A bengala verde e a busca por visibilidade

Por Manoel Negraes *

Coletivo Bengala Verde escrito em branco sobre fundo verde.
Coletivo Bengala Verde escrito em branco sobre fundo verde.

As pessoas com deficiência visual – pessoas cegas ou com baixa visão – enfrentam inúmeras dificuldades no cotidiano. Contudo, as pessoas com baixa visão, em particular, enfrentam dificuldades por viverem em um estado ambivalente no qual não há nem ausência nem presença total de visão, o que pode gerar não-identificação com sua condição ou com a bengala, confusão, desconfiança, situações constrangedoras e discriminação, tanto por pessoas que enxergam quanto por pessoas cegas.

São inúmeras experiências vivenciadas por pessoas que buscam autonomia, independência e reconhecimento em uma sociedade que, por sua vez, ainda não as identifica como parte de um grupo de pessoas com deficiência visual. Isso com base, inclusive, na concepção errônea de que todos os usuários de bengala são cegos, sendo que a grande maioria das pessoas com baixa visão também precisam desse instrumento para a orientação e mobilidade.

Em 1996, justamente para enfrentar essas dificuldades específicas do universo da baixa visão, a professora uruguaia de educação especial Perla Mayo, que atua na Argentina, criou a bengala verde – cor que representa a esperança, de “ver-de outra maneira”, de “ver-de novo”.

Com isso, a intenção da diretora do Centro Mayo de Baja Visión, localizado em Buenos Aires, foi contribuir para a aceitação do uso da bengala pelas pessoas com baixa visão (que rejeitam muito a bengala branca por ser um símbolo da cegueira), para a identificação da pessoa com baixa visão pelas outras pessoas e para a construção de uma noção de pertencimento a um grupo ainda imerso na invisibilidade social.

A novidade teve uma repercussão tão positiva que dois anos depois, em 1998, Mayo apresentou no Congresso Mundial de Baixa Visão, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, uma pesquisa sobre o uso da bengala verde.

Já no campo jurídico, no dia 27 de novembro de 2002, foi aprovada na Argentina a Lei nº 25.682 que estabelece a bengala verde como instrumento de orientação e mobilidade para as pessoas com baixa visão, garantindo, inclusive, cobertura obrigatória por parte do Estado e dos planos de saúde. Segundo Mayo, atualmente, mais de dez mil argentinos utilizam a bengala verde no país que comemora, em 26 de setembro, o “Día del Bastón Verde”.

No momento, outros países difundem o uso da bengala verde – Nicarágua, Colômbia, Paraguai, México, Equador, Bolivia, Costa Rica, Venezuela e Uruguai – sendo que este último também possui legislação sobre o tema semelhante a da Argentina, a Lei nº 18.875, aprovada pelo governo uruguaio em 14 de dezembro de 2011.

No Brasil, desde 2014 a bengala verde é difundida e, atualmente, diversas iniciativas promovem o seu uso, entre elas o Coletivo Bengala Verde (https://www.facebook.com/coletivobengalaverde/), que, inclusive, colaborou com a construção do Parecer Técnico 004/2017 da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), que representa 86 entidades espalhadas por todo o território nacional (leia no link abaixo).

No entanto, os brasileiros ainda precisam aprofundar e qualificar o debate sobre o tema, com a ampla participação das pessoas com baixa visão e de diversos setores da sociedade. Afinal, o que parece ser, em princípio, apenas uma mudança de cor, na verdade, representa uma efetiva oportunidade para informar sobre as características da baixa visão e as dificuldades enfrentadas por seis milhões de pessoas que vivem entre o “ver” e o “não ver”.

Leia o Parecer Técnico 004/2017 da Organização de Cegos do Brasil – ONCB: http://www.oncb.org.br/documentos/Parecer-da-ONCB-Sobre-o-Uso-da-Bengala-Verde.pdf

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* Manoel Negraes é cientista social e um dos integrantes do Coletivo Bengala Verde.

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