Foto vista de cima, dos 286 atletas paralímpicos brasileiros reunidos formando um coração, sob a calçada de pedras portuguesas do Boulevard Olímpico, quando de sua apresentação à cidade para as Paralimpíadas. Eles vestem todos o uniforme verde da delegação brasileira.
Por Patrícia Almeida
O Rio de Janeiro está em festa! A alegria de receber os 4331 atletas paralímpicos representantes de 164 países nas Paralimpíadas Rio 2016, que ocorrem na cidade até 18 de setembro é contagiante. Com quase 2 milhões de bilhetes vendidos, lotação praticamente esgotada, os Jogos surpreenderam e caíram no gosto do público. Nada mal para um evento tratado desde início como o primo pobre das Olimpíadas, que teve grande dificuldade de conseguir patrocínio, esteve sob ameaça de não acontecer por falta de recursos a algumas semanas do início, não despertou muito interesse da grande imprensa, nem emplacou transmissão em nenhuma das principais TVs abertas, e, logo antes do começo das competições, estava sendo considerado um fracasso de venda de ingressos. O que será que aconteceu?
Há muitas explicações possíveis. Levantarei alguma delas e convido os leitores a exporem as suas no Facebook da Gadim Brasil. Nunca tivemos e, no futuro próximo, não iremos ter um evento desta magnitude envolvendo pessoas com deficiência no Brasil. Por isso, a hora de refletir é essa!
Clima Olímpico – As Olimpíadas caíram no gosto do povo, excederam as expectativas e foram um sucesso retumbante muito além do esperado. Acabaram servindo como um “esquenta” para as Paralimpíadas. O público não queria que o “clima olímpico” acabasse e aproveitou as Paralimpíadas para reviver a festa.
Coitadinhos – A alguns dias da abertura dos Jogos Paralímpicos, os organizadores vieram a público dizendo que, apesar de custarem apenas uma fração dos caros bilhetes das Olimpíadas, pouco mais de 10% dos ingressos paralímpicos tinham sido vendidos. Foi o suficiente para uma “corrente do bem” percorrer as redes, pedindo pelo amor de Deus para as pessoas prestigiarem “nossos paratletas (sic)”. Fora isso, aqueles que não conheceram o Parque Olímpico por conta dos preços extorsivos, aproveitaram pra ir nas Paralimpíadas, e de quebra fazer uma “boa ação” que não custou caro.
Efeito Cleo Pires – Logo em seguida foi divulgada uma foto da atriz Cleo Pires e do ator Paulo Vilhena manipulada para que parecesse que eles tinham seus membros amputados. A polêmica estava instalada e a foto suscitou até artigos em publicações internacionais. Ativistas reclamaram da falta de representação, o público em geral dizia que era de “mau gosto” “decepar o braço” de uma atriz linda como a Cleo. De uma maneira ou de outra, o fato é que a campanha acabou trazendo interesse para os Jogos.
Abertura – A abertura foi um sucesso, com um show dos atletas – Aaron Wheelz dando salto mortal na cadeira, Amy Purdy mostrando “samba no gancho”, Márcia Malsar debaixo de chuva, caindo, para em seguida se erguer sob aplausos e gritos de uma multidão, e a escada mágica que se transforma em rampa para Clodoaldo Silva subir com a Tocha. Como queríamos que todas as escadas fossem assim!
Tom – O mascote-árvore Tom, das Paralimpíadas provou-se muito mais popular do que o felino, Vinicius, das Olimpíadas. E Tom aparece em todas as premiações com cabelos combinando com as medalhas (que tem som e textura!).
Curiosidade – Depois de se acostumar com uma falta de braço aqui, um movimento involuntário acolá, o público ficou curioso pra conhecer os esportes Paralímpicos. Goalball caiu no gosto do povo, o futebol de 5, o vôlei sentado, rugby e corrida em cadeira, tudo era novidade.
Atletas – Mas os grandes responsáveis pelo sucesso dos Jogos até aqui foram, sem dúvida, os atletas, que para surpresa do público, não são ETs. São pessoas de carne e osso e, além de simpáticos não são estrelas, alguns com incríveis histórias de vida pra contar. De quebra, essa gente bacana vem ganhando um monte de medalhas, nos dando várias oportunidades de torcer, ficar orgulhosos e cantar o hino, nos permitindo ser o quinto melhor país do mundo nesse momento conturbado da vida nacional.
Unificação dos Jogos – Com tudo isso, fica mesmo difícil entender por que as Olimpíadas ainda são um evento separado das Paralimpíadas, que por sua vez não inclui os atletas das Olimpíadas Especiais, competição para quem tem deficiência intelectual, ou seja, exclusão dentro da exclusão. Esse ano, por exemplo, alguns poucos esportes foram abertos para pessoas com deficiência intelectual, como o tênis de mesa, o atletismo e a natação. Mas pessoas com síndrome de Down, por exemplo, ficam de fora pois não se enquadram nesta categoria, já que além de questões intelectuais também têm diferenças físicas, como a hipotonia (músculos mais frouxos) e membros mais curtos. Para que pudessem competir em igualdade de condições, uma outra categoria teria que ser criada. E isso só requer boa vontade, assim como há pesos diferentes e provas classificatórias para quase todos os esportes. Essa discussão sobre Jogos Unificados foi levantada em vários foruns ultimamente e deve ser levada adiante, se quisermos de fato uma sociedade inclusiva.
Só que…
Daqui a alguns dias a magia vai se acabar. A rampa vai se transformar em escada. A palavra inclusão vai ser esquecida. Se você acha que os jogos continuarão a ter audiodescrição, pode esquecer. Vida que segue.
Mas qual será o legado de fato dessas Paralimpíadas?
Algumas obras de acessibilidade vão ficar. O VLT no centro do Rio é muito bom. BRT e metrô ainda não são o que se esperava deles. As obras nos aeroportos ficaram boas. Tem até video em Libras informando o embarque nos portões do Santos Dumont – algo difícil de ver por aí.
Outra coisa que vai ficar é o exemplo que os atletas estão dando para quem tem deficiência e reluta em sair de casa ou fazer alguma atividade física. Do encontro e troca de experiências dos atletas de todo mundo e da maior convivência dos brasileiros presentes nos Jogos podem surgir novas lideranças que oxigenem o movimento social, trazendo renovação. E essa nova geração vai se juntar a nós na pressão para lembrar que acessibilidade é lei, e é possível em todo Brasil, não apenas no Rio, não só durante as Paralimpíadas.
Além disso, ficam as imagens. Essas não vão se apagar da memória de uma criança que vê pela primeira vez uma pessoa com deficiência competindo. E é de imagens positivas que precisamos, porque as negativas já estão tatuadas na mente da maior parte da população e custam a ser desfeitas.
Precisamos encontrar formas de perpetuar essas imagens, agora que as Paralimpíadas estão terminando. Quem é visto, existe, logo é incluído, saindo do ciclo da invisibilidade. A Gadim Brasil – Aliança Global para Inclusão das Pessoas com Deficiência na Mídia e Entretenimento, nasceu com o propósito de não deixar essa peteca cair. Convidamos a todos que tenham interesse em acelerar o processo de inclusão usando os meios de comunicação, a publicidade, novelas, as redes sociais, enfim, todas as mídias, a conhecer nosso trabalho e colaborar para que a imagem do incapaz coitadinho, ou da superação do super herói não prevaleçam. E as imagens que ficarão serão de gente de verdade, não fabricadas por Photoshop.
Por Patricia Almeida – Jornalista, ativista pelos direitos das pessoas com deficiência e mestranda em Estudos da Deficiência na City University of New York – CUNY. Coordenadora Estratégica do Instituto MetaSocial. Criadora e Editora da Inclusive – Inclusão e Cidadania e da Gadim Brasil – Aliança Global para Inclusão das Pessoas com Deficiência na Mídia e no Entretenimento. Cofundadora do Movimento Down e Membro do Conselho da Down Syndrome International e da Federação Brasileira de Associações Síndrome de Down.
* Publicado originalmente na página do Facebook do CONADE – Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.