Rosely Sayão
Cad. Equlíbrio – Folha de São Paulo – 22.05.2008
Uma leitora, educadora profissional de uma escola privada, escreveu manifestando
preocupação com o fato de muitos pais recusarem o convívio do filho com colegas
cujas famílias professam religião diferente da sua. Ela conta que a escola,
laica, sempre respeitou alunos que não participavam de festas juninas, autos de
Natal e outras comemorações religiosas, mas que, de um tempo para cá, a situação
está mais para a intolerância.
O tema pode ser ampliado: muitos pais têm evitado que seus filhos entrem em
contato com conceitos, idéias e comportamentos, não só religiosos, porque estes
não são aceitos pelas famílias. A máxima de que família e escola devem falar a
mesma língua para que a educação seja coerente ganha contornos perigosos dessa
forma.
Sabemos que os iguais procuram proximidade, e é seguindo tal princípio que
clubes formam seu quadro de associados, que torcidas se constituem, que tribos
aparecem, que surgem bairros e sociedades. Afinal, o elo que liga pessoas
diferentes entre si, mas com algo parecido ou igual, é a base de todos os
agrupamentos humanos. É também o que fornece e mantém a identidade das pessoas.
A família é o agrupamento que dá a identidade primeira para os mais novos, e o
sobrenome familiar aponta para a origem de cada um. Em tempos de multiplicidade
de referências socioculturais, a educação familiar ganha importância
principalmente para garantir referências e valores sólidos.
Entretanto, as referências se constituem apenas em um norte. Não podem se
transformar no único caminho a ser seguido. Afinal, a liberdade deve ser meta
prioritária em todo tipo de educação.
É na escola que os mais novos entram em contato com a diversidade sociocultural
existente. É a escola a responsável por iniciar o processo de separação das
crianças dos pais. Tal afastamento é necessário para que a autonomia seja
conquistada, para que a criança possa dar seus próprios passos e, mais tarde,
conviver em qualquer lugar, com qualquer tipo de pessoa e de qualquer maneira.
Aliás, tal afastamento também propicia o livre acesso ao conhecimento e, logo, à
formação do espírito crítico. Em casa, as crianças aprendem a acreditar em
algumas idéias; na escola, aprendem a conhecê-las.
Quando os pais proíbem ou dificultam o acesso dos filhos a idéias e hábitos
diferentes dos seus, buscam inseri-lo em um grupo homogêneo. Ora, nada mais
autoritário e arriscado, pois isso possibilita que se crie a idéia de
propriedade da verdade e, consequentemente, da intolerância e do desrespeito.
Aliás, temos vivido esse problema: o outro tem sido considerado um estranho e
olhado com desconfiança. Tal atitude compromete a vida pública e temos sentido
isso na pele. Manter os filhos apenas “dentro da família” não deixa de ser um
ato incestuoso, já que impossibilita as trocas laterais.
E não queremos aprisionar nossos filhos, não é? Ao contrário, queremos que sejam
pessoas livres, autônomas, conscientes do que significa ser cidadão, podendo,
desse modo, construir um mundo melhor.