Tramita no Senado um Projeto de Lei que visa reduzir a frequência mínima dos alunos com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento (http://www25.senado.leg.br/…/ativ…/materias/-/materia/126667). O projeto se baseia na ideia de que alunos com deficiência têm muitas ausências em função de doenças e/ou terapias o que levaria à suposta evasão escolar. No entanto, sabemos que a evasão escolar ocorre por outros fatores, entre eles, o fato de que não há recursos em quantidade compatível com o nº de alunos, não há acessibilidade, não são ofertados estímulos e atividades pedagógicas eficazes, há muito bullying, entre outros. Se o projeto se transformar em lei, corre-se um risco enorme de termos ainda mais um olhar de exclusão quanto à educação de pessoas com deficiência, com evidente perda de eficácia na educação e consequentemente de oportunidades. É preciso que as leis garantam processos de inclusão escolar sem perda da qualidade.
Vamos compartilhar o nosso pedido para que chegue aos Senadores?! Não é aceitando a redução da frequência mínima que melhoramos os processos de inclusão!
Senhores Senadores,
Pedimos a atenção de Vossas Excelências quanto ao que prevê a Lei Brasileira da Inclusão – Lei Nº 13.146, de 6 de Julho de 2016, no seu Capítulo I – Disposições Gerais:
Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Bem como, no seu Capítulo II – Da Igualdade e da Não Discriminação
Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§1 Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa das adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.
E, enfim:
Art. 7º É dever de todos comunicar à autoridade competente qualquer forma de ameaça ou de violação aos direitos da pessoa com deficiência.
Considerando também o Projeto de Lei do Senado nº, de 2016 do Senador Wellington Fagundes, propõe alterar o art. 24 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com vistas a alterar a aferição da frequência mínima para aprovação considerando as necessidades específicas dos educandos com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento, ou seja, que “busca mitigar a frequência mínima exigida desses estudantes nos níveis fundamental e médio da educação básica. Assim, cada escola poderá se organizar e desenvolver estratégias para sanar eventuais prejuízos causados por faltas, por meio de mecanismos para incluir e promover o aprendizado, e justifica que:
1. os alunos da educação especial (sic) não raras vezes têm que repetir o ano por não obter o mínimo da frequência, ainda que obtenham desempenho satisfatório considerando suas limitações, o que estimula o abandono escolar
2. as necessidades dos alunos com deficiência ou transtornos globais de desenvolvimento foram evidenciadas pela professora Jansiléia Francisca Nogueira, do Atendimento Educacional Especializado da Escola Estadual Professora Ana Tereza Albernaza, em Chapada dos Guimarães, Mato Grosso. Ela apresentou o exemplo de uma aluna com deficiência que obteve rendimento satisfatório nas matérias, mas ao final do ano ficou retida devido à quantidade de faltas ser maior do que a prevista na LDB.
E ainda quanto ao Parecer favorável do Relator, Senador Romário em que:
3. Imagine-se, por exemplo, uma criança com dificuldades de locomoção e que eventualmente chega mais tarde na escola recebendo falta em terminada disciplina. Não é razoável que a ela seja aplicada a mesma exigência de frequência da regra geral. Em outras palavras, a proposição visa a permitir que sejam tratados desigualmente os desiguais, em homenagem ao princípio da igualdade
4. Observe-se ainda que o PLS não impede que se continue a computar as ausências desses educandos, mas apenas que elas sejam consideradas diferentemente no seu cálculo para efeito de aprovação em cada período dos ensinos fundamental e médio
Ademais
5. Todas as crianças, independentemente de sua condição / impedimento, têm o direito de ser educadas em ambientes inclusivos, e o Estado deve se certificar de que os sistemas de apoio necessários estão sendo garantidos para que isso ocorra sem discriminação ou exclusão
Mas, será que os argumentos do projeto estão corretos? Vejamos:
1. os alunos da educação especial (sic) não raras vezes têm que repetir o ano por não obter o mínimo da frequência, ainda que obtenham desempenho satisfatório considerando suas limitações, o que estimula o abandono escolar
Na realidade, as pesquisas apontam para o fato de que a evasão escolar advém de outros fatores que não têm relação direta com a frequência. A evasão escolar decorre: (i) da falta de professores; (ii) da quantidade excessiva de alunos; (iii) da repetência; (iv) de classes com alunos de idades variadas que dificultam a socialização; (v) da ineficiência dos meios de trasporte que não levam os alunos às escolas, sobretudo no meio rural; (vi) da violência ou de fatores externos (1), mas também de: (i) fatores psicológicos; (ii) socioculturais e (iii) institucionais, tais como métodos de ensino inapropriados (2).
Como se vê, a frequência não vincula a evasão escolar, mas outros fatores de ordem externa e interna à organização escolar. A repetição de alunos com deficiência não está vinculada à frequência, mas sim à falta de recursos acessíveis, tais como materiais adaptados, à ausência de métodos de trabalho que levem em consideração o indivíduo e não o grupo e à falta de recursos humanos com competências múltiplas.
(1) http://www2.ipece.ce.gov.br/encontro/2012/UM_ESTUDO_SOBRE_CAUSAS_ABANDONO_ESCOLAR_PUBLICAS_ENSINO_MEDIO_CEARA_2o_lugar.pdf
(2) http://www.educacao.go.gov.br/imprensa/documentos/Arquivos/15%20-%20Manual%20de%20Gest%C3%A3o%20Pedag%C3%B3gico%20e%20Administrativo/2.10%20Combate%20%C3%A0%20evas%C3%A3o/EVAS%C3%83O%20ESCOLAR%20-%20CAUSAS%20E%20CONSEQU%C3%8ANCIAS.pdf
2. as necessidades dos alunos com deficiência ou transtornos globais de desenvolvimento foram evidenciadas pela professora Jansiléia Francisca Nogueira, do Atendimento Educacional Especializado da Escola Estadual Professora Ana Tereza Albernaza, em Chapada dos Guimarães, Mato Grosso. Ela apresentou o exemplo de uma aluna com deficiência que obteve rendimento satisfatório nas matérias, mas ao final do ano ficou retida devido à quantidade de faltas ser maior do que a prevista na LDB.
Em verdade, o argumento do autor do projeto, Excelentíssimo Senador Wellington Fagundes denota a falta de dados concretos sobre a pesquisa, de fato, o raciocínio que parte do fato particular para chegar a uma conclusão geral (raciocínio indutivo) é uma tentativa de conseguir algo pela imposição de uma opinião. Como é possível imaginar que todas as crianças com deficiências (as mais diferentes e com características distintas, bem como com necessidades específicas) possam passar pelo mesmo problema apresentado pela professora Ana Tereza Albernaza? Se uma criança fica retida por faltas, mesmo tendo rendimento satisfatório, é possível afirmar que todas as crianças que ficam retidas por faltas, o fazem na mesma condição ou situação? Obviamente a resposta é não. Assim sendo, o argumento é totalmente descabido, sendo necessário realizar um amplo estudo a respeito dos verdadeiros motivos das ausências dos alunos com deficiências, certamente relacionados à falta de acessibilidade, à falta de recursos, às dificuldades de transporte, à falta de material pedagógico adaptado, às agressões e ao bullying sofrido por esses alunos e ainda mais ao aprendizado insuficiente que desmotiva e que decorre da falta de eficiência das escolas. Não é com a flexibilização da frequência que será obtida a eficiência na aprendizagem dos alunos com deficiência. Aliás, a flexibilização da frequência pode levar a uma drástica acomodação dos ambientes escolares e até mesmo das famílias, que sem a imposição de um limite importante para a aprendizagem e para a socialização e participação da vida escolar, podem se resignar com a condição, levando a longos períodos desses alunos em casa, com definitiva ruptura do processo de escolarização.
Além do mais, há inúmeros dispositivos legais que já oferecem mecanismos de compensação das ausências, das faltas e dos períodos de afastamento por doença, por internação ou por quaisquer outros motivos excepcionais que podem estar sendo melhorados ou atualizados à luz das novas tecnologias e novas necessidades de aprendizagem. Assim sendo, não se faz necessário flexibilizar a frequência desses alunos, mas sim há a necessidade de se criar mecanismos de aprendizagem mais eficiente mesmo na ausência diária desses alunos.
3. Imagine-se, por exemplo, uma criança com dificuldades de locomoção e que eventualmente chega mais tarde na escola recebendo falta em terminada disciplina. Não é razoável que a ela seja aplicada a mesma exigência de frequência da regra geral. Em outras palavras, a proposição visa a permitir que sejam tratados desigualmente os desiguais, em homenagem ao princípio da igualdade
Aqui não se trata obviamente, à luz do princípio de igualdade – e nos desculpem discordar do Senador Romário – de se tratar desigualmente os desiguais, mas o contrário, ou seja, de se tratar igualmente os iguais. Não é apenas um trocadilho, mas uma visão positiva da situação que visa a levar alunos/estudantes a serem tratados em condições de igualdade, com eficiência, com exigência, com qualidade, com aprendizagem efetiva. Isso não é possível de se obter sendo benevolente e deixando alunos em casa. A flexibilização da frequência é tão ineficaz quanto o é a falta de material adaptado, a falta de recursos com acessibilidade e a carência de conteúdos relevantes. O projeto, ao invés de sanar o problema trazendo uma solução inovadora e positiva, o faz eliminando o problema. Trata-se da velha expressão “tapar o sol com a peneira”. E isso não o queremos.
4. Observe-se ainda que o PLS não impede que se continue a computar as ausências desses educandos, mas apenas que elas sejam consideradas diferentemente no seu cálculo para efeito de aprovação em cada período dos ensinos fundamental e médio
De novo, o desigual. Olhando pelo lado do aluno que não tem deficiência é como se ele fosse tratado como um ser desmerecedor de atenção. Afinal, o aluno com deficiência goza de condições ‘especiais’ e ele – o aluno sem deficiência – como irá se sentir? Isso não é inclusão. Trata-se de mais um processo de exclusão e a sociedade clama por processos de inclusão.
Enfim, devemos assegurar a aprendizagem de alunos com deficiência não por meio de dispositivos legais que visam abrandar as condições de trabalho, mas sim por meio de condições que tragam, efetivamente, processos de aprendizagem inclusivos, acessíveis e que proporcionem igualdade de condições a todos, sem exceção. A flexibilização da frequência é um caminho errado para a eficiência na aprendizagem. Não traz nenhum benefício pedagógico, não traz nenhum benefício de socialização ou de vivência escolar. Trata-se de um dispositivo vazio de intenção que não gera aprendizagem, nem evita o processo de evasão escolar.
Desde que tenha um acompanhamento extra com a finalidade de garantir o direito igualitário de aprendizagem.
Incluir um aluno não é apenas impor que ele esteja na escola! Vejo que é muito mais importante estimulá-lo a conseguir um bom rendimento no dia em que ele tem condições de estar presente do que nos casos em que, muitas vezes, o aluno está simplesmente porque é cômodo para muitos familiares (não todos) deixarem na escola para ter um pouco de descanso ou porque a lei obriga. Estou falando de casos de alunos com Deficiência e/ou Transtorno Global do Desenvolvimento associado a algum outro transtorno grave (que muitas vezes provoca até agressões às demais pessoas que convivem com elas).
Tive uma aluna que mesmo com laudo do psiquiatra alegando que ela teria indisposição e dificuldade para frequentar regularmente as aulas por causa de um problema mental, foi punida por não ter o ATESTADO que justificasse que de tal dia a tal dia ela ficaria impossibilitada de frequentar.
Quanto tratar o diferente diferentemente em relação à frequência, julgo mais que justo, uma vez que tratamos no que se refere à avaliação,ao currículo, às atividades propostas e avaliações, às metodologias, às estratégias e outros, tudo adaptado para melhor atender as necessidades do aluno. A única coisa que não foi mudada ainda perante a lei foi a frequência que continua a ser IGUAL para todos, punindo, muitas vezes, o aluno com deficiência que necessita dessa flexibilização.
Além disso, vejo que o texto sugerido pelo Senador Wellington Fagundes poderia ser alterado no sentido de dar AUTONOMIA às escolas no sentido de elas poderem fazer a avaliação se o aluno não frequentou por necessidade ou por negligência dos pais, pois o SISTEMA nos impede, muitas vezes a Secretaria de Educação nos impede e nos resta recorrer aos Conselhos Estaduais ou Municipais. Agora pergunto: qual/quais destes órgãos conhece(m) mais a vida escolar do aluno do que a própria escola e seus professores?! Reforço que esse tipo de decisão deveria ser tomada pelos profissionais envolvidos diretamente com o aluno – professores, coordenadores e diretores!
Reconheço a necessidade de discutirmos melhorias para a Educação em geral e também para Educação Inclusiva e, tenho consciência que estamos longe de ter a escola dos nossos sonhos, mas como afirma Mitller (2003) em sua obra “Educação Inclusiva: Contextos Sociais”, “a Educação Inclusiva é muito mais um percurso a ser percorrido que um lugar a ser chegado”.
Posso afirmar que na escola na qual trabalho, temos planejamento específico para cada aluno de acordo com a avaliação diagnóstica e preparamos todas as atividades em consonância com este planejamento. Além disso, trabalhamos em equipe (professores de sala regular com professora da sala de recursos), objetivando a aprendizagem dos nossos alunos com deficiência e tem dado muito certo, embora saibamos que ainda temos muito o que aprender e muito a melhorar.
Reconheço também que há uma necessidade tremenda de formação para professores no que tange à Educação Inclusiva, mas reitero que manter hoje o percentual de frequência obrigatória para tais alunos do jeito que está não os inclui!
Ademais, se a escola tomar por iniciativa própria de alterar a frequência do aluno para que ele não seja vitimizado pela lei, ela comete fraude, então, o mais correto seria que a escola tivesse o poder de decidir sobre tal situação.
Att,
Professora Jansiléia Francisca Nogueira