Brasil emplaca resolução na ONU para promoção da Linguagem Simples

fabio onu

A Linguagem Simples é uma técnica que facilita o acesso à informação e vem ganhando força no Brasil nos últimos anos

A Assembleia Geral da ONU adotou na última sexta, 16/12, resolução proposta pelo Brasil para promoção da Linguagem Simples como forma de acessibilidade para pessoas com deficiência.

É a resolução 77/240, Promoting and Mainstreaming easy-to-understand communication for accessibility for persons with disabilities – Promovendo e integrando comunicação fácil de entender para a acessibilidade de pessoas com deficiência.

O texto foi copatrocinado inicialmente pela Argentina, República Dominicana, Egito, El Salvador, Grécia, Guatemala, Filipinas e Portugal, e obteve apoio de outros 91 países.

Com a decisão, os 193 países membros da organização se comprometem com uma série de ações com o objetivo de incentivar a adoção da comunicação fácil de entender.

Linguagem Simples

A Linguagem Simples é uma técnica que reúne orientações sobre redação, estrutura, desenho e validação de textos, para tornar a informação acessível a pessoas com dificuldade de compreensão de leitura.

Apesar de ser um direito à comunicação garantido pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a prática ainda é pouco difundida no mundo como recurso de acessibilidade para pessoas com deficiência intelectual, e só nos últimos anos tem ganhado espaço no Brasil.

Em setembro de 2019, o Seminário sobre Comunicação Simples, realizado no Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados, reuniu especialistas da área como Patricia Almeida, cofundadora do Movimento Down e criadora do Gadim Brasil – Aliança Global Para Inclusão da Deficiência na Mídia e no Entretenimento, Heloisa Fischer, Fundadora do Comunica Simples e então mestranda em Design na PUC-Rio, Eduardo Cardoso, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, participante do Grupo com Acesso, Debora Feldman Pedrosa Mascarenhas, Psicóloga, mestra em Diversidade e Inclusão pela UFF, Carla Mauch, Coordenadora Técnica do Mais Diferenças e Rita Louzeiro, representante da Rede Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência.

Reconhecendo a urgência da pauta, em dezembro do mesmo ano os deputados federais Erika Kokay e Pedro Augusto Bezerra apresentaram Projeto de Lei (PL 6256) para instituir a Política Nacional de Linguagem Simples nos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta. O projeto aguarda votação.

De lá para cá, diversas iniciativas neste sentido vêm surgindo a nível municipal, estadual e federal, no executivo, legislativo e judiciário.

A Escola Nacional de Administração Pública, ENAP, lançou um curso ministrado pela pesquisadora Heloisa Fischer.

https://www.escolavirtual.gov.br/curso/315

Em março de 2021 foi criada a Rede de Linguagem Simples, reunindo pessoas interessadas e materias para disseminação da prática.

https://www.redelinguagemsimplesbrasil.org/

Um dos bons exemplos elaborado pela Justiça Federal de Minas Gerais e do Paraná, é o Manual Visual sobre Termos Jurídicos, que explica expressões complexas em “juridiquês”.

CARTILHA-VISUAL-LAW

Entre várias iniciativas, em setembro deste ano, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais publicou Portaria instituindo “O uso de linguagem simples e de direito visual no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais, destinado a ampliar o acesso da sociedade à Justiça, melhorar a comunicação e simplificar a prática de atos processuais”.

http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pc13912022.pdf

E em Goiás, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-GO) levou a linguagem jurídica simples para além dos muros da vara de Anápolis em cooperação com a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Procuradoria-Geral do Estado.

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/11/05/juiza-de-goias-inspira-ao-trocar-juridiques-por-linguagem-simples.htm

A Fiocruz produziu guias de comunicação acessível em julho deste ano e está elaborando formulários em Linguagem Simples para serem usados inicialmente na Atenção Primária à Saúde a pessoas com deficiência, além de outros materiais, dentro do projeto de pesquisa do Programa de Políticas Públicas, Modelos de Atenção e Gestão do Sistema e Serviços de Saúde (PMA) da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas.

https://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz-lanca-guias-que-estimulam-comunicacao-acessivel

No mundo

Mundialmente, há diferentes correntes com o propósito de facilitar o acesso à informação, como Plain-language (Linguagem Clara) e Easy Read (Leitura Fácil), especialmente quando dirigida ao público mais vulnerável.

A Espanha foi o primeiro país a instituir uma norma técnica sobre o assunto, incluindo orientações sobre como produzir informação em Linguagem Simples e validar com o público foco.

https://revista.une.org/4/primera-norma-tecnica-sobre-lectura-facil.html

A organização espanhola Plena Inclusión, uma das pioneiras, tem um grande número de publicações em Linguagem Simples (na Espanha chamada Lectura Fácil).

https://www.plenainclusion.org/publicaciones/buscador/

Pesquisadores europeus reunidos no consórcio EASIT (Easy Access for Social Inclusion Training) Treinamento para Acesso Fácil a Inclusão Social, https://pagines.uab.cat/easit/en disponibilizaram um curso gratuito em inglês para formação de profissionais  na área.

https://transmediacatalonia.uab.cat/easit/

A argentina Fundación Visibilia, umas das que mais tem experiência na validação de conteúdos, lançou um Manual de Lectura Fácil.

https://www.eudeba.com.ar/Papel/9789502332574/Manual+de+lectura+f%C3%A1cil

A Organização Internacional para Padronização (International Standarization Organization) ISO, está preparando uma norma internacional sobre o assunto.

https://www.iso.org/standard/78907.html

Resolução

O Ministério das Relações Exteriores decidiu apresentar o projeto de resolução a partir de um ofício enviado ao pela Rede Brasileira de Inclusão – Rede-In.

http://ampid.org.br/site2020/wp-content/uploads/2022/12/Of%C3%ADcio-n%C2%BA-11-MRE-LINGUAGEM-SIMPLES.pdf

A Rede-In é composta pelas seguintes organizações:

Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas;
Associação Amigos Metroviários dos Excepcionais – AME-SP;
Associação Brasileira por Ação pelos Direitos das Pessoas com Autismo – ABRAÇA;
Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade – APABB;
Associação Nacional de Emprego Apoiado – ANEA;
Associação Nacional de Membros(as) do Ministério Público em Defesa das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID;
Coletivo Brasileiro de Pesquisadores e Pesquisadoras dos Estudos da Deficiência – MANGATA;
Coletivo Feminista Helen Keller;
Escola de Gente – Comunicação em Inclusão;
Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down – FBASD;
Instituto JNG – Moradias para Vida Independente;
Instituto Jô Clemente – IJC;
Instituto Rodrigo Mendes – IRM;
Mais Diferenças – Educação e Cultura Inclusivas;
Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e Com Baixa Visão – MBMC;
Rede Brasileira do Movimento de Vida Independente – Rede MVI;
Vidas Negras com Deficiência Importam – VNDI;
Visibilidade Cegos Brasil.

Diferentemente de países europeus, no Brasil a Linguagem Simples não somente é acessível a pessoas com deficiência intelectual, como tende a beneficiar uma parcela bem maior da população brasileira, que não teve oportunidade de estudar. Além disso, contribui como um antídoto contra a desinformação. A técnica favorece a democratização da informação.

A Missão do Brasil junto às Nações Unidas em Nova York, assessorada pela International Disability Alliance – IDA – Aliança Internacional das Pessoas com Deficiência, que reúne instituições internacionais ligadas às diferentes áreas da deficiência, e por especialistas internacionais em Linguagem Simples, preparou a primeira minuta da resolução, que foi apresentada a delegados de outras missões num café da manhã bem brasileiro, com direito a café, pão de queijo e tapioca.

Integrantes da Inclusion International – Inclusão Internacional, membro da IDA, explicaram aos participantes o que é a Linguagem Simples e como ela é fundamental para o exercício pleno dos direitos de pessoas com deficiência intelectual e pessoas com dificuldade de leitura.

A minuta de Resolução foi circulada entre os países, que fizeram sugestões para adequação do texto.

Intitulada “Promovendo e integrando uma comunicação fácil de entender para acessibilidade de pessoas com deficiência”, a resolução foi aprovada durante sessão da Assembleia Geral da ONU, na última sexta-feira. O texto original será adaptado para Linguagem Simples.

Veja um resumo dos principais pontos:

1. Reafirma a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu papel fundamental, inclusive na promoção do desenvolvimento, implementação, disseminação e integração de recursos, ferramentas e soluções de acessibilidade, bem como informações e comunicações, para todas as pessoas que delas necessitem;

2. Convoca os países a redobrar os esforços para enfrentar os obstáculos e barreiras à acessibilidade em informações, comunicações e outros serviços;

3. Destaca as preocupações globais sobre a rápida disseminação e proliferação de desinformação e sublinha a necessidade de divulgação de informações factuais, oportunas, claras, acessíveis, multilíngues e baseadas em evidências, e a importância de oferecer e promover o acesso a essas informações como uma ferramenta para combater desinformação;

4. Chama os países a tomarem as medidas adequadas para garantir que pessoas com deficiência possam exercer o direito à liberdade de expressão e opinião, incluindo o direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias em igualdade de condições com outras pessoas;

5. Sublinha que as informações apresentadas em comunicação fácil de entender pode beneficiar a todos, em particular as pessoas com deficiência e pessoas com dificuldades de leitura, incluindo pessoas pertencentes a minorias;

6. Decide realizar uma reunião, a ser convocada pelo Presidente da Assembleia Geral, durante a décima sexta sessão da Conferência dos Estados Partes no Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, para trocar pontos de vista e identificar e discutir boas práticas sobre o papel da comunicação fácil de entender;

7. Solicita ao Secretário-Geral o uso e implementação de linguagem de fácil compreensão como recurso e ferramenta de acessibilidade para pessoas com deficiência e apresentar recomendações sobre diretrizes e boas práticas, a serem submetidas durante o 78. sessão da Assembleia Geral, em consulta e garantia o engajamento ativo e a participação de pessoas com deficiência intelectual e suas organizações representativas, bem como entidades relevantes das Nações Unidas, incluindo o Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Secretaria, o Enviado Especial do Secretário-Geral para Deficiência e Acessibilidade, o Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência e o Relator Especial sobre os direitos das pessoas com deficiência deficiências e outras partes interessadas, como a sociedade civil e representantes organizações;

8. Também solicita ao Secretário-Geral que leve a presente resolução à atenção de todos os governos, organizações intergovernamentais regionais, Estados Unidos Sistema das Nações Unidas e processos, incluindo o Comitê Diretor de Acessibilidade e o Grupo de Trabalho Ad Hoc de Revitalização da Obra da Conjunto;

9. Solicita ainda ao Secretário-Geral que produza uma versão da presente resolução em formato acessível e com linguagem de fácil entendimento, em consulta com os Estados-Membros, às pessoas com deficiência intelectual e suas organizações representativas.

Veja o texto completo, em inglês. A resolução prevê uma versão em Linguagem Simples, que será divulgada em breve.

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/resolucao-da-agnu-sobre-linguagem-simples ]

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