Recurso que deveria ter sido incluído em programas em 2008 ainda não está acessível; Ministério das Comunicações discute o assunto
Mariana Faraco
Markiano Charan Filho, cego desde o nascimento, há 45 anos, tentou acompanhar Poltergeist pela TV. A família foi dormir e ele ficou sozinho, intrigado. “As cenas finais eram efeitos sonoros, não consegui entender”, diz ele, diretor-presidente da Associação de Deficientes Visuais e Amigos (Adeva). Se a audiodescrição já tivesse sido adotada pelas TVs abertas do País no ano passado, como previsto em lei, ele teria ido dormir sem interrogações. Mas a determinação foi suspensa por portaria em outubro, após emissoras questionarem sua viabilidade técnica e financeira. Por causa do impasse, o Ministério das Comunicações deve fazer até o fim do semestre uma audiência pública para estabelecer critérios para a adoção do recurso.
A audiodescrição é uma narração, num segundo canal de áudio, que permite a cegos compreender a programação quando não há diálogos ou locuções. A inclusão desse recurso e de outras tecnologias de acessibilidade – como linguagem dos sinais e legenda oculta, para deficientes auditivos – tem base na lei 10.098, de 2000. Em 2006, uma portaria deu prazo de dois anos para as emissoras se adequarem, passando a exibir pelo menos duas horas diárias de programação com tais recursos. Essa obrigação aumentaria, de modo que, em dez anos, toda a grade se tornaria acessível. As TVs passaram a adotar a legenda oculta em parte da programação, atendendo aos surdos. “Mas nós continuamos à margem”, diz Charan.
Em nota, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) diz que a audiodescrição é “impraticável” hoje. “No Brasil, o atual padrão analógico de televisão, a necessidade de importação de equipamentos e da contratação de profissionais especializados, em número insuficiente para atender ao mercado nacional, tornam impraticável, neste momento, o emprego deste recurso.”
Associações de deficientes visuais afirmam que a suspensão limita o direito constitucional à informação. A entidade que Charan representa prepara uma carta para o ministério, que está com consulta pública aberta até o dia 31. Outras associações também têm divulgado manifestos de repúdio. Lívia Motta, que forma audiodescritores, defende a adoção imediata do sistema. “Um dos argumentos da Abert é de que não há audiodescritores suficientes. Não é verdade: os que existem estão capacitados a formar outros, e isso aconteceria se houvesse demanda.”
Segundo Marcelo Bechara, consultor jurídico do Ministério das Comunicações, é preciso atender às necessidades dos deficientes, mas “de forma exequível”. “As próprias TVs públicas solicitaram que a questão fosse reavaliada. Há muitas dúvidas: um concerto musical pode ser audiodescrito? E um jogo de futebol, já não é? Posso afirmar que teremos audiodescrição na TV. A questão é mais o ?como?, nem tanto o ?quando?.”
NO TEATRO
Lizette Negreiros, curadora de teatro infanto-juvenil do Centro Cultural São Paulo (CCSP), estreia hoje como audiodescritora. Por 50 minutos, ela e outras voluntárias, coordenadas por Lívia, narrarão o que se passa a cegos que assistirem ao espetáculo Amor Que É de Mentira ou Mentira Que É de Amor? “Nossos olhos serão os deles.” Pela primeira vez, o recurso será usado em um espaço público no Estado. A audiodescrição não interfere na apresentação – os cegos ouvem o relato paralelo por meio de fone de ouvido. A apresentação faz parte das comemorações do bicentenário de Louis Braille.
Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090124/not_imp312119,0.php