhista Daniel Dias é projetado nadando. Lindo! O cenário se trasforma numa praia inclusiva, onde cabem todos: o pessoal simulando o nado e o surfe em skates, vendedores de mate e biscoito Globo! Vejo as cadeiras adaptadas da ONG Adaptsurfe, e me alegro da minha filha fazer parte do projeto. O sol é um enorme balão inflável.

imagem de longe mostra varias pessoas com guarda-sois, vendedores de mate, cadeiras de rodas adaptadas, simulando uma praia.

O Hino nacional estilizado tocado linda e lentamente por João Carlos Martins, enquanto a bandeira brasileira subia e o pessoal da praia levantava paineis formando a bandeira brasileira foi um momento belíssimo.

Em seguida, o desfile dos atletas paralímpicos que, conforme explicado do Rubens Paiva, entraram no meio da festa, ao invés do final, pra poderem ver o espetáculo. Ponto para os organizadores. Cada nome de país era estampado numa peça de quebra-cabeça – o símbolo do autismo – e no meio do palco ia se formando um enorme coração, formado pelos rostos dos atletas, montado por dezenas de pessoas lideradas pelo artista plástico Vik Muniz. As estrelas do evento chegaram em todas as formas e de todos os jeitos, cadeira, burka, bengala, chapéu… Foram recebidas calorosamente pelo Maracanã lotado, que veio abaixo com a entrada da enorme e animadíssima delegação brasileira, encabeçada pela porta-bandeira Shirlene Coelho.

Terminado o desfile, um dos momentos mais criativos – figuras vestindo preto com bengalas iluminadas nas mãos fazem desenhos no palco no escuro. O público acende seus celulares enfeitando a cena. Em outra super sacada, os pictogramas que representam esportes paralímpicos ganham movimento entrando por uma armação simulando um cinematógrafo. Muitos aplausos. Mas o que será que os cegos que estão assistindo a cerimônia no estádio ou em casa estão achando disso tudo? Será que teve audiodescrição?, penso com meus botões.

A atleta dos jogos de inverno Amy Purdy, surge, graciosa, orgulhosa e empoderada, evoluindo ao lado de um robô e sambando do alto de seus ganchos. Uma bela imagem. Metáfora para a tecnologia a serviço da acessibilidade?

O momento considerado o mais emocionante da cerimônia, foi na verdade o que mais me incomodou. Um vídeo – sem acessibilidade – mostrava crianças com deficiência usando botas que permitiam que elas ficassem de pé junto com os pais e jogassem bola. Mas essas crianças vão depender dos pais a vida toda? Não vão jogar bola com outras crianças? Que mensagem passou esse video? O Brasil é campeão em inclusão escolar, com esse direito referendado pelo Supremo Tribunal Federal! O único país do mundo que fez isso! Por que não mostramos? Adoraria ter visto um vídeo em que crianças usando cadeiras de roda motorizadas ou andadores, ou mesmo apoiadas por seus pares, jogassem bola junto com os colegas da escola.  Pra mim, a imagem foi apelativa e a musiquinha condescendente, totalmente “inspiracional”, transmitia tudo o que queremos evitar – a pena daquelas criancinhas. Como se não fosse suficiente, elas apareceram em seguida ao vivo, ao lado dos pais carregando a bandeira Paralímpica. Pausa para o choro. Grrrr……

Video mostrado:

http://globotv.globo.com/sportv/paralimpiadas-2016/v/bandeira-paralimpica-e-conduzida-por-criancas-com-ajuda-dos-pais/5289770/

O discurso de Carlos Nuzman do Comitê Olímpico e Drake do Paralímpico, teve legendas em português e inglês projetadas nos telões. Falavam de acessibilidade e inclusão. Pois é, muito discurso e pouca prática.

telao no estadio mostra legendas sobre fundo preto, em ingles e portugues - bem-vindo ao Rio de Janeiro.

A tocha chegou, empunhada por atletas, inclusive a medalhista Marcia Malsar que, sob forte chuva e usando bengala, escorregou, caiu, levantou, sacudiu as gotas de chuva e voltou a empunhar a tocha, sob aplausos. Este sim, um momento emocionante e empoderador. Clodoaldo Silva rolou rampa acima e acendeu a pira. Linda cena.

Na sequência, chega Seu Jorge para cantar as músicas de despedida: “E vamos à Luta”, lembrando que é preciso ainda muita luta pra alcançarmos a acessibilidade, a equiparação de oportunidades e a inclusão de todos. O que foi reforçado pela segunda canção entoada pelo Seu Jorge, “É preciso saber viver”, clássico do Rei Roberto Carlos. Pode ser que o dia que o próprio Roberto cantar de bermuda, assumindo sua prótese na perna, a gente chegue lá.

Unificação dos Jogos, Acessibilidade e Inclusão Já!

http://www.inclusive.org.br/arquivos/29661

Por Patricia Almeida

Gadim Brasil – Aliança Global para Inclusão das Pessoas com Deficiência na Mídia e Entretenimento

www.gadimbrasil.org.br

Inclusive – Inclusão e Cidadania

www.inclusive.org.br

 

 

 

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