Vontade política

Símbolo de acessibilidade

ANDREI BASTOS

Há algum tempo, fui convocado para um debate sobre a nova Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) carioca. Trata-se da reencarnação de uma CPA, que nem “para inglês ver” serviu, promovida pelo atual prefeito do Rio.

Uma outra “reencarnação” vinha sendo defendida pelo também carioca Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comdef-Rio), que no seu documento Políticas Públicas Municipais para as Pessoas com Deficiência, entregue ao prefeito, apresentava como primeira ação prioritária dar mais poder à comissão para liberar, ou não, os alvarás e habite-se baseados no atendimento às exigências de acessibilidade.

Talvez pelo desconhecimento de que a acessibilidade beneficia a todos, e não apenas a quem tem deficiências, e que, por isso, representa um grande avanço civilizatório, a atual gestão municipal não aplicou inteiramente o que o Comdef-Rio apresentou à CPA hoje reencarnada, que não tem caráter deliberativo e autorizativo e está muito aquém das necessidades de nossa cidade, tão desprovida de políticas públicas de acessibilidade, como ficou evidente na última reunião da CPA de que participei, agora em dezembro.

Pois bem, quando fiquei sabendo que no debate para o qual fui convocado seria apresentado o acessível mundo de Silvana Cambiaghi na cidade de São Paulo, que, apesar de ainda ter problemas, está mil anos-luz à frente do nosso indigente município do Rio de Janeiro, pensei em me apresentar fazendo-lhe um contraponto com as nossas mazelas, fotografando meu trajeto, em cadeira de rodas, entre a Zona Sul e o Centro do Rio de Janeiro usando o transporte público.

Desisti. Não tenho tanta capacidade física para tão dura prova de obstáculos.

Mas não foi difícil estabelecer um contraponto a Silvana Cambiaghi, pois, além das excelentes imagens comprovando as conquistas de acessibilidade urbana que apresentou, ela ressaltou diversas vezes que o mais importante era a vontade política de fazer acontecer as coisas certas, contando que a CPA de São Paulo já começou com esta vontade política, na época manifestada, justiça seja feita, pelo prefeito Paulo Maluf, que deu plenos poderes à Comissão.

Aqui, na Cidade Maravilhosa, só existiu a vontade das pessoas com deficiência que, tempos atrás, saíram das ruas, onde vendiam doces nos sinais de trânsito, e conseguiram organizar o primeiro conselho municipal de pessoas com deficiência do Brasil, exclusivamente com a sociedade civil, por orientação de Jó Rezende, que se notabilizou por organizar associações de moradores na gestão do prefeito Saturnino Braga.

Depois de algum tempo, o conselho da época convocou o poder público a também participar, na esperança de que ele se tornasse o braço executor. Muito mais deficiente do que qualquer deficiência, a falta de vontade política impediu qualquer avanço e o conselho passou a ser apenas um apêndice deste mesmo poder público, o que, espero, não aconteça com esta CPA reencarnada.

Andrei Bastos é jornalista e integrante do Comdef-Rio

Também no Globo Online.

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